A solução para a integração dos imigrantes é o cosmopolitismo
Portugal é o quarto país mais envelhecido do mundo, ou seja, com mais pessoas com uma idade igual ou superior a 65 anos. O tema é preocupante e coloca em causa a sustentabilidade do modelo de segurança social, mas está ligado a um outro tema que pode ajudar a resolver parte do problema: o aumento do fluxo de imigração. A população estrangeira (800 mil pessoas) já representa cerca de 8% da população total do País, o que tem ajudado a equilibrar o saldo. Mas é preciso questionar e debater a integração destas pessoas na sociedade. «Portugal não está a braços com um problema de imigração, mas pode estar a enfrentar um problema de política de imigração», sublinhou Gonçalo Saraiva Matias, presidente do conselho de administração e da comissão executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS).
O responsável foi o keynote speaker da 22.ª Conferência da Marketeer, que decorreu no Campo Pequeno, em Lisboa, e teve como mote o tema “Marketeers: há mais consumidores por aí!”. Numa intervenção sobre “Os desafios das migrações internacionais”, e com o auxílio das estatísticas recolhidas pela FFMS, Gonçalo Saraiva Matias retratou a evolução da sociedade portuguesa nos últimos anos e analisou as principais mudanças que devem fazer as marcas (e os marketeers) repensarem a sua abordagem do ponto de vista estratégico e de comunicação.
De acordo com o presidente do conselho de administração da fundação, o tema das migrações é «talvez o maior desafio da nossa sociedade, mas tem de ser enquadrado no contexto mais geral do desafio demográfico». O envelhecimento demográfico não é exclusivo de Portugal e verifica-se um pouco por toda a Europa, resultando de uma combinação de vários factores, alguns dos quais positivos, como a melhoria dos cuidados de saúde e o aumento da esperança média de vida. Por cá, nas cinco décadas de democracia, a esperança média de vida prolongou-se em cerca de sete anos, segundo os dados da Pordata (da FFMS).
Não obstante, o tema do envelhecimento coloca alguns problemas e um dos mais evidentes está relacionado com o rácio de pessoas em idade activa versus pessoas idosas. «O nosso modelo de Segurança Social está assente numa pirâmide demográfica e esta pirâmide inverteu-se nos ultimos anos. Entre 1960 e 2020, este rácio inverteu-se em praticamente todos os países europeus, mas no caso de Portugal é particularmente preocupante», frisa Gonçalo Saraiva Matias.
Analisando o tema mais a fundo, Portugal volta a estar na cauda da União Europeia (UE) num dos indicadores demográficos mais revelantes, o do número de crianças e jovens com menos de 15 anos, que representam apenas 13,1% da população nacional. Pior, só Itália. De resto, por cada 100 residentes em Portugal, 13 são crianças, 64 estão em idade activa e 24 têm mais de 65 anos, mas a tendência será a redução gradual da população em idade activa.
Saldo populacional no “verde”
Outro dos temas levados a palco por Gonçalo Saraiva Matias foi o do saldo total da população, que resulta da conjugação do saldo natural (a diferença entre as pessoas que nascem e morrem todos os anos) e o saldo migratório (a diferença entre as pessoas que saem e as que entram no País). Portugal esteve quase uma década com saldo negativo nestes dois indicadores.
E se, actualmente, o saldo natural continua a ser «negativo ou muito negativo», tendo sido agravado durante a pandemia de Covid-19, já o migratório tem vindo a subir nos últimos anos: desde 2019, o número de imigrantes é três vezes superior ao de emigrantes, contribuindo para saldos migratórios positivos. O suficiente para que, em 2022, o saldo total da população tenha sido positivo em 115.324 indivíduos. Contudo, este é um valor «marginalmente positivo e que não permite compensar o saldo negativo na última década, superior a mais de 200 mil pessoas», ressalva o presidente do conselho de administração da FFMS. «Mas permitiu perceber que o equilíbrio do saldo populacional só é possível através da migração», acrescentou.
Sustentando esta ideia, Gonçalo Saraiva Matias lembrou que a única forma de equilibrar o saldo natural é através do aumento da taxa de natalidade. Contudo, «qualquer sucesso nas medidas de incentivo à natalidade demora décadas a fazer efeito, porque aqueles que nascem hoje só entram em idade activa daqui a 20 anos. Essa via é necessária, mas não produz resultados imediatos».
Pelo contrário, a migração é a solução mais imediata para “rejuvenescer” a população nacional, uma vez que a maioria dos imigrantes que chegam ao País estão em idade activa. «Para além de que a taxa de natalidade entre mães imigrantes é superior à das mães portuguesas, portanto acaba por contribuir também para o aumento da natalidade», frisou.
