A importância da estupidez na comunicação
Diz-se que o sexo vende. Pois sou da opinião que a estupidez vende tanto ou mais.
Já tive oportunidade de participar criativamente em projectos com soluções aparentemente estúpidas e que foram um absoluto sucesso. O projecto Yorn foi um deles. A campanha dos Sumólicos Anónimos outro.
Também já participei em projectos tendencialmente organizados e lógicos, onde a tentação das pessoas se levarem demasiado a sério redunda num tremendo bloqueio do ponto de vista criativo e frequentemente em insucesso e mediania.
A normalidade está ao alcance de todos, o brilhantismo dos talentosos, a estupidez ao alcance de quem quer. De quem não tem medo dela.
O facto é que a estupidez, a boa estupidez, aquela que é baseada na necessidade de interpretar o mundo em que vivemos e lidar com isso, é única na sua capacidade de descontextualizar e voltar a contextualizar com novo valor um dado objecto de trabalho. O facto é que ao mesmo tempo que a solução estúpida nos aparece como tábua de salvação criativa, o sentimento de estupidez é também absolutamente fundamental para que nós possamos evoluir revelando sentido crítico, especialmente quando estamos a desbravar matérias fora da nossa zona de conforto.
Na ciência, e depois de ler um artigo que me passou pelos olhos do jornal “Cell Science”, a estupidez enquanto ignorância é o combustível da investigação – “Estupidez produtiva significa ser ignorante por escolha.(…) Concentrarmo-nos em coisas importantes coloca-nos na posição estranha de ser ignorantes. Uma das coisas mais belas da ciência é que nos permite vagabundear, errando constantemente, e fazer-nos sentir perfeitamente bem com isso, desde que aprendamos qualquer coisa em cada erro.” – Martin A. Schwartz – Department of Microbiology, University of Virginia.
Na criatividade, ela é tão importante para iluminar caminhos de diferenciação, quando perante nós parece estar apenas um mar de vulgaridade, como na capacidade de nos colocar em ligação directa com as pessoas, com os pensamentos não racionalizados, com a espontaneidade do ser humano. Tem também o poder de gerar respostas emocionais, pois a estupidez não tem regras e nessa medida torna-se difícil agir racionalmente.
No livro, “The Basic Laws of Human Stupidity”, do professor Carlos Cipolla, podemos ler – “quando confrontados com um indivíduo estúpido, estamos completamente à sua mercê. Porque as acções da pessoa estúpida não se conformam com as regras da racionalidade, ou seja: a) somos surpreendidos pela surpresa do ataque; b) mesmo que estejamos conscientes do ataque, não conseguimos arranjar uma defesa racional porque o próprio ataque carece de estrutura racional”.
Percebe-se a importância deste factor na comunicação, se eu descontextualizar o meu receptor, fazendo-o tomar contacto com uma realidade inesperada e surpreendente, contrária até à sua lógica de ver o mundo, vou obviamente obter uma resposta não padronizada, substancialmente emocional e, nessa medida, muito mais poderosa e “engaging”. Isto explica em parte por que é que não há inovação que passe limpa em estudos – é que não existe um padrão referencial contra o qual as pessoas possam confrontar as suas crenças e opiniões. Elas são obrigadas a improvisar.
Tentei elencar algumas das vantagens óbvias da estupidez no contexto da comunicação.
• A estupidez suaviza o lado coercivo da comunicação, fazendo o consumidor entrar imediatamente em “diálogo”, ainda que de início este possa ser algo entrópico.
• A estupidez não tem fronteiras, é relativamente universal e democrática, na medida em que, salvo alguns contextos culturais particulares, ela é entendida transversalmente, pois é uma característica do comportamento humano e provoca emoções.
• A estupidez faz as pessoas rir ou chorar, amar ou odiar, o que é sinal que estão atentas.
• A estupidez é tendencialmente original, o que produz normalmente resultados diferenciadores.
• A estupidez está para o comunicador como as piadas sobre comida para o cirurgião, é relaxante e uma muleta intelectual.
• A estupidez nunca nos desilude, pois não toca nas nossas expectativas existentes, cria umas novas.
