A palavra do ano: Complicit
Todos os anos devoro com prazer a obsessão da internet pelos balanços de Dezembro e tenho um apetite especial pela eleição da palavra do ano. É um bom exercício de síntese, este de encontrar a palavra que melhor define os últimos 365 dias.
Para o dictionary.com a palavra do ano foi “Complicit”, empurrada pela ingerência russa nas eleições americanas, pela propagação da denúncia de abusos sexuais, pelos tiroteios em massa e pela epidemia dos opiáceos. O dicionário americano define-a como “Escolher estar envolvido num acto ilegal ou questionável, sobretudo com outros; ser parceiro de acções erradas, ou ter envolvimento nelas”. O curioso desta escolha é saber que a palavra subiu nas pesquisas em Março de 2017, depois do episódio do Saturday Night Live, em que Scarlett Johansson, vestida de Ivanka Trump, protagonizou um falso anúncio para o falso “Complicity”, um perfume que se anunciava como “O aroma para a mulher que podia ter acabado com isto tudo, mas não o fez”. Aqui fica um pequeno excerto da justificação: “A nossa escolha para a palavra do ano tem muito a ver com o que é visível e com o que não é. É uma palavra que nos recorda que até a inacção é uma espécie de acção. A aceitação silenciosa de uma acção que está errada foi o que nos trouxe até este ponto. Não podemos deixar que isso continue a ser a regra. Se o fizermos, então somos cúmplices.”
No Reino Unido, para o Collins, a palavra do ano é a expressão “Fake news”. Em 2016 tinha sido “Brexit”, em 2015 “Binge wat-ching”, em 2014 “Photo bomb” e em 2013 “Geek”, o que insinua que os britânicos têm caminhado para ser menos divertidos.
Em Espanha, é o Fundéu que se ocupa da escolha. O Fundéu é uma fundação que promove o bom uso do espanhol nos meios de comunicação. Em 2017, a palavra do ano foi Aporofobia, o medo ou aversão aos pobres. Esta palavra foi criada pela filósofa Adela Cortina, que nos últimos 20 anos se tem dedicado a explicá-la em livros e nos jornais. Segundo Adela, muitas vezes chamamos de xenofobia à aversão aos estrangeiros ou refugiados, quando na verdade o que está em causa é uma aversão à sua condição de pobres. O presidente da Fundação justifica a escolha com a importância de dar nomes às coisas para as tornar visíveis, no mesmo ano em que a Real Academia Española decidiu incorporar Aporofobia no dicionário.
Continuando em Espanha, e para nos recordar o quanto somos diferentes, a palavra do ano em 2016 foi “Populismo”, em 2015 “Refugiado”, em 2014 “Selfi” (sim, selfie à espanhola), e em 2013 “Escrache”, uma palavra importada da Argentina e do Uruguai para dar nome às manifestações que se multiplicaram à porta dos lugares frequentados por dirigentes políticos corruptos.
Por falar em dirigentes políticos, na Alemanha a palavra do ano foi Jamaica Out, expressão que se refere à coligação falhada entre a CDU de Angela Merkel, a FDP e a CSU para formar governo. O mais curioso é que na Alemanha, tanto se escolhe a palavra do ano como a não-palavra do ano: a palavra usada em discursos públicos socialmente mais inaceitável. Em 2016 foi “Volksverräter”, que significa “traidor do povo”, uma expressão nazi recuperada pela extrema-direita.
E chegamos a Portugal.
Em 2017, a palavra do ano foi “Incêndios”, numa escolha liderada pela Porto Editora a partir de sugestões do público e votação online. Em 2.º e 3.º lugares ficaram “Afectos” (obrigada, Marcelo) e “Floresta”. Em 2016 tinha ganho “Geringonça” e nos anos anteriores até 2009, quando a Editora começou a promover a escolha, tivemos: “Refugiado”, “Corrupção”, “Bombeiro”, “Entroikado” (?!), “Austeridade”, “Vuvuzela” e “Esmiuçar”, sendo inegável que este alinhamento nos dá uma espécie de retrato do país.
Mas regressemos aos EUA, o país onde se inventou o marketing e a publicidade como os conhecemos hoje, para informar o leitor que aí também se escolhe a palavra marketeer do ano através da ANA, a Associação Americana de Anunciantes. Em 2017, a palavra eleita foi AI, acrónimo de Inteligência Artificial. Essa que agora aparece por todo o lado em forma de Sophia, Siri, Alexa ou Watson, e que muito em breve conduzirá os nossos carros e escreverá os meus headlines. Gosto muito que AI tenha sido a palavra do ano do marketing, no mesmo ano em que Complicit foi a palavra eleita pelo dicionário, e isto não é uma ironia. É o ano certo também no marketing para reforçar a importância de vigiar a nossa inacção, sobretudo quando há um robot chamado Sophia que é considerado sexy, é cidadão da Arábia Saudita, promete ficar mais esperto com o tempo e uma das primeiras frases que o tornou popular é “I will destroy humans”.
Susana Albuquerque | Directora criativa Uzina
Artigo publicado na edição da Revista Marketeer n.º 258 de Janeiro de 2018.