Debate: Como vamos voar até ao novo aeroporto?
Nas últimas décadas, o sector do Turismo assumiu- se como o principal motor da economia nacional. Só no ano passado, a actividade turística gerou um contributo (directo e indirecto) de 33,8 mil milhões de euros para o Produto Interno Bruto (PIB), o que corresponde a 12,7%. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a indústria gerou “cerca de metade do crescimento real do PIB”. Este ano, o sector prepara-se para atingir um novo recorde histórico de receitas, na ordem dos 27 mil milhões de euros.
O desenvolvimento do sector está, em grande medida, dependente da actividade aeroportuária, ou não fossem os aviões o principal meio de transporte de turistas. E também aqui, segundo o INE, as notícias são animadoras: o número de passageiros movimentados nos aeroportos nacionais aumentou 4,5% até Agosto, face aos primeiros oito meses de 2023, para 47,496 milhões.
Os números confirmam a importância crescente do sector para a economia e deram o mote ao mais recente almoço-debate do Turismo, que decorreu num lounge do Aeroporto de Lisboa a convite da ANA – Aeroportos de Portugal. Como anfitrião, Thierry Ligonnière, CEO da gestora aeroportuária, lembrou que este é um ecossistema onde o sucesso comum depende da colaboração entre todos os intervenientes: «Nos últimos 10 anos, foi o Turismo que restabeleceu a trajectória económica sustentável do País, criando emprego e promovendo um balanço positivo das exportações e importações. Estamos aqui para contribuir e acompanhar este desenvolvimento, para dar “asas” a este negócio, juntamente com os nossos parceiros das companhias aéreas.»
Para continuar a sustentar o crescimento da indústria, há um conjunto de decisões estruturantes para o sector aeroportuário que terão impacto em toda a indústria a médio e longo prazo. Desde logo, as obras de expansão do terminal sul do Aeroporto de Lisboa, que deverão arrancar já em Dezembro e prolongar-se até 2027, num investimento avaliado em cerca de 200 milhões de euros. Contudo, estas intervenções não irão acrescentar capacidade à infra-estrutura, que está congestionada. Para isso, estão previstos outros projectos. «O nosso desafio aqui são as questões ambientais e o desenvolvimento da nossa actividade de uma forma harmoniosa e compatível com as políticas ambientais», ressalva Thierry Ligonnière.
Num horizonte temporal mais longínquo, a decisão que terá maior impacto para o sector será, naturalmente, a construção do novo aeroporto no actual Campo de Tiro de Alcochete. Quanto a este tema, o CEO da ANA – Aeroportos de Portugal garante que o projecto está a mobilizar, desde já, diversas equipas da concessionária, a Vinci Airports. «Este é um tema muito debatido nas últimas décadas. Temos a consciência que [Alcochete] é uma alternativa que retira um pouco de atractividade, mas dá-nos capacidade adicional. Estamos aqui para concretizar a política pública com projectos que beneficiem o País. O aeroporto não é nosso, mas de todos os portugueses», sublinhou o gestor.
Álvaro Covões (Everything is New), André Araújo e Sá (Leading), Armando Rocha (Great Hotels of the World), Bernardo Corrêa de Barros (Associação de Turismo de Cascais), Dália Palma (BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa), David Quito (Emirates), Diogo Fonseca e Silva (Altis Hotels), Eduardo Cabrita (MSC Cruzeiros), Filipe Bonina (Discovery Hotel Management), Francisco Pita (ANA – Aeroportos de Portugal), Isabel Tavares (The Editory Collection Hotels), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal), Manuel di Pietro (Taste – Catering & Events), Mário Ferreira (PG Hotels), Paulo Monge (SANA Hotels), Paulo Ramada (AP Hotels & Resorts), Pedro Ribeiro (Vila Galé), Rita Tamagnini (TAP), Roberto Santa Clara (Savoy), Sofia Sobral (Dom Pedro Hotels) e Solange Moreira (Ukino Hotels) foram os restantes participantes no almoço-debate do Turismo.
