Alexander Bennouna: «Na Victorinox quando fazemos algo, fazemo-lo nós próprios»

Victorinox Swiss Army é sinónimo de canivetes suíços. Mas também de relógios, malas de viagem, moda e fragrâncias. Ainda assim, a diversificação de portefólio não tem sido feita sem desafios, diz o CEO do negócio de relógios

Texto de Daniela Domingos

Para a Victorinox Swiss Army há um “antes de 2001” e um “depois de 2001”. Isto porque os ataques terroristas de 11 de Setembro impulsionaram a empresa suíça, conhecida pelos seus canivetes, a mudar radicalmente a sua estratégia.

De facto, antes a Victorinox centrava o seu negócio na comercialização de canivetes suíços genuínos, mas aquele episódio elevou a fasquia do controlo de segurança nos aeroportos e afectou de forma severa o canal Duty Free.

A quebra no volume de negócio foi de cerca de 30%. A diversificação de portefólio foi, para a empresa, a “luz ao fundo do túnel”. Onze anos depois, Alexander Bennouna, CEO do negócio de relógios da Victorinox Swiss Army – o braço mais importante para a empresa, a seguir ao dos canivetes –, dá conta dos trabalhos que têm sido levados a cabo pela companhia nos vários mercados onde se encontra.

O percurso da Victorinox Swiss Army pode definir-se com um “antes de 2001” e “depois de 2001”. Após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos da América, e os consequentes entraves ao transporte de canivetes nos aviões, a Victorinox viu-se a braços com uma crise. Qual o valor da quebra, no volume de negócios, que levou a empresa a alterar a sua estratégia?

É verdade que o 11 de Setembro [de 2001] influenciou o desenvolvimento mais recente da Victorinox Swiss Army, mas houve outros passos, muito importantes, que antecederam esse episódio. A Victorinox começou a sua actividade em 1884, por isso, é uma marca que já conheceu várias crises, muitas guerras e recessões.

Já passou por várias fases. E o 11 de Setembro influenciou a diversificação da marca.

Mas antes da diversificação, e desde o seu início, o canivete suíço era apenas uma ferramenta para soldados…

E continua a ser…

Sim, mas algumas décadas depois da sua criação, tornou-se popular. Basicamente, depois da II Guerra Mundial. Depois da guerra, de uma ferramenta usada com propósitos militares, o canivete suíço tornou-se um item acessível a todos os que gostam de actividades exteriores, e não só. Esta fase foi muito importante para a marca, porque se antes o canivete suíço estava reservado aos militares, depois acabou por tocar um público mais alargado.

E seguiu-se um outro passo, também relevante: a internacionalização. Primeiro, o canivete suíço estava reservado a soldados suíços. Depois passou a estar reservado a cidadãos suíços, até se expandir internacionalmente.

Até ao marco seguinte, que foi, de facto, o 11 de Setembro…

Sim, este acontecimento atingiu, de forma severa, o negócio de Duty Free dos canivetes suíços. Por razões óbvias, de segurança, esta ferramenta de bolso deixou de poder ser vendida nos espaços Duty Free. E isso afectou a companhia de forma bastante intensa, com perdas de volume na ordem dos 30%.

A Victorinox viu-se, então, obrigada a ser um pouco mais criativa.

Tivemos de encontrar soluções alternativas. Esse episódio [11 de Setembro] estimulou o processo de diversificação da marca. O negócio de relógios foi o primeiro a surgir, depois do de canivetes suíços. Ainda assim o negócio de relógios já existia, foi criado em 1989. Mas a diversificação teve de ser, entretanto, acelerada. Foi um fenómeno que se concentrou na América do Norte.

A influência dos ataques do 11 de Setembro contribuiu para que a Victorinox comprasse a marca “Swiss Army”, redesenhasse a sua colecção, para torná-la numa verdadeira colecção Victorinox, de acordo com os seus padrões, tornando-a numa marca internacional, com uma identidade suíça. Depois surgiu o negócio das malas de viagem, de moda e de fragrâncias.

A empresa vai parar por aqui?

Por agora, sim. Essa é uma boa pergunta porque estamos, de facto, a passar por uma fase de consolidação. O que é importante para nós não é coleccionar novas categorias de produto. O que é importante é que a Victorinox é uma marca fabricante.

Quando fazemos algo, fazemo-lo nós próprios. Não somos uma marca de relógios, por exemplo. Somos uma marca suíça que faz relógios, mas nós desenhamos, projectamos, produzimos, controlamos a qualidade dos relógios.

Não subcontratamos. Daí que para entrarmos num programa de diversificação, tenhamos de ir ao encontro das expectativas dos clientes no que toca aos critérios que esperam da Victorinox: qualidade, funcionalidade e inovação.

