A grande evasão

judite-mota

“Grandes chefes abandonam o País.”

Por um microssegundo parecia uma boa notícia. Azar, não era. Referia-se a chefs de cozinha talentosos que já não têm como manter os seus restaurantes em Portugal. Antes dos chefs foram as notícias da debandada dos engenheiros, dos arquitectos, dos médicos, dos

Mudar de país ou de continente, aprender, progredir, não tem mal nenhum, só tem  (eu sei, não existe mas façam de conta que sim).

Há bem na mobilidade, na mudança, na expansão dos horizontes. Há bem na ambição e na conquista dos sonhos de cada um, há bem no desassossego que nos leva a mexer.

O que tem mal não são os movimentos individuais daqui para ali, o que tem mal é a debandada massiva do talento. Um mal que se sente apenas a longo prazo e que por isso tem consequências realmente graves.

No mercado publicitário – ou na indústria, como agora gostam de lhe chamar – a debandada de talento não é de hoje e é também de outra ordem. Não estou a falar de alguém que se mudou para Amesterdão ou de outrem que decidiu abrir a sua própria agência, porque estes são os movimentos naturais do bem. Falo de algo que começou devagar, em passinhos de lã, há já algum tempo: falo da incapacidade de as agências grandes ou as pequenas, tradicionais ou não, atraírem talento.

Não é que ele não exista, o que está é a debandar para outras “indústrias”.

Trabalhar em algo diferente todos os dias, ter ideias, pensar, discutir e fazer descobertas, defender o seu ponto de vista, partilhar talentos, exigem uma renovação permanente não só pessoal como de equipas. Por isso a mobilidade interagências sempre foi grande.

E a mesma pessoa num sítio diferente reinventava-se, crescia, melhorava. Mas aos poucos nada mexe. Ou melhor, há um mexer apenas em direcção às portas de saída.

Porque as pessoas boas precisam (e merecem) ser bem pagas e já não o estão a ser, porque a mesma debandada de talento do lado dos departamentos de marketing provoca a “mediocrização” (pois, também não existe) do trabalho e a consequente frustração em pessoas que são ambiciosas e inteligentes.

E quem é ambicioso e inteligente não quer fazer trabalho medíocre.

Encontrar alguém com talento e com optimismo e vontade suficientes para trabalhar nesta indústria tornou-se raro. E o verbo encontrar implica agora procurar, quando antes o talento vinha bater-nos à porta. E quando finalmente o encontramos, o que temos para oferecer? Um estágio não remunerado, talvez um qualquer programa do Governo que ainda exista e que, mal acabe, implica uma saída imediata, porque entretanto estão congeladas todas as novas contratações.

O talento, seja em que área for, é a única plataforma para o sucesso. E se ele debanda da nossa indústria não é apenas uma pena, é um desperdício.

E uma grande maçada a longo prazo.

Texto de Judite Mota, directora criativa Young & Rubicam Redcell

Fotografia de Paulo Alexandrino

Artigos relacionados