Marcas investem em passaportes digitais para milhões de produtos de luxo. Mas será que os consumidores os usam?

Comprar um par de Maison Margiela Tabis, um colar Bulgari ou uma peça de decoração da Lalique agora vem com um extra inovador: uma identidade digital única. Os chamados Digital Product Passports (DPPs) estão a tornar-se cada vez mais uma presença crescente na indústria do luxo, garantindo autenticidade e oferecendo novas experiências aos consumidores.

Embora o conteúdo dos DPPs varie, a maioria inclui um certificado digital de autenticidade e informações sobre a fabricação do produto. Algumas marcas estão a acrescentar benefícios adicionais, como é o caso dos DPPs da Lalique que oferecem uma réplica 3D em realidade aumentada para que os clientes possam visualizar a peça no seu espaço. Já os B33 da Dior incluem detalhes exclusivos sobre lançamentos futuros. Para aceder aos DPPs, os consumidores podem utilizar um QR code, um pequeno chip NFC digitalizável por telemóvel ou tecnologia de reconhecimento por inteligência artificial (IA).

No entanto, e apesar da  experiência única que as marcas querem passar para o cliente, a adoção dos DPPs não é impulsionada apenas pelos consumidores. O grande impulsionador é a regulamentação europeia Ecodesign for Sustainable Products Regulation, que exigirá que, a partir de 2027, determinados produtos forneçam informações sobre identificação e sustentabilidade através de um DPP.

“A maioria das marcas está a concentrar-se em estar pronta para a regulamentação, mas muitas marcas – não todas, mas muitas – estão a ver nisto uma oportunidade que esta regulamentação está a proporcionar”, afirma Romain Carrere, CEO do Aura Blockchain Consortium, um consórcio formado por líderes do luxo como LVMH, Prada Group, OTB Group e Cartier (do grupo Richemont).

Segundo Carrere, a Aura já criou mais de 50 milhões de identidades digitais para cerca de 50 marcas. Contudo, a existência dos DPPs não significa necessariamente que os consumidores os estejam a utilizar ativamente.

Apesar do crescente interesse por informações sobre a origem e o fabrico dos produtos, muitos clientes podem não estar cientes de que o seu artigo tem uma identidade digital. Nos calçados, por exemplo, o chip NFC encontra-se geralmente escondido na sola, tornando-se invisível a olho nu. Mesmo que as marcas incluam um cartão explicativo sobre o acesso ao DPP, nem sempre os consumidores prestam atenção.

Além da falta de conhecimento, a usabilidade pode ser um entrave. Nas redes sociais há consumidores a denunciarem os problemas, como um utilizador que precisou retirar a capa do seu iPhone para conseguir ler o chip NFC dos seus ténis Margiela, ou outro que disse ter demorado 10 minutos a conectar-se ao chip das suas botas Tabi.

Mesmo quando o acesso é simplificado através de um QR code, muitos consumidores ainda não percebem o valor de um DPP. Brian Kilcourse, managing partner da Retail Systems Research, alertava em 2022 que estes elementos precisam de oferecer um valor superior ao esforço necessário para serem utilizado.

Ainda assim, a regulamentação poderá ser o fator decisivo para a adoção em massa dos DPPs. Clare Adelgren, global head de vendas e operações blockchain na EY, que já trabalhou com a Bulgari nesta área, acredita que os consumidores já demonstram interesse em conhecer melhor os seus produtos e as marcas por trás deles. Atualmente, recorrem à internet para obterem essa informação, mas os DPPs poderão tornar-se a opção mais simples e acessível à medida que se tornam padronizados.

O futuro poderá trazer ainda mais inovação. Carrere equaciona um cenário em que, em vez de ler parágrafos sobre materiais ou impacto ambiental, os consumidores possam simplesmente inserir uma pergunta e obter uma resposta clara e objetiva com o auxílio da IA.

Ainda que esta realidade esteja por vir, as marcas já estão a investir em identidades digitais para cumprir as novas regras e, ao mesmo tempo, tentar transformar os DPPs numa mais-valia para os clientes do setor do luxo.

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