AUMENTO DE CAPACIDADE EM LISBOA
Não é só no Aeroporto Humberto Delgado que estão a decorrer intervenções. Há mudanças em curso noutros aeroportos geridos pela ANA, incluindo o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, onde estão a ser realizadas obras de reforço estrutural da pista.
De acordo com Thierry Ligonnière, estas mudanças resultam de um período de reflexão após toda a “turbulência” que o sector enfrentou durante a pandemia de Covid-19 e a rápida retoma que se seguiu. «Tivemos um salto enorme na recuperação em 2022 e, nessa altura, foi necessário pensarmos qual seria o futuro desenvolvimento do tráfego e das nossas infra-estruturas. Como é que a indústria ia sair daquele período de crise e o que é que isso significava em termos do desenvolvimento das infra-estruturas aeroportuárias. Decidimos então fazer uma actualização dos nossos planos de desenvolvimento dos aeroportos», recorda o CEO da ANA – Aeroportos de Portugal. «O nosso papel é o de adequar a infra-estrutura às necessidades presentes e futuras das companhias aéreas. Em termos de equação económica, é isso que nos dá competititividade para podermos promover este desenvolvimento com rentabilidade e potenciar o negócio dos nossos parceiros do Turismo», reitera.
Com a revisão dos planos de desenvolvimento dos aeroportos nacionais já concluída, estão assim definidas quais as próximas etapas de desenvolvimento de cada infra-estrutura, bem como por onde irá passar o aumento de capacidade em cada uma.
No caso do Aeroporto de Lisboa, houve duas resoluções do Conselho de Ministros que terão impacto na operação a diferentes níveis. A primeira é a já referida expansão do terminal sul, junto à Segunda Circular, e a criação de uma nova placa de estacionamento para aeronaves. A nova área de estacionamento vai acrescentar metros quadrados ao terminal, o que, por sua vez, vai permitir desconcentrar o tráfego no aeroporto, mas sobretudo criar mais posições de estacionamento no contacto, «reduzindo significativamente o recurso a autocarros». São, portanto, obras que visam, sobretudo, melhorias operacionais e o conforto dos passageiros – e não um aumento de capacidade. «Hoje, temos 70% das nossas posições de estacionamento remotas e 30% no contacto, mas conseguimos pôr cerca de 60% dos passageiros já no contacto do terminal [através de pontes telescópicas, vulgo “mangas”]. Mas a ideia é aumentar essa percentagem», revela Thierry Ligonnière.
Durante as intervenções no terminal sul, o aeródromo de Figo Maduro – que passou recentemente a integrar o contrato de concessão da ANA Aeroportos – será usado para estacionamento de aeronaves, permitindo assim compensar as posições de estacionamento que estarão inutilizáveis durante as obras e garantindo que não haverá uma redução da capacidade do aeroporto.
O CEO da ANA – Aeroportos de Portugal esclareceu ainda que «o que aumenta a capacidade de um aeroporto é a dimensão do espaço aéreo, que é uma infra-estrutura invisível. Hoje, o primeiro subsistema aeroportuário que limita o desenvolvimento da capacidade do aeroporto é o espaço aéreo». Nesse sentido, a segunda grande medida que terá impacto para o sector será focada nesta área. A NAV, a entidade que gere o espaço aéreo, está num processo de transformação para aumentar a capacidade de controlo aéreo, nomeadamente a alterar as rotas de aproximação dos aviões à pista e a contratar mais controladores.
O objectivo desta medida é, em primeiro lugar e de forma mais imediata, «reduzir os atrasos» no Aeroporto de Lisboa. No futuro, espera-se que permita passar dos actuais 38 movimentos por hora para os 45. «Estes desenvolvimentos todos não são fáceis de executar, mesmo do ponto de vista do licenciamento ambiental», ressalvou Thierry Ligonnière.
OS CONTORNOS DO NOVO AEROPORTO
A construção do novo aeroporto na região de Lisboa foi também um dos temas em cima da mesa durante o almoço promovido pela Marketeer. Depois de mais de cinco décadas de debate, o actual Governo decidiu que a nova infra-estrutura ficará localizada no Campo de Tiro de Alcochete. Um investimento estratégico para o País e que é aguardado com expectativa, em particular por parte de todos os empresários do sector do Turismo.
