Alexandre Rodrigues, da Saatchi & Saatchi: “Porque é que continuamos a achar que a IA nos vai substituir?”

Nas últimas semanas, os sites de marketing, publicidade e tecnologia encheram-se de previsões sobre o que marcará o mercado este ano. Em grande parte delas a protagonista é quase sempre a mesma: a (incrível ou temida) inteligência artificial (IA).

Se antes era apenas um vislumbre distante, hoje faz parte dos nossos dias e está mesmo em quase tudo o que fazemos. Duncan Wardle, autor de The Imagination Emporium: Creative Recipes for Innovation e ex-vice-presidente de inovação e criatividade da Disney, dizia no arranque deste ano que “todos podem ser criativos no ambiente certo” e, num mundo cada vez mais dominado pela IA, essa qualidade é o que diferencia uma empresa.

Outro exemplo da presença da IA é o novo anúncio da Nike com Travis Scott que envolve mais de cinco mil imagens geradas por IA. A ferramenta chega assim (não tendo sido apenas agora) à publicidade, ao mundo dos criativos. Mas até ponto a pode mudar? Será mesmo capaz de nos substituir?

Para responder a algumas destas questões, a Marketeer falou com Alexandre Rodrigues, diretor criativo, muito ligado à Inteligência Artificial (IA), na Saatchi & Saatchi.

1. De que forma a IA pode ser uma ferramenta útil na publicidade?

A utilidade da IA já nem se põe em causa. A Inteligência Artificial está em todo o lado e veio para ficar. Se um criativo usa Photoshop, usa IA. Até o Shutterstock já devolve imagens criadas com IA nas suas pesquisas.
Porquê ser um velho do Restelo a olhar para o passado, proclamando “antes é que era” ou a destilar ódio sobre quem usa conteúdo criado com inteligência artificial? Não usamos todos telemóveis para tirar fotos? A Internet em vez de livrarias? Via Verde em vez de parar numa portagem?

Queixamo-nos de que a IA rouba conteúdos de autores e esquecemos que passámos anos a fazer benchmarking online, usando referências de outros para vender ideias, copiando estilos aqui e ali, fazendo montagens com conteúdos de outrem.

Postámos as nossas criações online para outros “likarem” e polir o nosso frágil ego sem nunca ter considerado as consequências (prefiro chamar-lhe evolução) de tal ato.

Em resumo, o Midjourney não é mais do que um banco de imagens “on steroids”, o ChatGPT uma pesquisa superinteligente e por aí fora.

A pergunta “de que forma a IA pode ser uma ferramenta útil” diz tudo. IA é uma ferramenta. E bastante útil.

2. Esta não retirará a “alma” da publicidade que só nós humanos podemos dar?

Vejo muitas vezes esta afirmação ligada a vídeos criados com IA. Mas a verdade é que se pode dizer o mesmo de 90% de toda a publicidade. A diferença é que o foco de atenções agora está virado para este tipo de conteúdo. Como em todo o tipo de trabalho, há exemplos bons (poucos) e maus (muitos).

3. Concorda com a ideia de que a criatividade e inovação são insubstituíveis?

O que é insubstituível é a própria condição humana. Um robot não respira, não come, não se magoa a ir contra uma porta… porque é que continuamos a achar que a IA nos vai substituir? Já ouviram alguma IA num restaurante a dizer “sei que uma salada me faria melhor, mas apetece-me tanto batatas fritas”?

4. Qual a sua visão sobre a utilização desta ferramenta num trabalho que requer tanta criatividade?

Ora aí está uma pergunta que me faço imensas vezes. Para mim é muito pessoal, pois acredito que o meu trabalho e a minha vida pessoal estão interligados. Ser criativo levou-me até onde estou e a ser quem eu sou. Não tenho nenhum interruptor que desliga assim que chegam as 18 horas. E esta nova ferramenta abriu um universo de oportunidades para os criativos.

Ainda é cedo para dizer, mas acredito que estamos a entrar numa revolução digital. E como em qualquer revolução, a criatividade será o fator principal da mudança/evolução.

Divaguei demais. Pois estamos a falar de publicidade. Mas creio que deixo claro o que acho sobre a utilização da IA na criatividade ou em qualquer outra área. Lá vou eu ter que citar alguém famoso, neste caso Henry Ford acerca dos seus carros: “If I had asked people what they wanted, they would have said faster horses.”
Foi criada a IA, agora os humanos, com a sua criatividade, pensarão nas maneiras mais incríveis de a usar.

5. Poderá, no futuro, a IA “ganhar” aos humanos nesta área?

Costumo sempre dizer que não é a IA que carrega no botão. É um humano que está no controlo (pelo menos para já… aproveitemos estes próximos 2 meses…).

Piadas à parte, a criatividade é um conceito em permanente evolução e, acima de tudo, parte do que significa ser humano. Poderemos ver máquinas a criar soluções nunca antes imaginadas, mas continuaremos a ter humanos a criar, num patamar completamente diferente.

Como disse acima, a IA não tem nada a ver com a condição humana. O nome engana: porque parece que é algo que nos imita e que ambiciona ser igual a nós. Mas a verdade é que para a IA, colar uma banana na parede não significa nada. Para o ser humano, é arte.

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