Superbowl, simbiose, benchmarking e outros palavrões que perturbam a força… da criatividade

Pedro Pires

Eu ia fazer um artigo sobre os brilhantes anúncios criados este ano para o Superbowl. Ia falar da máquina do tempo da Doritos, da história de amizade entre um cão e um cavalo contada pela Budweiser, do Doberhuahua da Audi, da mancha nas calças do grego da Danone (!). Mas a verdade é que vocês podem ir ver tudo em http://www.youtube.com/user/adblitz/adblitz.

A realidade entrou-me no meu nicho de open space e agora apetece-me antes falar de simbiose. Ou da falta dela. A linha de raciocínio é simples – se o nível de criatividade desce, a performance das marcas desce a médio prazo.

Não faz sentido contratar agências para que elas façam o trabalho que os marketeers, gestores de marca, ou administradores consigam imaginar.

Por alguma razão existem marketeers et al e criativos. Em conjunto, cada um, respeitando os limites do sucesso do outro e os limites das suas próprias competências, consegue fazer coisas brilhantes. Em conjunto, cada um, sabendo destilar preconceitos inerentes à posição e os condicionalismos políticos do processo, consegue fazer coisas brilhantes. Em conjunto, cada um, apostado em criar algo que possa ter um impacto real no consumidor e não apenas apostado em ocupar o seu espaço no ruído, consegue fazer coisas brilhantes.

Quando este encontro faz com que o criativo seja apenas o arte finalista da ideia do departamento de marketing ou da ideia que o departamento de marketing tem do que poderá ser aprovado pela administração ou pelo cliente interno, ou da ideia que o departamento de marca tem do que poderá ser bem visto pela malta do marketing, dentro daquilo que eles pensam que o consumidor estará disponível para perceber, conjugado com aquilo que se poderá eventualmente antever do que pode verdadeiramente ser uma opinião do director-geral, ou ainda do que o estagiário pensa da representação demográfica presente numa dada fotografia, face aos resultados do últimos estudo que ele foi o único a ler de forma a que o project manager possa levar ao director uma opinião devidamente fundamentada, que determina a correcção do seu enunciado sobre as eventuais condições em que uma mensagem poderá ser percebida por um dado grupo de stakeholders, se forem respeitadas as directivas internacionais e o benchmarking realizado em focus group internacional e que as previsões orçamentais dadas pelo director financeiro indicam que o melhor é fazer tudo em image bank, porque as produções são caras e isto vai dar tudo ao mesmo e os outros também fazem assim, pior não ficamos e o estado do mercado recomenda que não se provoquem disrupções na forma como o produto é percebido por um consumidor, que o mais provável é estar profundamente aborrecido com tudo o que as marcas lhe dão hoje.

Quando é assim, qualquer ideia que se apresente bem vestida no seu smoking de gala no início deste processo acaba inevitavelmente em roupa interior puída e descosida.

O processo de aprovação e implementação de uma “ideia” é agora parecido com aquilo que é preciso para fazer passar uma “Lei Obama” no congresso americano.

O mercado precisa de ser simbiótico. Não é possível existir evolução e aumentar vendas se não se aposta na diferenciação. E a diferenciação implica ideias originais, produção original, e não tem que necessariamente implicar maiores custos. Mas implica mais trabalho, mais disponibilidade para o combate intelectual e mais coragem. Se a aposta é na defesa do processo político da ideia e não do seu processo de comunicação final com o consumidor, as soluções criativas tenderão a resultar em consecutivos compromissos que acabam por descaracterizar a intenção original, que é criar com o objectivo de comunicar e gerar valor. Não tenho nada contra marketeers e clientes. Pelo contrário.

Não tenho nada contra bancos de imagens nem contra referências. São instrumentos úteis na nossa profissão. Mas não podem ser a regra e o resto excepção. Enquanto o mercado dos anunciantes não for capaz de suportar a vitalidade criativa através da sua contribuição e exigência para aumentar a qualidade, o mercado criativo irá responder de forma economicista, não obstante todos os esforços em contrário, essa parece ser a única via de no fim do mês existir dinheiro para pagar salários nas suas estruturas.

A crise cansa-nos a todos. Mas anseio pelos dias em que se vai dizer que isto nem sempre foi assim. Pelos dias em que se vai pensar que a crise não pode ser culpada de tudo.

Agora vou ver outra vez todos os anúncios que concorreram ao concurso a Anúncio do Crash the Superbowl da Doritos – https://www.doritos.com/us-en/base/about

Façam o mesmo.

Espero que vos inspirem.

Texto Pedro Pires, Director criativo Ivity

Fotografia Paulo Alexandrino

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