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A Ponte entre a Torre de Marfim e a Sala de Reuniões
Texto de Susana Costa e Silva, Docente e Diretora do Mestrado em Gestão na Católica Porto Business School
Em Portugal, as Pequenas e Médias Empresas (PME) são a espinha dorsal da economia, representando a vasta maioria do tecido empresarial nacional, com um impressionante número de 99,9% do total de empresas. Estas PME desempenham um papel crucial na criação de valor acrescentado, contribuindo com cerca de 67,4% do total nacional, sendo responsáveis por uma fatia significativa do emprego: 76,2% da força de trabalho em Portugal. Segundo a Direção-Geral das Atividades Económicas, estes números não apenas sublinham a importância das PME para a economia portuguesa, como também demonstram que a sua relevância é ainda maior em comparação com a média da União Europeia, onde as PME – que são também 99% do número total de empresas – contribuem com cerca de 53% do valor acrescentado e 65,2% do emprego.
Segundo dados do IAPMEI, as PME Líder da região Norte representam, em 2023, 33,8% (3 846 empresas) do total das empresas distinguidas pelo prémio. Estas empresas tiveram um volume de negócios superior a 19 mil milhões de euros, exportações superiores a 4,5 mil milhões de euros e foram responsáveis por cerca de 36% (134 273) dos postos de trabalho em 2022. É no distrito do Porto que está sediada a maioria das PME Líder 2023 da região Norte (57%), seguido dos distritos de Braga (30,5%) e Viana do Castelo (6,6%). As PME Líder 2023 da região Norte evidenciam taxas de crescimento das vendas e das exportações de 17,1% e 19,9%, respetivamente. Portanto, para além do seu maior número e da sua concentração a Norte, estas empresas são pedras vivas na região, sendo responsáveis pelo seu crescimento económico e desenvolvimento social.
No cenário empresarial atual, em rápida evolução, estas empresas enfrentam desafios sem precedentes e com diversas origens. A necessidade de tomadas de decisão ágeis e rápidas e de implementar soluções inovadoras nunca foi tão grande. Para tal, as PME necessitam de aceder a conhecimento. E, acima de tudo, aceder às fontes onde ele é criado: as escolas de gestão.
Porém, muitas vezes, estas organizações – empresas e escolas de gestão – trabalham em silos, com uma divisão opaca entre o mundo da investigação académica e a realidade das empresas. As universidades, repletas de conhecimento de ponta e metodologias rigorosas, parecerem muitas vezes desligadas das lutas diárias da gestão. Este fenómeno agrava-se, pois, os académicos tendem a preferir analisar grandes empresas a PMEs. Por outro lado, os gestores, imersos nas pressões dos resultados trimestrais e espartilhados por pressões competitivas, podem não ter tempo ou recursos para estarem a par das últimas descobertas académicas, algo que é ainda mais notório nas PME. Esta lacuna apresenta-se, assim, como uma oportunidade significativa.
A ligação com o tecido empresarial onde se insere, deve fazer parte da estratégia de qualquer escola de negócios. Essa ligação pode, e deve, estar presente também na agenda dos investigadores, garantindo-se assim que o trabalho académico realizado é relevante e aborda problemas do mundo empresarial real. Ao fundamentar as suas teorias na observação prática, os investigadores podem desenvolver estruturas mais robustas e aplicáveis. Além disso, a exposição ao dinamismo dos negócios locais, pode despertar novas questões de investigação e inspirar abordagens inovadoras, numa lógica virtuosa de feedback loops.
As empresas e os seus gestores podem também criar imenso valor com o acesso à investigação científica, não apenas na área das ciências naturais, como também, na área das ciências sociais, designadamente ao nível de ferramentas de gestão. Por exemplo, estudos rigorosos podem fornecer conhecimentos relevantes sobre o comportamento do consumidor, tendências de mercado e dinâmicas organizacionais. As estruturas científicas podem oferecer abordagens estruturadas para a resolução de problemas, ajudando os gestores a irem além do instinto e a tomarem decisões mais informadas. Investigação de ponta, quando bem fundamentada na realidade, pode também expor os gestores a novas ideias e a melhores práticas, fomentando a inovação e impulsionando a criação de vantagens competitivas duradouras.
Um dos maiores desafios reside na tradução do jargão académico em conhecimento acionável, designadamente ao nível de empresas de menor dimensão, onde a multiplicidade de papéis do gestor limita, muitas vezes, uma reflexão profunda sobre as suas decisões. Precisamos de mecanismos que permitam a tradução da pesquisa fundamental em ferramentas e estruturas práticas que a gestão de PMEs possa aplicar prontamente. Refiro-me a resumos concisos de descobertas-chave, workshops que conectem teoria e prática e projetos colaborativos que reúnam académicos e gestores. Mas também à criação de think tanks que juntem todas as partes deste todo. Neste sentido, parece imperativo criar unidades de transferência de conhecimento que juntem as PMEs e que promovam a identificação de necessidades específicas do tecido empresarial local e a troca de conhecimentos. As escolas que melhor se encontrem nesta posição não devem furtar-se ao seu papel de catalisador desta interação, aproveitando a sua localização estratégica e a sua expertise para impulsionar o desenvolvimento regional e a competitividade das empresas. Exemplo destas iniciativas são os Centros de Transferência de Conhecimento da Católica Porto Business School, como o S.LAB, o LEAD.LAB e o INSURE.Hub, em parceria com a Escola Superior de Biotecnologia da Católica e a Planetiers, a que se deverá juntar, em breve, dois novos centros, um na área da sustentabilidade e inovação e outro na área da gestão global.
Uma conexão mais forte entre a academia e a prática pode levar a práticas de gestão mais eficazes, maior inovação e uma economia mais competitiva. Também pode contribuir para o desenvolvimento de uma nova geração de gestores equipados para enfrentar os desafios complexos do século XXI. A chave é criar uma cultura de colaboração e partilha de conhecimento, onde tanto académicos quanto gestores reconheçam o valor de aprender uns com os outros. Ao preencher a lacuna entre a torre de marfim e a sala de reuniões, podemos desbloquear uma riqueza de potencial inexplorado e criar um futuro mais próspero para todos. Criar esta ponte mais de que um desafio, é um desígnio numa escola de gestão.