A evolução dos vinhos: uma breve história

Por Duarte Leal da Costa, director executivo da Ervideira

Sou filho, neto, bisneto de agricultores, sinto-me agricultor e sou já a 4.ª geração de produtores de vinho, sendo que estou a passar uma (longa) fase de passagem de testemunho para a 5.ª geração. Os meus antepassados faziam vinhos em Talhas e, para explicar este método, existiam dois tipos de talhas, as pintadas e não pintadas. Nas talhas pintadas, fermentavam os vinhos brancos ou tintos, já as talhas não pintadas eram talhas de guarda.

As vindimas eram feitas no final de Setembro, para garantir uma maturação completa, os tintos fermentavam sempre com algumas uvas brancas, para terem frescura, já os brancos fermentavam com algumas uvas tintas para lhes conferir força. Os lotes eram feitos na própria vinha, com as castas misturadas nas plantações. A fermentação decorria sob a forma de bica aberta. Após a fermentação, o vinho era tirado a limpo para as talhas pintadas, onde se colocava azeite para proteger o contacto do vinho com o ar. Por último, destilava-se as massas e fortalecia-se os vinhos a 17ºC para serem engarrafados (sem sulfitos, era o álcool que os conservava). Durante séculos, assim se fez, pretendia-se vinhos duros, encorpados e pelo nível de álcool, muito longevos.

Nos anos 40/50 vieram as cubas de cimento substituir as talhas, apareceram os sulfitos, e passaram a beber-se vinhos corrigidos no álcool a 12º ou 12,5º. Para tal recorria-se à correcção com água, para enfraquecer ou aligeirar os vinhos. Mais tarde, nas décadas de 80/90, toda a tecnologia mudou e muito, mas muito mesmo. Veio o controlo da fermentação por frio, as cubas de inox, as leveduras seleccionadas, diferenciadas para cada tipo de branco ou tinto, e nasceram os vinhos rosés, onde havia uma procura de vinhos tintos encorpados (cerca de 80%), brancos frescos (cerca de 20%) e rosés fortes e concentrados (2 a 3%)

Desde então, a evolução tem sido alucinante: desde uma fanática procura por monocastas, que caiu de moda, ficando apenas as castas verdadeiramente consistentes como os Alvarinho no Minho, alguma Touriga Nacional no Douro e Dão, Baga ou Bical na Bairrada, o Encruzado no Dão, o Arinto em Bucelas, o Moscatel em Setúbal e, no Alentejo, o Antão Vaz e o Alicante Bouschet (peço desculpa pois se falho algumas, mas grosso modo são as monocastas resistentes). Acima de tudo houve uma evolução muito positiva, com vinhos brancos mais frescos, com melhor acidez e riqueza aromática, idem para rosés e tintos em que a linha de grande estrutura, mudou para uma linha de maior elegância.

As vindimas passaram a ser mais cedo, pelo menos um mês, por causa das alterações climáticas, mas também para ter melhor frescura e acidez nos vinhos. Passou-se a fazer vindimas à noite para colher frutos mais frescos. As castas extremamente produtivas foram abandonadas a favor de castas de maior nível de qualidade. Claro que depois também a tecnologia vitícola veio a recuperar a produtividade. As vinhas passaram a ser regadas, pois descobriu-se que a rega contribui fortemente para a qualidade dos vinhos.

A novidade passou a ser a questão “O que tem de novo para apresentar?”, e nasceram milhares de marcas. Para dar uma ideia, os fabricantes de rótulos não têm aumentado a produção de rótulos, antes sim o número de referências tem aumentado a dois dígitos.

Nos meus antepassados havia a intenção de muito vinho, e forte, entretanto o consumo per capita caiu, o vinho deixou de se beber durante o trabalho agrícola, passou a haver um consumo mais responsável e era importante vinhos concentrados para grandes momentos. Mas, hoje a diferenciação é ainda maior, é necessária responsabilidade, sustentabilidade, cuidado ambiental e, nos vinhos, mais delicados macios, frescos, elegantes, verdadeiramente aprazíveis.

Cada ano que passa vemos menos gente a usar gravata, não deixamos com isso a responsabilidade, mas perdemos formalidade e com isso queremos vinhos mais “jovens”, “descontraídos”. Daí que os vinhos têm de estar perfeitamente límpidos, com um aroma muito agradável e assim que o vinho cai no copo tem que estar completamente pronto a beber, desde jovem ou mesmo com alguns anos de evolução. Os vinhos têm que ser consistentes, não podendo variar muito o padrão de qualidade de um ano para outro. O consumidor aceita a diferença, mas não aceita estar “pior”.  Há por isso um nível de exigência extremamente mais elevado.

Em jeito de conclusão, deixo a ideia de uma evolução alucinante em viticultura, e tecnologia de adega em favor de um consumidor cada vez mais exigente, afinado, refinado, evoluído, mas ao mesmo tempo descontraído. E quem adormecer, facilmente será ultrapassado por uma concorrência feroz.

Bebam bons vinhos com moderação!

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