A empatia veio para ficar
Por Ana Roma Torres, Managing and Creative Partner Havas Play
Vivemos numa era em que se fala bastante em empatia.
Isto não é sinónimo de se praticar bastante a empatia, mas que o tema está na ordem do dia, disso não há dúvidas e ainda bem.
A empatia, de forma muito simplista, é a capacidade de nos colocarmos na posição do outro, de sentirmos as suas dores, a sua experiência e ao fazê-lo conseguirmos que o outro não se sinta sozinho ou incompreendido.
Hoje fala-se mais em empatia também decorrente de um maior foco na saúde mental, no work-life balance, no bem estar e tempo de cada um, na capacidade de lidar com as diferentes situações de forma mais realista e positiva.
Ser empático é uma grande qualidade que não é de hoje, mas que hoje assume um protagonismo e importância ainda maiores, num mundo muitas vezes tão desigual, extremado e injusto.
E também na vida das marcas a empatia é um factor-chave. Isto parece óbvio porque naturalmente qualquer marca deve estar focada no seu consumidor e perceber o que ele quer e ouvi-lo. Mas o que não é óbvio é como o conseguimos perceber e ouvir com sincera genuinidade e sucesso.
Se há uns anos muitas marcas fugiam destes temas polémicos, hoje são os consumidores os primeiros a querer que as marcas os abordem. E a data confirma isso mesmo: segundo um estudo da Ogilvy, 71 % dos consumidores da Geração Z gosta que as marcas incluam a saúde mental nas suas estratégias de marketing. E incluir este tema é, desde logo, trabalhar com a empatia. Há quem afirme mesmo que este pode ser o novo ‘segredo’ dos marketeers para tornarem as suas marcas ainda mais bem sucedidas.
Porque o foco e poder do consumidor é cada vez maior, se não o conseguirmos perceber, ouvir e sentir estaremos a falhar em grande escala no que lhe podemos oferecer. Por outro lado, cada vez mais os consumidores querem ligar-se a marcas com que se identifiquem, com que se emocionem, que lutem pelas mesmas causas e que os percebam, num sentido de comunidade cada vez mais afinado.
E, neste contexto, o desafio tornou-se maior com as redes sociais, uma vez que são um canal onde todos falam, seja bem ou mal, e onde qualquer resposta ou atitude da marca mais ‘ao lado’ não passará impune. Por isso, é tão importante que a marca encontre e defina bem a sua voz e a sua estratégia para que depois possa ser empática com os seus fãs e escrever uma história conjunta baseada na verdade.
21 Entra-se facilmente numa confusão onde já não sabemos o que é correcto, o que é liberdade de expressão, o que é personalidade ou simplesmente vontade de chocar e é aqui que a empatia deve entrar a grande velocidade para que não sejamos críticos rápidos e irracionais, sem capacidade de olhar para si, antes de olhar para os outros.
A empatia torna-se, assim, um valor da marca porque faz a ligação entre ela e os seus consumidores, mostrando que os entendemos e que sabemos o que procuram. Muito associada também à inteligência emocional, a empatia não ajuda só na construção de marca e relação com o consumidor, mas tem implicações directas no negócio. Gera visitas ao site, gera idas à loja, gera vendas, gera conversa e gera retorno.
Quantas vezes não seguimos determinada marca porque defende uma causa que amamos, porque patrocina alguém que admiramos, porque mostrou fairplay com a concorrência, porque foram atenciosos connosco numa situação complicada, porque perceberam o nosso problema?
Assim, é claro que o marketing empático veio para ficar – na verdade ele devia ser a base de todo o marketing desde sempre – colocando o consumidor no centro em todas as fases da sua experiência de compra.
São várias as marcas que tão bem souberam fazer uso do poder da empatia nas suas estratégias e cito apenas um exemplo, para não me alongar: quando o Airbnb na sequência de queixas de tratamento racista por parte de alguns clientes, lançou a campanha Open Doors com tolerância zero ao racismo, assumindo uma posição pública, revendo procedimentos e garantindo a segurança dos seus utilizadores.
Esta atitude comprova tudo o que escrevi para trás e como a empatia é de facto tão importante na forma como gerimos o negócio, do fornecedor ao cliente final, e como gerimos também a comunicação, a criatividade e a ligação aos consumidores.
Num mundo ideal se calhar não tinha que escrever tanto sobre a empatia, nem as marcas teriam que a ter tão integrada na sua essência e na sua estratégia, porque ela seria intrínseca e natural ao ser humano e como tal praticada sempre, sem sequer pensarmos nela.
Mas a empatia ainda tem que ser publicitada, falada e implementada para que possamos todos viver melhor com os outros e as marcas têm aqui um papel muito importante porque podem ajudar activamente neste caminho através do que promovem, do que mostram, do que ensinam, do que defendem.
Provavelmente o facto de ser hoje tendência pode ajudar a que um dia ela seja uma commodity e mais um pilar de qualquer estratégia de marca, ao serviço do consumidor e, no limite, de um mundo melhor.
Até lá, e enquanto vamos todos trilhando este caminho na nossa vida e nas nossas actividades profissionais, seja relacionada com marcas ou não, deixo a todos um pequeno trabalho de casa: olhar com empatia para quem está ao nosso lado, para o que lemos, para o que escrevemos, para o que vemos, para tudo.
Porque um mundo mais gentil precisa-se com urgência.