A rapariga sem medo

Uma estátua de bronze de uma rapariga de uns oito anos foi inaugurada em Manhattan no dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher. A rapariga tem uma pose confiante: punhos na cintura, queixo erguido, olhar em frente. Não escolheram erguê-la neste lugar por acaso: ela olha, destemida, em direcção ao touro de bronze que há 28 anos é o símbolo de Wall Street.

O touro preparado para investir, símbolo do optimismo financeiro agressivo e da prosperidade, tornou-se uma obra de arte permanente e uma das atracções turísticas maiores na rua preferida de Gordon Gekko. A rapariga de bronze que o observa sem medo é uma obra de arte temporária. O mais curioso é que ela também é uma campanha publicitária.

Fearless Girl: é o nome da estátua-anúncio criada pela McCann Nova Iorque. É a ideia mais potente e bonita que vi sair de uma agência de publicidade nos últimos tempos. Responde a um briefing da State Street Global Advisers, uma consultora financeira que pediu à McCann que desenvolvesse uma ideia para levar mais mulheres até aos lugares de topo nas empresas. Justificam-no com um dado curioso: as empresas com diversidade de género na liderança têm melhores resultados financeiros.

Aqui está um briefing que não deixa ninguém indiferente. Nós, mulheres, habituadas a hastear a bandeira da igualdade de género no trabalho, sabemos que, ao lado dela, vem sempre a bandeira da justiça. Agradecemos saber que os resultados também estão do nosso lado. Mas a verdade é que eu só cheguei a este dado graças à ideia da rapariga sem medo. E se ela não fosse tão poderosa, ter-me-ia passado ao lado, como acontece com a maioria dos anúncios, tal é a facilidade que hoje temos em evitá-los.

Mas o que é que faz um anúncio poderoso ser tão poderoso?

Costumamos responder com o atrevimento, que é outra palavra para originalidade. Ou com a ambição, que nos leva a procurar ideias grandes, que querem mudar as pessoas para melhor. Referimos os insights, esse material precioso que nos garante uma ligação às pessoas através da empatia. E se fiarmos mais fino, falamos de relevância cultural, essa forma de garantir que dizemos algo que importa às pessoas agora. Mas também é preciso falar do craft. Porque ele parece ser uma espécie de parente esquecido das novas formas de fazer publicidade. Hoje tudo gira à volta da grande ideia. É preciso chegar a ela, e de preferência rápido. Concordo que sem uma boa ideia não temos nada. Mas a ideia não chega. A ideia é uma parte do trabalho. Sem o nível artístico da execução da Fearless Girl, menos gente teria parado para vê-la. A primeira coisa que me chamou a atenção a mim foi essa menina: o seu peso em bronze, o olhar subido, a posição dos braços, o peito aberto, o vestido levado pelo vento. Em poucos fotogramas, foi isso que me fez querer saber quem era ela, porque olhava tão destemida, e para quem. E esse é o poder do craft na publicidade. Fazer-nos parar e querer olhar para uma ideia.

Acabo de chegar de ser jurada no Art Directors Club de Nova Iorque, um dos festivais de publicidade mais antigos e mais prestigiados dos Estados Unidos da América, e que se dedica precisamente a premiar o craft na publicidade. “Craft takes time”, é o tema do festival deste ano. Tempo é algo que hoje se promete muito, e que se tem muito pouco. O craft leva tempo, é verdade, mas é graças ao craft que ganhamos o tempo das pessoas.

Texto: Susana Albuquerque

Directora criativa DDB Madrid

Artigo publicado na edição n.º 249, de Abril de 2017, da revista Marketeer.

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