Pelo lado negativo, o presidente do conselho de administração da FFMS lembrou que a curva da emigração está a subir e muitos do que estão a sair do País são jovens altamente qualificados que vão à procura de oportunidades de trabalho com melhores remunerações.
O perfil dos novos migrantes
Se a população europeia (e portuguesa) está a envelhecer, esta não é uma realidade transversal a todo o mundo. Pelo contrário, a população mundial está a crescer, tendo atingido 8 mil milhões de pessoas em Novembro de 2022. «Há aqui riscos e oportunidades. Se a Europa é um espaço de riqueza, bem-estar e prosperidade, e se a população está a decrescer, a pressão migratória vai continuar a ser brutal, porque as pessoas vão querer vir para este espaço e este espaço precisa delas», afirmou Gonçalo Saraiva Matias. Por enquanto, entre os destinos que recebem mais imigrantes no mundo estão os EUA, Alemanha, Arábia Saudita, Federação Russa e Reino Unido, entre outros.
Se, em 2020, havia 281 milhões de migrantes a nível internacional, o equivalente a 3,6% da população mundial, a tendência é que este indicador cresça nos próximos anos, por força das guerras, das alterações climáticas, mas também das assimetrias socio-económicas. Além disso, o tema dos refugiados não deve ser esquecido. Apesar de menos debatido neste momento, é uma realidade que «de um modo geral não tem diminuído», observando-se até uma diversificação dos países que têm recebido este tipo de pessoas. Se Grécia e Itália eram as principais portas de entrada de refugiados na Europa, nos últimos anos tem havido uma deslocação para Oeste, sobretudo para Espanha, num movimento que, mais cedo ou mais tarde, «vai chegar a Portugal».
Importa ainda analisar a mudança no perfil dos migrantes. Em Portugal, a maior parte dos que chegam ao País são trabalhadores, mas há também os que vêm para ficar junto da sua família, os investidores, os nómadas digitais que ficam uma temporada ou os reformados que decidem ficar para o resto da vida.
Independentemente destes novos fluxos migratórios, Gonçalo Saraiva Matias lembrou que, «do ponto de vista social, a população migrante em Portugal é particularmente vulnerável. Tem um desemprego superior à média nacional, salários inferiores e um risco de pobreza superior. São ‘red flags’ de preocupação social».
Em termos de nacionalidades, o Brasil é, de forma destacada, o principal país de origem dos imigrantes (30%), mas geografias como a Índia ou o Paquistão têm vindo a escalar na lista. E isso coloca desafios de integração destas pessoas, do ponto de vista cultura, religioso, entre outras vertentes.
A solução do cosmopolitismo
Nesse ponto, Gonçalo Saraiva Matias salienta que há três abordagens possíveis ao tema da integração dos imigrantes num determinado país/sociedade:
• Multiculturalismo: um modelo onde as diferentes culturas e realidades pouco se misturam. É uma forma de integração que tende a falhar e que, em muitos dos casos verificados até hoje, leva a uma concentração das populações imigrantes em guetos;
• Assimilação: um modelo em que os imigrantes tendem a abdicar das próprias culturas em prol de uma aculturação a um novo país. «Não é uma boa política, porque, no fundo, estamos a forçar as pessoas a prescindirem daquilo que é a sua personalidade»;
• Cosmopolitismo: é, na opinião de Gonçalo Saraiva Matias, a «melhor forma de integração». Permite que os imigrantes mantenham a sua cultura, hábitos, gastronomia, ao mesmo tempo em que se adaptam à cultura dos países que os acolhem. Neste modelo, há uma espécie de “cola social” que faz as pessoas acreditarem num processo comum. É o propósito, por exemplo, do famoso “Sonho Americano”.
Em jeito de conclusão, Gonçalo Saraiva Matias lembrou que todas estas tendências demográficas levam ao surgimento de novos padrões de consumo, que exigem uma adaptação não só por parte dos Governos (na criação de infra-estruturas, na área da Saúde, por exemplo) mas também das marcas e empresas. Se as nossas empresas tanto precisam de trabalhadores, em todos os sectores (do retalho ao turismo, passando pelo alimentar), então é preciso abraçar este desafio da integração. «Importámos trabalhadores imigrantes e, de repente, percebemos que eram pessoas, com os seus gostos, práticas religiosas e culturas. Temos a necessidade de adaptar o nosso ambiente a essas realidades para criarmos ambientes que sejam seguros e hospitaleiros. Como o vamos fazer?», questionou a audiência. «Portugal precisa em absoluto destas pessoas para ter um futuro», concluiu.
Texto de Daniel Almeida