A melhor aposta é na criatividade

Por Ricardo Domingues, head of International Markets Betclic Group

Após participar recentemente no evento Better Marketing da APAN, onde discuti de forma descontraída com o Nuno Jerónimo (fundador e director criativo d’O Escritório) se as campanhas com propósito são mais chatas, fiquei com vontade de explorar ainda mais a questão: qual o verdadeiro “custo” de ser aborrecido e como é que a criatividade pode ser a solução para isso?

Antes de mergulharmos no tema principal, desafio-vos a uma breve digressão sobre o cérebro humano: a máquina mais sofisticada até hoje criada. Este órgão tem uma notável capacidade de identificar, reconhecer e interpretar modelos já apreendidos, permitindo-nos dar sentido à vasta informação que encontramos diariamente. Do ponto de vista evolucionário, os nossos cérebros foram programados para identificar padrões como forma de poupar energia mental – já que processar a mesma informação repetidamente desde o início, além de aborrecido, é extremamente ineficiente do ponto de vista energético. Pode parecer irrelevante hoje em dia, mas, para o homo sapiens, num contexto de escassez de alimento, a poupança de energia era crucial para a sobrevivência da espécie.

Embora não exista uma única região do cérebro responsável pela identificação de padrões, o neocórtex desempenha um papel central neste processo, especialmente em funções cognitivas superiores, como a linguagem, o raciocínio abstracto e a tomada de decisões. Essa capacidade leva o cérebro a utilizar atalhos mentais – conhecidos como heurísticas -, estando sujeito a vieses cognitivos quando processa informações familiares. Por exemplo, quantas vezes já conduziu para o trabalho e, ao chegar, não se lembra de ter conduzido o percurso? Ou quantas vezes ficou sem saber se já tinha regado as plantas ou tomado medicação? Isto é resultado da nossa cabeça agir em piloto automático para tarefas rotineiras que exigem pouco esforço cognitivo – aquilo que o Prémio Nobel Daniel Kahneman, autor do “Thinking Fast and Slow”, designa por sistema 1. Os padrões que o cérebro digere a uma velocidade alucinante em piloto automático precisam de ser quebrados para a informação ser processada de maneira mais deliberada e consciente. É importante salientar que a vasta maioria das decisões que tomamos durante o decorrer do dia são a um nível subconsciente e com muito pouco esforço.

Suponho que esteja a questionar-se sobre a relação de tudo isto com a criatividade – e com razão. Quando passamos para o mundo da comunicação, entender o funcionamento do cérebro é fundamental para criar campanhas eficazes. Quando as marcas comunicam, o seu objectivo é construir uma rede semântica de associações para que, na hora da decisão de compra, já exista uma predisposição na mente do consumidor. Poucas são as campanhas de marketing com verdadeiro impacto nas decisões de compra do consumidor justamente porque a maioria é ignorada ou recebe pouca atenção. Para que a informação seja processada com atenção activa (ver Karen Nelson-Field) é preciso criar disrupção dos padrões conhecidos.  Vale a pena mencionar que para melhorar o recall é imprescindível melhorar a codificação da impressão no cérebro e, para além da atenção, a fricção, a excitação emocional e a música são catalisadores para atingir esse fim. Em setores saturados, onde as empresas tendem a oferecer produtos pouco diferenciados e a comportar-se de forma semelhante, a criatividade, como ferramenta que quebra padrões, torna-se essencial para destacar a marca.

Um estudo recente intitulado “Cost of Dull”, conduzido por Peter Field e Adam Morgan no Reino Unido, analisou o impacto das campanhas chatas que lutam para captar a atenção do consumidor. Estas campanhas ocupam o extremo do espectro da eficácia, focando-se na informação e apresentação de factos para persuadir. No extremo oposto temos as campanhas que atingem o nível de fama, que usam emoção para levar os consumidores a partilhar e a falar sobre elas. Os resultados são reveladores: as campanhas chatas investem, em média, £10 milhões a mais anualmente do que as campanhas criativas – em categorias como o retalho ou bens duráveis, esse valor pode chegar ao dobro. Por outras palavras, as campanhas criativas, que alcançam o estatuto de fama, precisam investir seis vezes menos do que as campanhas chatas para obter resultados semelhantes. Ora não há melhor notícia para partilhar com o vosso director financeiro.

Portanto, entender a nossa audiência, reconhecer e quebrar padrões de forma relevante sem alienar o consumidor é essencial na comunicação. A disrupção é uma ferramenta indispensável para tirar o cérebro do piloto automático e captar a atenção activa do consumidor. Sem isso, todo o investimento numa campanha pode ter um retorno perto de zero. Entendo que seja um grande risco para a maioria dos profissionais de marketing fazer diferente e assumir o risco de falhar redondamente – veja-se o exemplo da campanha do Snoop Dogg Goes Smokeless que levou ao despedimento do CEO da empresa -, mas o custo de fazer igual é demasiado alto e leva normalmente à degradação dos resultados a prazo. Sem qualquer dúvida, a nossa melhor aposta é na criatividade!

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