E que outros desafios se levantaram, com a diversificação do portefólio? O aumento da oferta trouxe, com certeza, o aumento da concorrência…

À medida que começámos a penetrar em indústrias diferentes tivemos de demonstrar que os valores que estiveram na base do sucesso dos canivetes suíços são também relevantes nessas indústrias.

A indústria relojoeira suíça, por exemplo, tem tudo a ver com precisão, atenção ao detalhe… E estes valores são muito importantes para a Victorinox. A funcionalidade também é crucial. Se um cliente for a uma loja e quiser comprar um relógio, o design icónico será o primeiro contacto.

A segunda pergunta será “o que faz? Tem cronógrafo, reserva de bateria…?”. A inovação também é importante. E, finalmente, na fase em que o produto requer algum investimento financeiro, a qualidade torna-se fundamental.

“Será este um relógio que posso guardar para mim e que irá cumprir as suas promessas, ou que terei de deitar fora daqui a uns anos?”. É, portanto, imperativo garantir que valores como funcionalidade, inovação, qualidade e design icónico são relevantes em cada indústria em que a Victorinox actua.

Que princípios de gestão se revelaram fundamentais em todo este processo de mudança de estratégia, de extensão do negócio?

A lealdade aos valores preconizados pela marca, e que são transversais às várias áreas de negócio. Isto porque acreditamos que se formos fiéis aos nossos valores, talvez até possamos cometer erros, mas acabaremos por fazer sempre as coisas certas. Para nós o mais importante é mantermo-nos fiéis a estes valores e perpetuá-los no nosso trabalho diário.

Pode soar apenas a uma afirmação de marketing, mas na realidade tem uma influência enorme quando, por exemplo, desenvolvemos uma colecção. Começamos com uma colecção grande e depois reduzimo-la, para garantir que o que oferecemos ao mercado corresponde aos nossos valores.

Quantas referências de relógios são lançadas por ano?

Por ano lançamos entre 40 e 50 novidades, 10 a 15 por trimestre. E se olharmos para o nosso catálogo temos uma gama global de cerca de 200 modelos.

Os desafios da mudança de estratégia também se verificaram ao nível da construção da percepção dos consumidores… Qual a percepção da Victorinox Swiss Army hoje? Continua a ser vista apenas como uma fabricante de canivetes suíços, ou já conseguiu criar awareness para as restantes áreas de negócio?

Vamos ser sempre vistos como fabricantes de canivetes suíços, porque é o que somos. Mas, ao mesmo tempo, estamos a conquistar credibilidade no fabrico de relógios também. Este é um projecto com o qual nos comprometemos de forma séria há alguns anos e estamos a focar-nos nisso.

Temos notado que em alguns dos nossos mercados estratégicos somos cada vez mais reconhecidos [pelo negócio de relógios]. Antes éramos um pequeno “forasteiro”, visto com curiosidade, mas acho que o facto de sermos consistentes com o que defendemos e de dizermos o que fazemos e fazermos o que dizemos, começou a render-nos credibilidade, não só da indústria como também dos consumidores finais.

A indústria começou a levar-nos a sério há cinco, seis anos. E agora começamos a ver este nível de awareness a chegar ao público também.

Como é que este trabalho tem sido feito?

Há esforços de marketing, mas também há um trabalho a ser desenvolvido na área de vendas, de serviço ao consumidor final… Porque sempre que vendemos um produto, vendemos um valor.

E esse valor é percepcionado através da qualidade do produto e do serviço que oferecemos. Acho que foi isso que começou a construir a nossa credibilidade.

Os consumidores puderam ver que os valores que preconizamos são mais do que uma afirmação de marketing. Somos reconhecidos na substância do produto que fabricamos, de forma transversal a todas as categorias de produto.

As linhas Victorinox estão habituadas a padrões de qualidade e serviço muito exigentes. A nossa inspiração e, ao mesmo tempo, desafio, é corresponder a esses padrões nas diferentes categorias de produto.

E quem são os clientes Victorinox em todas as frentes de negócio, se é que há uma homogeneidade?

O target dos relógios não é o mesmo dos canivetes suíços, das malas e das fragrâncias… Ainda assim a tendência é para se tornarem cada vez mais homogéneos porque a Victorinox desenvolveu um conceito de retalho, com a abertura de flagship stores, shop in shops…

E como resultado temos vindo a conquistar diferentes mercados e indústrias. Este conceito de retalho tem permitido à Victorinox construir uma base de consumidores fiéis.

Por isso, cada vez mais, encontramos consumidores que já eram clientes do negócio de fragrâncias e que decidiram adquirir relógios, por exemplo.

O target está, portanto, a tornar-se cada vez mais coeso.

Exactamente. E transitam cada vez mais de uma categoria de produto para outra. Este comportamento é mais recente, mas continuamos a assistir a diferenças geográficas. Por exemplo, na Ásia o negócio de malas de viagem tem um forte reconhecimento. Na Europa nem tanto, são os canivetes os produtos mais reconhecidos. Na América são os relógios.