«As nossas equipas, em conjunto com os melhores consultores e os nossos especialistas sediados em Paris, estão muito focadas no desenvolvimento do novo aeroporto em todas as vertentes (técnica, operacional, comercial, financeira)», garante Thierry Ligonnière.
Até 17 de Dezembro, a ANA | Vinci Airports terá que entregar ao Governo o estudo de viabilidade que dará um enquadramento global ao projecto, nomeadamente qual será a solução técnica e operacional, qual o custo associado, o modelo de financiamento, entre outros pontos que serão determinantes. «O objectivo é que a equação seja exequível para todos nós, em particular as companhias aéreas, no longo prazo », referiu o CEO da ANA – Aeroportos de Portugal.
Segundo o gestor, este relatório inicial irá identificar, desde já, as necessidades de infra-estruturas de acesso ao futuro Aeroporto Luís de Camões: «Para combater da melhor forma a perda de atractividade e competititividade, devido ao afastamento [de Lisboa], será preciso termos boas acessibilidades. O caderno de encargos está do nosso lado, mas também estamos alinhados com o Governo em relação ao que é preciso fazer. Mas obviamente que precisamos de encontrar os mecanismos contratuais e jurídicos para que efectivamente tenhamos a certeza que estas acessibilidades estarão desenvolvidas antes de o aeroporto entrar em funcionamento.»
Quanto ao financiamento do novo aeroporto, Thierry Ligonnière esclareceu que, numa fase inicial, «em projectos aeroportuários e de infra-estruturas é sempre o concessionário que financia na totalidade», entrando depois uma parte de dívida e outra em forma de subsídio. «Uma das fontes possíveis que estamos a considerar são os fundos comunitários», revelou.
Não obstante, este não deixa de ser um investimento de risco para a gestora aeroportuária francesa e que terá que ser analisado ao detalhe. «Teremos que fazer este investimento com a perspectiva de recuperá-lo no prazo que resta da concessão, assumindo um conjunto de riscos que são próprios, desde logo do ponto de vista da construção», explanou Thierry Ligonnière.
PERSPECTIVAS PARA 2025
Durante o almoço promovido pela Marketeer, houve ainda tempo para ouvir as expectativas dos responsáveis de diversas actividades ligadas ao Turismo em relação ao próximo ano. Na hotelaria, e de um modo geral, as perspectivas são muito positivas, com alguns players a anteverem crescimentos significativos do lado das receitas, na ordem dos dois dígitos ou próximo disso. O mercado norte-americano continuará a ser a grande alavanca do sector.
Já no sector aeroportuário, há uma visão «mais conservadora », antevendo-se «claramente um abrandamento do crescimento ». Não só pelos avisos de que o crescimento da economia mundial está a arrefecer e isso pode ter impacto nas viagens, mas também porque, em Portugal, além das limitações de capacidade do Aeroporto de Lisboa, há obras a decorrer na pista do Aeroporto do Porto, que «têm algum impacto no tráfego das companhias aéreas». Mas também há boas notícias para o sector, como a primeira rota directa entre Faro e Nova Iorque, que começará a ser operada pela United Airlines em Maio de 2025.
Ainda do lado menos positivo, os responsáveis temem, de um modo geral, que a taxa turística, que em Agosto passado estava implementada em nada menos que 26 municípios portugueses, continue a espalhar-se pelo território nacional. «É uma tentação irrevogável dos municípios, que vêem aí mais uma fonte de receita. A maior parte dos turistas está habituada a pagar – hoje é raro o destino que não cobra taxa turística – e em termos económicos não parece ter impacto na procura. O que preocupa é como é que o dinheiro é utilizado. Essa é que tem de ser a reflexão», realçam. E alertam: «Toda a taxa tem de ter um propósito na sua aplicação. É preciso medir o impacto, dimensar o valor correcto da taxa, para que não tenha um impacto de perda de competitividade.»
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Turismo”, publicado na edição de Novembro (n.º 340) da Marketeer.