
Joana Merlini, artista de arte urbana portuguesa: “Para se ser um street artist tem de se ter muita estratégia de marketing”
No mundo da arte urbana, Joana Merlini Borges assina como Jojo Stickers, somando projetos nos EUA, Macau, Hong Kong, República Checa, Inglaterra e Portugal. Desde 2016, a artista tem vindo a marcar o seu lugar no mundo arte urbana ao pintar murais sob a orientação de seu mentor Pidg2038 em Macau.
Envolvida na organização de eventos de arte urbana, dedica-se a projetos de paste-up, colaborando com coletivos como Yes You Can Spray (Lisboa), Urban Pictus (Praga) e Bristol Mural Collective (Bristol) em iniciativas como os murais de prevenção ao suicídio “You Are Not Alone”.
Além do lado artístico, Joana é também especialista em multimédia digital com experiência internacional, gestão de produção e liderança de equipas. Entre 2019 e 2020, trabalhou como realizadora na TDM – Teledifusão de Macau e atualmente desenvolve o seu trabalho em Bristol, no Reino Unido, e Lisboa, em Portugal.
Com um portfólio diversificado e uma carreira internacional, destaca-se como uma profissional versátil e dedicada na área da produção de vídeo e direção criativa. Estes mês, a artista tem estado a dar aulas de arte urbana na Casa de Portugal, em Macau, sendo também também curadora de um dos projetos deste ano do HK Wall, um festival anual de arte urbana em Hong Kong.
Mas de que forma é que todo este percurso, em particular o artístico, se pode correlacionar com o marketing? Em tudo. Para Joana, ou Jojo, a street art e o marketing estão intrinsecamente ligados, uma vez que a estratégia é essencial para a visibilidade e sucesso dos artistas urbanos.
Em entrevista à Marketeer, Joana explora como a popularização da street art através de campanhas publicitárias não compromete sua autenticidade e como trabalhar com marcas pode fortalecer esta arte, sem esquecer a influência do marketing digital e das redes sociais sobre o público.
Como vê a relação entre a street art e o marketing?
Estamos em constante estratégia, especialmente na venda de quadros de desenhos de Murais à comissão. Para se ser um street artist, tem de se ter muita estratégia de marketing por trás. Depende muito do artista e dos seus objetivos, tal como uma empresa, por exemplo. Quer seja consciente ou não, se não vendermos o produto, se não fizermos eventos, reels, posts, interações nas redes sociais, ficamos para trás, independentemente do talento. O marketing é necessário para o sucesso de uma artista de arte urbana.
Acredita que a popularização da street art através de campanhas publicitárias impacta a autenticidade do movimento ou, pelo contrário, é uma forma de a promover?
Desde que o Banksy abriu portas do mundo da street art para galerias, este tipo de arte deixou de ser visto como uma coisa ilegal, marginal. Passou a ser mais aceite na sociedade e, para dizer a verdade, começou a ser extremamente popular nos últimos anos.
As campanhas publicitárias não impactam a autenticidade do movimento, pelo contrário, aumentam a visibilidade e promoção. É consensual para mim e para a minha coletiva de Lisboa – “Yes You Can Spray”.
Em conversa com a Inês Matos [artista de arte urbana e ilustradora], consideramos que os trabalhos comerciais e o marketing são oportunidades incríveis, tanto para as marcas, como para os artistas. São oportunidades para os criativos se destacarem e fazerem um trabalho diferenciado e de qualidade, desde que não comprometa os valores e mensagens pelos quais o artista se rege.
Enquanto artista, acho que é preciso não desvirtuar aquilo que nos move e que nos identifica. Cada criativo tem o seu estilo, a sua mensagem. Uns abrangem determinados nichos, enquanto outros abrangem toda uma demografia, sendo popularizado. Isto acontece, por exemplo, quando criamos um mural num restaurante, num café ou num local público. Se a mensagem atrair mais pessoas, acaba por atrair também mais comércio para ambas as partes.
Algumas marcas podem contratar artistas urbanos para murais e campanhas. Isso fortalece ou enfraquece a essência da street art?
Pessoalmente, penso que enriquece porque acabamos por ter mais exposição. A maioria dos street artists não fazem só murais. Este tipo de artista faz workshops para adultos, adolescentes e crianças; quadros, exposições, paint jam’s, paste up festivals, curadorias, design digital para clientes, angariação de fundos para instituições, murais para prevenção de suicídio, venda de cadernos e merchandise como t-shirts, stickers e cadernos.
Acabamos por entrar num mercado infinito… Consequentemente, acabamos ligados a uma marca e conseguimos assegurar uma maior plataforma de exposição.
Atualmente, é difícil atingir o nosso target. É difícil fazer com que o público tenha interesse, queira ler, queira comprar e divulgar. Por isso, os trabalhos comerciais acabam por ser uma mais valia para ambas as partes. Estas parceiras são oportunidades incríveis, tanto para as marcas, como para os artistas.
Redes sociais e branding pessoal são ferramentas importantes para um artista de arte urbana hoje em dia? Como as utiliza no seu trabalho?
Qualquer ferramenta é muito importante. Hoje em dia, cada artista tem a sua forma de expôr a arte, a sua forma de criar uma identidade. Eu utilizo o Instagram apenas para divulgar projetos ou eventos que vou fazendo e alguns murais. Mas, a maior ligação que faço é de pessoa a pessoa, networking.