A que acha que se deve esta diferença, de mercado para mercado?

Está relacionada com razões históricas. O primeiro relógio da Victorinox foi lançado na América do Norte, foi onde tudo começou. E a posição da Victorinox Swiss Army foi interessante, porque produziu o primeiro relógio suíço, económico e robusto dirigido aos jovens americanos. Este posicionamento tornou-se cada vez mais forte, tanto na América do Norte como na do Sul.

Em termos de volume de negócio, os canivetes suíços ainda reclamam a maior fatia do bolo total…

São produzidos tantos canivetes quanto relógios, cerca de 25 milhões por ano.

E em termos de vendas, que resultados?

Os canivetes suíços respondem por 50% das vendas, no total do grupo.

E o negócio de relógios?

Corresponde a 20% das vendas. É o segundo negócio mais importante, a seguir ao dos canivetes. As malas também estão perto dos 20%. Os restantes 10% repartem-se entre as fragrâncias e o vestuário. Há que referir que estas duas categorias  são as mais recentes.

Faz parte dos planos incrementar a importância do negócio de relógios, por exemplo?

Sim, queremos aumentar essa importância, porque mesmo que estejamos presentes a nível internacional, a nossa expansão teve início há dez anos. Depois da América do Norte e do Sul, desenvolvemos muito o negócio de relógios na Europa e Ásia mas, ainda assim, ainda temos de consolidar a presença nesses mercados. Em termos de desenvolvimento do negócio continuamos a ter por objectivo que a fatia do negócio relativa aos relógios cresça.

Mas a previsão aponta para que as restantes categorias cresçam também. Talvez a fatia do bolo que corresponde aos relógios não aumente, mas é provável que o bolo cresça.

Para o negócio de relógios o mercado norte-americano continua a ser o mais importante… Mas e para a Victorinox Swiss Army, de uma forma global?

O mercado mais importante para a empresa é o suíço.

E que outros mercados têm actualmente debaixo de olho?

O nosso foco está direccionado sobretudo para a Europa e Ásia, no caso dos relógios. Enquanto no mercado norte-americano atingimos um grande nível de maturidade, na Europa e na Ásia ainda temos muito espaço para continuar a crescer.

A empresa partilhava a legitimidade no fabrico de canivetes suíços com a Wenger, empresa que entretanto adquiriu em 2005. Que resultados?

A questão não se centra tanto nos resultados financeiros… A Victorinox Swiss Army não adquiriu a Wenger para fortalecer a sua posição no mercado. Adquiriu-a porque o banco suíço pediu à Victorinox para comprar a empresa.

A Wenger estava a passar por grandes dificuldades financeiras, e foi abordada pelo banco suíço para apoiá-la. E a Victorinox só adquiriu a Wenger para que a companhia se mantivesse em mãos suíças. Foi esta a única motivação por detrás da aquisição. Não houve uma estratégia de mercado por trás, quisemos apenas garantir que o canivete suíço continuaria a ser suíço.

Entretanto, a empresa voltou a enveredar pelo caminho da aquisição, desta feita para enriquecer o seu portefólio?

A estratégia de investimento da empresa está focada na articulação da sua estratégia industrial. Nós fazemos aquisição, sim, mas não de marcas. As aquisições passam mais pelo know-how, por tecnologias que melhorem o desempenho da própria marca.

Alexander Bennouna

Licenciado em Antropologia e pós-graduado pelo Institut d’Études Politiques (IEP), de Paris, Alexander Bennouna, que partilha a nacionalidade alemã e marroquina, começou a traçar o seu percurso profissional no sector de joalharia, na capital francesa. Seguiram-se dez anos de experiência em gestão de vendas internacionais, na indústria relojoeira suíça, até que em 2004 assumiu o cargo de vice-presidente de vendas internacionais da Victorinox Swiss Army.

Três anos mais tarde, em 2007, passou a responder pelo papel de chief executive officer do negócio de relógios da mesma empresa, em substituição de Sue Rechner.

Casado e com um filho, Alexander Bennouna, de 45 anos, tem seguido de perto o mercado relojoeiro, combinando tacto e visão empreendedora com uma cultura de negócio inovadora. Características que levaram a família Elsener, proprietária da Victorinox Swiss Army, a confiar-lhe o crescimento e desenvolvimento do negócio de relógios da empresa.

Sabia que…?

  • Diariamente, são produzidos 60 mil canivetes suíços e de bolso, bem como 60 mil facas domésticas e profissionais;
  • Todos os anos, são lançados de dois a três novos modelos. A Victorinox procura dar tempo à inovação, produção e manufactura das suas propostas.
  • A nível global, o volume de negócios da Victorinox Swiss Army em 2011 foi de cerca de 500 milhões de dólares (mais de 387 milhões de euros).
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