A slow web
Julho, muito sol, 35 graus à sombra. Os miúdos brincam na lagoa de água morna deixada pela maré a vazar, nós, ora atiramos conversa fora, ora preguiçamos em silêncio. Não se passa nada. Tão bom que não dá vontade de partilhar com ninguém, o evento fica guardado numa timeline privada à qual só acedem os que cá estão. Zero likes, zero comments, zero shares. Pouco fotogénico, pouco partilhável, apenas a vida a ser vivida devagar.
Abro uma excepção para quem está a ler a Marketeer porque serve de introdução ao assunto de hoje: ou a web serve a minha vida ou então não serve para nada. Talvez seja com esse espírito que tenha sido criado o movimento da slow web: uma resposta à fast web, o consumo de net rápido e omnipresente, descartável, guloso, viciante e sem grande valor nutricional.
Tal como a slow food nasceu por reacção à fast food, assim aparece a slow web; Jack Chang fala-nos dela no seu blogue, experimentem googlar jack chang e slow web e chegam lá, e vale a pena ler o artigo. Jack, que é ex-publicitário, escritor e designer, reflecte sobre esta reacção ao enjoativo apelo constante de likes e interacções em tempo real, e para distinguir a fast web da slow web, ele propõe alguns conceitos básicos: enquanto a fast web é feita de interacções em tempo real (“vejam, estou aqui agora a fazer isto, gostem! comentem!”), na slow web importa ser oportuno (“hum… este artigo é interessante.
Vou guardá-lo no Instapaper para ler quando tiver tempo”); na fast web a frequência de contactos é aleatória, o que nos faz estar sempre ligados porque não sabemos o que esperar nem quando (podemos estar sempre a perder algo importante), já na slow web defende-se um ritmo previsível de interacções (eu sei o que esperar e quando, por isso sei quando é o momento de me ligar); na fast web privilegia-se a informação, e quanto mais melhor, na slow web importa o conhecimento, digerir e guardar alguma coisa connosco depois de consumir; o que a fast web ambiciona em escala e massificação, a slow web deseja em moderação e profundidade.
Jack Chang teve o mérito de me incluir num movimento ao qual eu não sabia que pertencia. Mas a dúvida do leitor neste momento deve manter-se: o que é que as águas do Algarve e a slow web têm a ver com as marcas? Nada e tudo, arrisco-me a responder.
Hoje, a maior parte das marcas ambiciona dominar as técnicas da fast web, o seu retorno parece o melhor que o novo marketing pode oferecer: milhões de views e likes, muita gente a clicar num botão, que mais se pode desejar? Por isso muitas marcas abrem páginas no Facebook com o objectivo único de conseguir likes sem que outra razão exista para isso, logo sem que nenhuma razão exista. Com que retorno? Com que assunto? Com que sentido de oportunidade?
Desejar que o movimento da slow web domine o mundo das marcas é ingénuo, afinal até a slow food tantos anos depois continua a ser um movimento de nicho, é uma reacção ao consumo de massas, e a maior parte das marcas para as quais trabalhamos lida com isso mesmo, consumo de massas.
Mas tal como o McDonald’s já serve tirinhas de cenoura e maçã nas Happy Meals, penso que também as marcas podem incorporar alguns dos princípios da slow web nas suas práticas. A Nike já o fez e bem, primeiro com o Nike plus, agora com o Nike fuel, casos em que a web e a conectividade estão ao serviço das pessoas.
Mas a maior parte das marcas continua com a mesma estratégia online: a troco de nada oferecem nada, monólogos sobre si próprias, banalidades que toda a gente já sabe e informações sobre os produtos que vendem.
Parece poucochinho e leva-me de volta às águas do Algarve. Enquanto consumidora, se quiserem interromper a minha vida e criar uma ligação online comigo, inventem um assunto com interesse e utilidade, oportuno e relevante. Enquanto publicitária, continuarei a trabalhar para isso.
Texto Susana Albuquerque, Creative director da lowe ativism
Fotografia Paulo Alexandrino