A descentralização das marcas: o iminente gap digital
Hugo Silva Pereira, CMO @ADAX.PRO
Domingo é dia Santo. Almoço de família, novidades da semana e, sem falta, ajudo os meus pais com uma tarefa de índole tecnológica. Seja mudar o input da televisão, restabelecer uma app no smartphone que – em jeito de magia – desapareceu ou explicar porque não se pode submeter 1GB de fotos das férias em anexo num email, transformaram-se, também eles, em momentos em família. Gabo-lhes a adaptação, a persistência e a evolução.
Ainda assim, há que admitir que os Gaps Geracionais são, iminentemente, Gaps Tecnológicos. Nos anos 80 e 90, os nossos pais tornaram-se proficientes no uso do fax, na adopção dos primeiros computadores e telemóveis. A Revolução da Tecnologia (e) da Informação com que nos presenteou o virar do século foi de tal forma massiva que causou um fosso geracional, dividindo os que cresceram e se tornaram tecnologicamente nativos e os que, por comodismo, desconfiança ou simples iliteracia, ficaram para trás.
Acredito veemente que estamos prestes a assistir a uma nova leva tecnológica que vai deixar muitos pais e profissionais na curva da aprendizagem. Que está iminente um novo Gap Tecnológico-Geracional, que poderá afectar particularmente a Geração Millennial, tal é a sua confiança no uso e na adopção tecnológica, que subestima as dificuldades e os novos paradigmas que lhes serão impostos.
Espanta-me que a comunidade de Web3 em Portugal seja tão diminuta e tão pouco explorada por marketeers. O nível de desconfiança sobre tecnologias como Blockchain, apelidada de hype e erroneamente circunscrita ao conceito de criptomoeda, ou de Realidade Imersiva, sistematicamente confundida com Realidade Virtual ou Aumentada, ignorando ou desconhecendo o advento de um novo contexto de media social imersivo – cujas réplicas da sua chegada nos irá fazer rever os conceitos mais básicos de convivência social – patenteiam o atraso considerável que estamos a criar perante a chegada de uma nova geração, uma nova forma de estar e uma nova demanda por transparência e controlo digital.
Um estudo da Verified Market Research, publicado a 13 de Julho de 2022, prevê que as tecnologias de Realidade Imersiva (descritas no artigo como Metaverso) serão um mercado de 824,53 mil milhões de dólares até 2030. De igual modo, a Markets and Markets publica – também em 2022 – que o mercado de Blockchain em 2021 atingiu os 4,9 mil milhões de dólares e está projectado chegar aos 67,4 mil milhões até 2026. Os mais recentes relatórios de consultoras como Deloitte Digital e PwC, conduzidos através de entrevistas a C-Levels nos EUA, atestam estes números e, mais, demonstram que, na perspectiva dos decisores, a tecnologia Blockchain terá um papel determinante no desenvolvimento digital nos próximos 24 meses.
Há um claro entendimento de que a tecnologias como Blockchain e Realidade Imersiva, sobretudo quando combinadas, transcendem os conceitos e as indústrias de criptomoedas, tokens ou eSports, e cuja implementação nas mais variadas áreas de negócio trará consigo uma nova forma de operar e um novo conceito de Activo Digital.
As revoluções tecnológicas, geracionais e culturais, são continuamente estudadas de perto pelas marcas, que se esforçam por entendê-las e serem relevantes dentro de contextos emergentes. Apelidar de hype, desconfiar e esperar pela maturidade, sem ter o cuidado de investigar diligentemente este novo fenómeno na óptica do utilizador, será um erro grosseiro para as marcas e gestores de marca, um erro que a Nike, a Gucci, a Adidas ou a H&M não estão dispostas a cometer, como provam a sua incursão e investimentos estratégicos em projectos Web3.
Mais importante talvez será perceber como marcas como a Bored Ape Yacht Club (BAYC) abriram caminho para um novo paradigma: as marcas descentralizadas.
Mais que desprovidas de cânones estratégicos, as marcas descentralizadas abdicam deliberadamente do controlo, da sua brand equity, delegando-a nas mãos e na voz da sua comunidade, que a co-constrói e molda naquilo em que quer que esta se transforme.
Projectos como o BAYC, que dão a totalidade dos direitos de imagem à sua comunidade, não têm departamento de marketing, estão confortáveis em não ter controlo da sua marca e, consequentemente, dão lugar a um novo paradigma de co-criação, onde a palavra consumidor deixa de ter espaço, pela unilateralidade que até aqui implicou.
Para as marcas descentralizadas, o seu valor, a sua equity, é tão grande quanto a sua comunidade e o seu contributo.