À espera do próximo Marega?
Por Sandro Rego, sócio-fundador da agência Priori – Comunicação com Propósito
A indignação deu o tom das manifestações públicas que surgiram nos Estados Unidos da América e que se espalharam pelo mundo após George Floyd, um homem negro, ser assassinado pela polícia de Minneapolis. O episódio deflagrou mais uma vez reflexões públicas sobre o racismo. Passado o primeiro mês desde a morte de Floyd, muitas empresas, em diversos países, levantaram a voz contra a discriminação. Nem todas foram bem percebidas. Acusadas de hipocrisia, acabaram enquadradas entre os que tentavam tirar algum proveito da situação por não estarem genuinamente envolvidas na causa anti-racista.
Em Portugal, onde cidadãos de algumas cidades juntaram-se ao movimento, o número de empresas que se posicionaram publicamente foi irrisório. E porquê tanto silêncio?
Talvez a explicação esteja na pesquisa European Social Survey (ESS), recentemente divulgada, segundo a qual 62% dos portugueses alimentam crenças racistas, como creditar superioridade cultural e capacidade de trabalho à origem étnica ou racial. Confrontar um tema tabu não é algo simples. Apesar dos resultados desanimadores, a pesquisa aponta claramente a saída do problema: está entre os jovens o menor percentual de pessoas com crenças racistas. De acordo com a pesquisa da ESS, 70% dos que têm entre 15 e 35 anos discorda da crença de que existem grupos raciais mais inteligentes. São eles que irão exigir cada vez mais uma posição sobre questões sociais, ambientais e até políticas das empresas.
O poder crescente desse grupo como consumidores e colaboradores a serem conquistados e retidos – aliado ao facto de que ter propósito é um caminho sem volta num mercado cada vez mais competitivo – obrigará as empresas a repensarem esse e outros silêncios que ainda encobrem a violência doméstica, a causa LGBTI+, a degradação ambiental, o preconceito contra minorias étnicas e tantas outras causas que precisam de visibilidade e apoio.
Usando o racismo como exemplo, é bom destacar que o debate público sobre a questão ganhou espaço e defensores em Portugal com mais ênfase desde o ano passado. Surgiram histórias sobre o racismo estrutural e a discriminação que impede o progresso rumo a uma sociedade mais solidária e justa. Recentemente, o que mais mobilizou as empresas foram os insultos que o jogador de futebol Moussa Marega, do FC Porto, sofreu durante uma partida em Guimarães, em Fevereiro.
A história desencadeou uma série de iniciativas. Marcas concorrentes aliaram-se em uma campanha no dia seguinte ao triste episódio. Deixaram de lado a rivalidade e conquistaram uma vaga de elogios pelas redes sociais com internautas positivamente surpreendidos pela união em torno da luta anti-racista. Passaram-se mais de quatro meses. O que mais fizeram sobre o tema?
No ano passado, foi realizado o primeiro inquérito sobre os Hábitos de Turismo e Lazer de Pessoas LGBTI+, promovido pelo site Dezanove.pt em parceria com os guias Lisbon e Porto Gay Circuit. O inquérito apontou que marcas ou serviços que tenham uma postura inclusiva são privilegiados pela comunidade LGBTI+ portuguesa. Mais de 60% dos inquiridos prefere marcas ou serviços que veiculem uma mensagem de respeito à comunidade. O estudo também pediu aos inquiridos que indicassem, espontaneamente, as marcas que consideravam ter a maior adesão à causa. Entre as mais citadas, nenhuma empresa portuguesa foi lembrada.
Para que não entrem num assunto apenas porque ficou evidente demais para ser ignorado, as marcas precisam trabalhar causas de forma consistente. O engajamento verdadeiro é resultado de um compromisso de longo prazo. O discurso das empresas precisa de estar reflectido em acções sobre o tema, por exemplo, em debates internos com seus colaboradores; em acções de sensibilização das lideranças sobre diversidade; na política de recrutamento a fim de criar um universo de colaboradores mais diverso; e, sobretudo, na escuta das associações que defendem a causa para perceber melhor os problemas a serem combatidos.
Esse conjunto de acções ajuda a tornar o movimento legítimo e melhora a reputação da empresa, sem causar danos à imagem. Reduz os riscos de serem taxadas de oportunistas porque não adoptaram acções concretas em torno da causa. Também é questão de tempo para que contradições nas estratégias insustentáveis apareçam e as marcas passem a figurar numa galeria de exemplos negativos porque não tomaram os devidos cuidados – nem fizeram as tarefas de casa – antes de se manifestarem publicamente.
Este é o caso da equipa Mercedes AMG Petronas de Fórmula 1 que anunciou a utilização de carros pretos nesta temporada, ao invés do tradicional prateado. Essa foi a forma que os actuais campeões usaram para declarar que se opõem ao racismo e a todas as formas de discriminação. Se fosse somente a mudança na cor do bólido, a acção poderia ser classificada como oportunista. Mas seguindo a tendência global, a Mercedes garantiu que a mudança é “uma promessa pública para melhorar a diversidade na equipa”.
Na semana passada, anunciou a formação da “Comissão Hamilton”, nome alusivo ao piloto Lewis Hamilton, bicampeão mundial e único negro no grid da categoria. Trata-se de uma parceria de investigação com a Royal Academy of Engineering dedicada a explorar como o automobilismo pode ser usado para envolver mais jovens negros e empregá-los em equipas de corrida ou em outros sectores de engenharia. A Mercedes busca, assim, com uma medida concreta, aumentar a diversidade na equipa. Actualmente, apenas 3% da força de trabalho se identifica como pertencente a um grupo étnico minoritário e apenas 12% dos funcionários são mulheres.
O desafio, como se vê, é preparar o terreno para que essa voz se levante com coerência, autenticidade e legitimidade na defesa das transformações duradouras.
Trata-se afinal de fomentar um movimento que, alinhado ao seu propósito, precisa ser destinado para a melhoria das condições da sociedade, beneficiando não só a comunidade onde está inserida mas, de forma consistente e verdadeira, a própria empresa. São propostas que despertam nos colaboradores o orgulho de pertencer, que fortalecem a marca e geram mais negócios e valor. As empresas que tornam pública a sua legítima preocupação com a sociedade conseguem incrementar os níveis de confiança junto aos consumidores. É uma questão de sobrevivência.