Da ética
Não conhecendo eu outra forma de o dizer que não seja assim, de chofre, tenho para mim que o grande problema da ética na publicidade é que, infelizmente para a ética, ela não dá dinheiro a ninguém. O que, pedindo desculpa por mais uma vez não encontrar outra forma de o dizer, é uma grande merda.
Não que eu gostasse que a ética desse dinheiro a alguém (para isso existem as margens e os fees). O que eu gostava era que isso não fosse um problema.
Isso e, de cada vez que consigo chegar a casa a horas decentes para jantar com a família e ver cinco minutos de televisão, não passar o tempo todo a achar que a quantidade de ideias, anúncios e campanhas copiadas de um outro lado qualquer que por cá se vão fazendo chegavam e sobravam para fazer corar de vergonha uma estrela de cinema porno*.
Reparem que, no fundo, no fundo, não se trata de uma preocupação desinteressada da minha parte. À partida dá-me igual que copiem (e senhores, se copiam). O problema é que me estragam a clientela, que começa a achar que criar consiste em abrir uma revista (ou um site, ou ligar a televisão num canal inglês ou americano) e escolher uma ideia como quem escolhe acolchoados a partir de um catálogo distribuído pelo correio. (não façam essa cara; já me aconteceu)
Porque para isso, em rigor, ninguém precisa de mim. E para que não fiquem a rir-se, para isso – com igual rigor – ninguém precisa de vocês tão-pouco.
Não me levem a mal (ou levem, se fizerem muita questão; pensando bem, também aqui me dá igual). Sei bem que esta questão da ética no acto da criação não é de todo pacífica e linear: a fronteira entre aquilo que é uma referência e aquilo que é apropriação de uma ideia é ténue, e ao limite tudo se resume ao critério de cada um. Mas como em tudo na vida, é preciso evoluir. Quero com isto dizer que é normal que, no princípio da vida de um criativo (a sua vida profissional, bem entendido), se façam mais coisas parecidas com outras, acreditando que não faz mal, que é mesmo assim que se cria e que estamos a usar as ideias dos outros apenas como referência. O que já não é normal é não haver alguém acima desse criativo (assim tipo, sei lá… ah, já sei, um director criativo) com critério para lhe explicar por A mais B por que razão não podemos nem devemos fazer as coisas assim, que é errado, que é cópia, que é feio, que é uma ideia de outra pessoa, agência, cliente e que não se podem usar assim as ideias dos outros (a propriedade intelectual tem que ser um direito fundamental e inquestionável se queremos viver e trabalhar todos juntos, senhoras e senhores).
“Mas se um cliente pedir eu digo o quê?” estarão por esta altura a perguntar os mais orientados a resultados a ver se eu não noto a pintarola com que estão a tentar sacudir a água do capote (nós, os publicitários, somos regra geral exímios a sacudir a água do capote, da camisola, das calças…).
A quem começaria por responder, de forma tão óbvia quanto curta “Não”. E a quem diria, logo de seguida, “mas essa, como já perceberam (e se há coisa que nós não somos é parvos), não é de todo a questão”.
Porque a questão, para quem ainda não tiver percebido, continua a ser a falta de vergonha (ou de critério – que difere na intencionalidade, mas não no mal que nos faz a todos) com que se cria (ou recria, mais concretamente) em Portugal. E como a ética no acto da criação não é uma coisa regulável, delimitável ou regularizável (como o é noutras áreas), a única coisa que, em boa verdade, se pode fazer é falar (ou escrever) sobre o assunto e pôr cada um de nós a pensar, nem que seja por um instante, sobre a coisa.
A pergunta pois que, em jeito de conclusão – e já que se deu ao trabalho de ler até aqui -, gostaria de lhe colocar é a seguinte: em que é que está a pensar neste preciso momento?
* Não querendo de todo ofender alguma estrela de cinema porno que, porventura, tenha por hábito ler a marketeer, estou em crer que é gente que se choca com pouca facilidade, é apenas com base nesse raciocínio que faço tal referência.