Ricardo Monteiro: «Criar é a arte de transformar um conjunto de razões num conjunto de emoções»
Ricardo Monteiro, presidente global da Havas Worldwide e CEO da Havas Worldwide Ibero-America, vai deixar todas as suas funções no grupo Havas, pondo fim a um percurso de mais de 17 anos. A decisão – que foi tomada pelo próprio Ricardo Monteiro segundo uma comunicação interna que Andrew Benett (CEO global da Havas Worldwide e do Havas Creative Group) e Yannick Bolloré (Chairman and CEO da Havas) enviaram aos colaboradores do grupo – terá efeito no final do corrente ano.
Os responsáveis da Havas salientam que a decisão de Ricardo Monteiro não foi uma decisão fácil já que é um profissional “que tem uma grande paixão pelo seu trabalho, pelos seus clientes, pelas suas equipas e pela Havas”. Esclarecem que nos últimos meses têm vindo a trabalhar com o profissional português no sentido de traçarem um plano que assegure uma transição suave. Daí que o gestor se vá manter em função até ao final de 2016 mantendo o foco na passagem das suas funções do dia-a-dia aos profissionais que as assumirão.
Para já sabe-se que Thomas Funk assumirá no mês de Junho as funções que o português desempenha no mercado ibérico. Quanto à América Latina ainda está a ser finalizado o plano de liderança.
No dia em que as mudanças se tornaram públicas, a Marketeer quis auscultar o estado de espírito de Ricardo Monteiro, profissional que iniciou o seu percurso profissional, em 1981, na Lever em Portugal como management trainee e que, em 1986, foi nomeado director-geral de Marketing e Vendas da Lever/Elida-Gibbs. Em 1994, Ricardo Monteiro assume a direcção-geral da BBDO em Portugal e toma parte da sociedade. Cinco anos depois, em 1999 torna-se CEO do grupo EuroRSCG Portugal, iniciando uma caminhada de 17 anos no grupo Havas.
– Uma vida recheada de marcas, primeiro do lado dos anunciantes, depois do lado das agências. Quais as duas marcas que mais o marcaram e porquê?
– Eu teria que dizer a Optimus e o Continente, ambas em Portugal. Por uma razão simples: a Optimus foi lançada quando era CEO da BBDO, com enorme êxito hoje ainda refletido na NOS da qual também me orgulho imenso. E o Continente porque ninguém pode ficar alheio à grandiosidade dessa marca em Portugal e na vida de todos nós. O Continente foi a primeira lufada de modernidade em Portugal, a primeira vez que constatámos que o consumo também nos era acessível e que não estávamos condenados a uma vida de pobreza. Poderia também mencionar marcas estrangeiras em que colaborei, como a Citroen e a Peugeot. Ou como Pão de Açúcar no Brasil ou Heineken no México. Mas nessas sou apenas mais um actor, no meio de muitos. Na Optimus e no Continente acho que fui um pouco mais do que isso, passe a imodéstia…
– Dentro da Havas, qual o momento mais determinante no seu percurso e de que maneira influenciou o que se seguiu?
– Não tenho a menor dúvida em afirmar que o momento crucial foi quando me nomearam conselheiro para os países nórdicos. Curiosamente não me correu bem. Aprendi no duro que há diferenças culturais com que há que compor e não se opor. Mas o grupo passou a olhar para mim como um gestor de potencial internacional e não parei mais. Já lá vão muitos anos…
– Que trabalhos sente que deixa para o seu sucessor?
-Bom, eu não terei sucesor mas antes sucessores… Então, o que os aguarda são tarefas diferentes. Em Portugal a responsabilidade de manter as agências da Havas (Havas Worldwide e Fuel) nas primeiras posições do ranking local que não deixamos desde 2002. Essa posição não é mais que o reflexo de uma total prioridade dada aos interesses dos nossos clientes. Apenas servindo-os, poderemos servir os nossos empregados e accionistas. Em outros países os desafios são muito diferentes. No Brasil e no México, continuar a crescer a ritmo acelerado, em Espanha recuperar o fôlego e a capacidade criativa, reconstruir o nosso negócio no Benelux, muito afectado pela crise, ganhar relevância na Alemanha mas, sobretudo, vencer os desafios da China e da India países onde nos batemos com concorrentes implantados desde há décadas sendo que a nossa presença lá é bem mais recente… E, no geral, aproveitar a nossa dimensão e agilidade para facilitar o one-stop-shopping aos nossos clientes, evitando-lhes custos e dispersão desnecessários e muito presentes nos concorrentes da Havas.
– Uma pessoa que passou as últimas décadas entre aviões, hotéis e em acelerado ritmo de decisões, acha que vai conseguir abrandar o ritmo?
– Não sei. Verei quando lá chegar. Talvez não…
– O que mais o apaixona e o frustra no mundo da comunicação comercial?
– A publicidade continua sendo apaixonante. Basta ver como do nada surgiu uma marca fortíssima como é a NOS. Obviamente, há muitíssimo trabalho do cliente para chegar aí e, sem ele, nada feito. Mas quando vemos a publicidade no ar e vemos as notoriedades a disparar e o aparelho comercial a responder, é entusiasmante e tudo até lá, muito envolvente. Passar da ideia à execução, quando resulta, é maravilhoso. Fico triste e frustrado quando constato que, nos últimos anos, se perdeu a solidariedade entre cliente e agência… A publicidade é uma arte menor, hoje sob ataque de conteúdos produzidos à catadupa e vindos de todos os lados. A publicidade é hoje percebida como um processo, uma “despesa” e, sobretudo, substituível… Fico pois muito frustrado quando não se acarinham agências que se esforçam todos os dias por criar diferente e melhor e que precisam de bons clientes para serem boas agências. E o bom cliente, mesmo se não tem tempo, mesmo se está sob pressão, deve pelo menos entender que “criar” é literalmente a arte de transformar um conjunto de razões num conjunto de emoções… esse caminho para o coração das pessoas, a publicidade, quando boa, continua a percorrer como nenhum “tweet”, nenhum “post” jamais o fará.
Texto de Maria João Lima