Da obsessão
O criativo obsessivo – No meu tempo havia uma coisa muito bonita, que era a obsessão (parafraseando o Espadinha no disco do outro). Os criativos obsessivos são aqueles que sofrem, mas sofrem a sério, com o que fazem. Vivem obcecados com o seu craft (ritmos, cadências de leitura e pontos finais, redes de magenta e espessura de linhas – mesmo que seja a diferença entre 0.025 e 0.023). E é fácil perceber quem são: aqueles que trabalham não porque são mandados, mas porque não conseguem não o fazer. São aqueles que acordam a meio da noite e se lembram que não converteram os ficheiros em curvas. Ou que, de cada vez que enviam um email com uma proposta, enviam na verdade 10 emails (sempre a pedir desculpa porque mudaram alguma coisa na versão do pdf que foi no anterior).
Note-se que o criativo obsessivo não é necessariamente genial (ainda que não conheça nenhum criativo genial que não seja obsessivo). Ele é, isso sim, um chato de primeira, que começa por se chatear a ele (ou ela) próprio até à medula, e a todos os outros à sua volta nesse processo. Infelizmente, o criativo obsessivo é cada vez mais uma raridade, acima de tudo porque há cada vez menos gente capaz de os distinguir do restante joio quando chegam em forma de estagiários às agências, e ainda menos gente nas escolas da indústria capazes de fomentar o seu aparecimento e crescimento.
O criativo presunçoso – A característica mais divertida dos criativos presunçosos é que se acham obsessivos, mas na verdade não o são – são apenas parvos e têm a mania que são profundos. Na verdade é a sua única característica divertida, porque depois são uns chatos. Só que, ao contrário dos obsessivos, que se chateiam a si próprios e de caminho todos os outros, estes só chateiam todos os outros – a si próprios fazem festas ao ego.
A melhor forma de lidar com um criativo presunçoso é à distância – por exemplo, à distância de uma agência. (Eu, por exemplo, conheço um criativo presunçoso noutra agência que me diverte imenso.) Já a pior forma de lidar com um criativo presunçoso é em presença – tê-lo como colega ou, pior um pouco, como director criativo. Aí é, efectivamente, uma merda. E porquê? Porque o criativo presunçoso trabalha e não é pouco; ele esforça-se, tem tendência a subir na vida e, pior ainda, a ficar lá em cima. Só que depois… espreme-se e não sai nada. Suminho que é bom, nicles. Às vezes, se tiverem sorte, têm uma boa ideia na vida, que depois repetem ad nauseam ao longo da sua existência. Variações sobre variações sobre variações sobre o tema (que é, no mais das vezes, um sacana de um manifesto).
O criativo preguiçoso – E finalmente o criativo preguiçoso, o mais heterogéneo dos grupos – tão heterogéneo, aliás, que se divide em dois: o criativo preguiçoso-mental e o criativo preguiçoso-normal (o nível de estupidez a que esta crítica conseguiu chegar até a mim me espanta, confesso). O criativo preguiçoso-mental é aquele que até se esforça (ou parece esforçar-se), e que mais que outra coisa se convence a si próprio que não é preguiçoso.
Aliás, conheço vários que são muitíssimo trabalhadores. Mas são preguiçosos nos processos mentais que usam para resolver problemas, e a diferença entre estarem duas ou 20 horas a trabalhar num briefing é… nenhuma. Ou por outra, é a diferença entre trazerem duas ideias fracas ou 20 ideias fracas. E depois temos os criativos preguiçosos-normais, que são aqueles idiotas que pululam pelas agências e, pior, pelo país, sem fazer a ponta de um corno e sem sequer pensarem nisso duas vezes. Não fazem nada, não querem fazer e não sabem fazer. Aliás, o único trabalho a que se dão (quando dão) é não mostrar logo o quão preguiçosos são, ainda que tenham consciência que, mais tarde ou mais cedo, vão acabar por ser descobertos.
E pronto, é (só) isto. Como vê, a superficialidade foi tanta que, acaso ainda estivesse a banhos, quase poderia utilizar a revista (sublinhe-se o quase) como bóia. O que, agora que penso nisso, seria uma activação de marca curiosa para a Marketeer. Mas adiante.
Texto Tiago Viegas
Partner da The Hotel
Fotografia Paulo Alexandrino