Normalmente ofereço stickers ou crio stickers personalizados.Acabo por fazer isto por gosto e não por estratégia, mas ao fim do dia realmente acabamos por criar uma ligação natural – neste caso, eu e determinada pessoa. Quando isto acontece, acabam por me perguntar se posso pintar uma parede lá em casa ou fazer um quadro. Há alturas em que alguém precisa de uma street artist e, devido a estas ligações que faço, as pessoas acabam por pensar logo em mim. A partir daqui, rapidamente recebo propostas.
Eu transmito a minha mensagem através dos stickers. Para mim, comunicação e ligação são o elemento mais importante.
Através da arte, consigo criar este fio condutor direto para o público, onde então posso abordar os temas que me são mais importantes.
Quero sensibilizar para assuntos como saúde mental e suicídio, através do “You are not alone Murals”, uma organização sem fins lucrativos, sediada em Nova Iorque. Sinto que, sem os murais de prevenção do suicídio, eu não teria tido tanto impacto. Se fizesse apenas publicações através do Instagram, sinto que o meu branding e reconhecimento seriam provavelmente inexistentes.
Já foi convidada para trabalhar em projetos comerciais? Como decide quais propostas aceitar ou recusar?
Já fui convidada para fazer projetos comerciais. Normalmente acabo por escolher lojas, restaurantes ou empresas que têm valores semelhantes aos meus, que fazem parte da minha forma ser, não só a nível pessoal, como enquanto artista. Por norma, escolho restaurantes que sejam amigos do ambiente ou LGBTQ+.
Também acabo por escolher empresas que tenham valores semelhantes aos meus, que ajudam o mundo a ser mais livre, de alguma forma, ou empresas em que sei que posso trazer artistas das minhas coletivas para fazermos mais projetos juntos.
Na minha coletiva de Bristol, a “Mural Collectives”, propomos projetos e organizamos as tarefas de cada uma, dependendo do que o cliente quer. Todas têm estilos diferentes, mas acabamos por escolher dependendo dos nossos clientes. A verdade é que, quem nos procura, já conhece a nossa identidade.
Quando uma oportunidade surge, não dizemos logo que sim, não estamos abertos a qualquer oferta. Faço isso na coletiva, mas também enquanto artista independente. Para mim, a mensagem e o valor são o mais importante. Basicamente é a minha escolha.
Claro que ajuda serem empresas com visibilidade, seja uma empresa que tem uma parede grande, uma que tenha vários visualizadores nas redes sociais, ou até mesmo uma que esteja ligada a grupos maiores. O objetivo é atingir mais pessoas com esta mensagem, espalhar o amor e fazer-nos sentir um bocado mais próximos.
Estamos todos conectados! Vivemos num mundo muito digital. E eu considero que é importante manter a arte viva na rua porque, não só porque é parte cultural, como também porque chama a atenção. Não é um Bilboard gigante, não é uma promoção.
Para mim é isso que é importante: manter viva a arte e esta ligação direta de mensagem para o público.
De que forma o marketing digital influenciou a maneira como o público consome e interage com a street art? Acho que a arte digital está muito diversificada. Há artistas que não querem vender nada e só querem ser vistos e reconhecidos pelos murais. Há outros, como eu, que se querem conectar com o público. Por exemplo, eu quero que vejam um sticker ou um mural e que a arte lhes toque emocionalmente, que lhes faça pensar em coisas felizes, em esperança, em paz, em amor.
Eu escrevo e pinto com cores vibrantes e alegres para que seja um raio de sol naquele dia. Pode ser para uma senhora idosa ou para uma rapariga de 16 anos que está a passar, pode ser para alguém que acabou um relacionamento ou começou um.
Eu diversifico e faço trocadilhos com as frases para que tenham mais que um significado e para atingir um grande grupo de pessoas.
Quantas mais pessoas virem e lerem algo positivo, mais acredito que estou a contribuir para a felicidade indireta delas. Fazem-me tags nas stories quando veem um mural ou stickers feitos por mim, e isso faz com que a interação física parta para a parte digital no Instagram.
Falam comigo diretamente, não com uma galeria ou curador. Acho que é mais acessível. Vivemos muito numa era digital e deixou de haver interação pública. Por isso é que penso que é importante fazer workshop’s para todos, ir com as minhas coletivas e criar mais. Por exemplo, em março participo no “Hong Kong Walls” e, em Lisboa, vou fazer um workshop no Banksy Museum através do “Yes You Can Spray”, uma das coletivas das quais faço parte.
Acha que a street art pode perder sua força crítica ao tornar-se parte do mainstream publicitário?
Sem dúvida que nunca vai perder a força enquanto continuarmos aqui unidos a criar. Enquanto continuarmos a criar coletivas e estas iniciativas, a arte não vai perder a força.
Publicarmos a nossa arte só nos vai trazer mais-valias, só vamos chamar mais a atenção para o artista e para a sua arte, quais são os valores do artista, quais são os seus princípios e qual é a mensagem que quer passar. É mais ou menos como quando se faz um grande produto. Só que, neste caso, somos nós o branding e o produto no final.