Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos

Por Andreia Ribeiro, Creative director da Fuel

Numa visita recente a Évora deparei-me com a melhor ideia criativa que vi nos últimos tempos: a Capela dos Ossos. Como assim, foste à Capela dos Ossos pela primeira vez aos 41 anos? Convém informar que cresci numa ilha e, como tal, as visitas de estudo eram limitadas, literalmente, por um oceano.

Adiante, mal li o magnífico headline que serve de título a este artigo e que também encabeça a porta de uma capela totalmente forrada com ossos humanos, comecei a imaginar o processo criativo: é quinta-feira, dia 14 de Abril de 1666, são 3h da tarde e chove lá fora. Três frades franciscanos reúnem-se em torno de uma mesa de madeira para resolver um problema que ameaça a sua ordem: as pessoas perderam a humildade e passaram a levar-se demasiado a sério. Como fazer com que enxerguem as suas limitações e fraquezas? O frei João, com os pés em cima da mesa, sugere fazer-se um jejum ou uma vigília. O frei António franze o sobrolho… Isso já foi feito. Verdade, concordam os outros dois. E se, começa o frei Francisco, lhes disséssemos que vão todos morrer? Riem-se. Isso é bom, nada faz uma pessoa reduzir- se de imediato à sua insignificância como olhar de frente a morte. Precisamos de um bom visual. Algo moderno e com impacto. Já sei, construímos uma capela – outra capela? – espera, uma capela em que as paredes são feitas de ossos humanos. Ui, a produção vai dizer que é impossível. Espera, temos aqueles excedentes dos cemitérios monásticos, não sabemos o que fazer com eles, vai daí matamos dois coelhos de uma cajadada só. Olha, acho que inventaste um provérbio, aponta aí para não nos esquecermos. Foquem-se, diz o director criativo frei António. Uma capela forrada com ossos humanos. Gosto. Contemplar a morte vai fazê-los pensar na vida. Nem todos vão perceber, diz o frei João. Depois o copy resolve, acrescenta, como sempre, o frei Francisco. Que tal: nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos? Está feito, até já estou a imaginar o case.

A razão pela qual trouxe para aqui este relato fidedigno do que se passou naquela tarde de quinta-feira é muito simples: acredito que a nossa indústria está perante o mesmo problema que assolou aqueles frades franciscanos em 1666. Levamo-nos demasiado a sério. Perdemos a humildade e já não percebemos que os consumidores, por default, não querem saber de nós nem das nossas marcas. Do Meaningful Brands Report 2024 do Grupo Havas chega-nos um dado assustador, baseado em 156 500 respostas de 24 países diferentes: os consumidores não se importariam se 74% das marcas desaparecessem da face da Terra. Isto assusta tanto como olhar uma caveira de frente. Mas, por outro lado, é libertador. Porque se deixarmos de nos levar tão a sério, se calhar vamos perceber que para chegar às pessoas temos de ser mais humildes e falar com elas de igual para igual. Temos de descer do pedestal do “a minha marca não fala assim” e começar a dizer piadas que façam realmente rir, abordar o contexto de frente – mesmo que seja triste –, contar histórias politicamente incorrectas, chorar as mesmas mágoas, falar de assuntos que interessam e oferecer algum consolo, nem que seja em forma de um anúncio que entretenha durante 20 segundos.

Olhemos para as nossas marcas como quem olha para os ossos da capela de Évora e lembremo-nos dos 58% dos inquiridos do mesmo estudo que considera que o que as marcas dizem é pobre e não tem relevância para eles.

Nós marcas que aqui estamos, por 74% de vocês esperamos.

Artigo publicado na edição n.º 342 de Janeiro de 2025

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