• A estupidez aproxima pessoas, pois apoia-se em aspectos comportamentais que são criadores de códigos e sinédoques comunicacionais boas para cumplicidades sociais ou de grupo.
• A estupidez é uma prova de inteligência, se for usada para ajudar a descodificar uma mensagem complicada, ou para estimular a curiosidade.
Por esta altura, o leitor mais informado acerca de questões de comunicação deverá estar a pensar que vou falar da campanha da Diesel.
É verdade que este é o exemplo mais objectivo, diria até literal do que a estupidez pode fazer pela comunicação. E o enorme poder que esta campanha teve para manter (recuperar?) o posicionamento diferenciador da Diesel perante outras marcas como a Levi’s, que têm vindo a desenvolver universos bastante mais complexos e intelectualizados, com resultados inferiores do ponto de vista da notoriedade, e sem grandes ganhos comparativos em matéria de coolness.
Mas não é sobre a Diesel que me pretendo debruçar.
Um dos meus estúpidos preferidos no momento é o Remi Gaillard. E, vendo os seus filmes, percebemos como a estupidez pode ser inspiradora. O que é um facto é que diversas marcas directa ou directamente entraram na carruagem do Remi.
Este humorista francês assimilou a sua época com uma precisão e uma sagacidade admiráveis. Remi é um pranskter, ou, em bom português, um gajo que prega partidas. Debaixo do seu brilhante motto: “C’est en faisant n’importe quoi quon devient n’importe qui” – “é a fazer não importa o quê que nós nos tornámos não importa quem”, Remi tem desenvolvido dezenas de gags, em que pega em elementos da cultura comercial e mediática e os manipula até os transformar em gags que aplica em situações reais, ao género dos apanhados, sujeitando-se às reacções próprias de quem é confrontado com tamanha estupidez.
Coloca-os depois no seu canal especial do YouTube – “Nimporte qui” patrocinado pela Bet&Win e pela LG. A Orangina e a Nike fazem também parte do seu currículo de patrocinadores. Tal actividade já lhe rendeu também um programa no Eurosport e a aclamação mundial com mais de 800 milhões de visualizações dos seus vídeos.
O seu conceito, expresso na frase que citámos, para além de uma divertida imagem síntese dos tempos de voragem mediática e fixação na celebridade que vivemos, é o enunciado de uma das mais eficazes práticas de comunicação de todas, exercida por todos os seres humanos especialmente na infância e adolescência – a mais pura estupidez.
Mas o mais interessante disto tudo é o factor inspirador e a influência que estas actividades possuem sobre as comunidades criativas, especialmente a publicitária, especialista em absorver todas as manifestações sociais e reutilizá-las em novos contextos.
Os mais recentes exemplos desta colaboração involuntária são os anúncios da HEAD, com Andy Murray, e da Gilette, com Roger Federer, que tiveram o seu air-time durante o último Open de Ténis dos Estados Unidos e provocaram grande agitação nos blogs, e televisões um pouco por todo o mundo.
O mais visto, o anúncio de Roger Federer evocando Guilherme Tell, que levantou uma tão ridícula como inconsequente discussão sobre se era verdade o facto ali retratado, é mais um dos exemplos de como a estupidez e a inspiração no estilo Remi deu bons resultados. A prova disso é que toda a gente ficou bem atenta. O anúncio de Andy Murray é muito mais próximo dos gags de Remi, imitando um (patrocinado pela Nike aliás) em que Remi vai acertando com uma bola de futebol nos sítios mais imagináveis. Neste anúncio e num estilo street, Andy vai percorrendo as ruas de Londres e colocando e acertando com a sua bola de ténis em sítios pouco prováveis demonstrando todo o seu virtuosismo de tenista.
Em todos os casos, para além de campanhas interessantes, prova-se que a estupidez vende.
Prova-se também a importância dos agentes criativos e criadores estarem atentos ao que os rodeia, ao ar dos tempos, com um espírito de alguma ingenuidade, muita curiosidade e abertura, pois isso leva invariavelmente a resultados inteligentes.
Estupidamente inteligentes.