Estão as campanhas a perder a autenticidade com o uso da IA?
Por Jorge Ferreira, Director de Marketing da Konica Minolta Portugal e Espanha
A Inteligência Artificial (IA) trouxe para o marketing uma revolução esperada: processos automatizados que prometem mais tempo para pensar, inovar e criar. Com a optimização das tarefas repetitivas, a segmentação mais precisa e o poder de personalização de conteúdos, parecia que a era digital abriria espaço para campanhas cada vez mais únicas e diferenciadas. Mas será mesmo assim? Ao delegarmos à IA tantas funções, será que estamos a ceder a nossa própria capacidade de criar e a diluir a autenticidade das nossas campanhas?
Sentimos que as marcas estão a dar um rosto visível à IA nas suas acções de comunicação, principalmente, em campanhas associadas a valores sociais, como o empoderamento feminino no anúncio da Dove, Keep Beauty Real, ou na criação de experiências imersivas de realidade aumentada, como a campanha “Masterpiece” da Coca-Cola, onde algumas das maiores obras de arte do mundo “ganham vida”. Ainda assim, e apesar da Inteligência Artificial apresentar diversas vantagens que tornam o processo criativo mais eficiente e envolvente, o verdadeiro benefício continua a ser sobrevalorizado: a capacidade de conhecer a fundo os públicos, antecipando os seus comportamentos e preferências para podermos definir estratégias de comunicação direccionadas para o alcance dos objectivos pretendidos.
É neste sentido que a análise do feedback dos consumidores ganha também uma nova relevância, permitindo-nos identificar possíveis oportunidades de crescimento e novas fontes de inspiração para a produção de campanhas cada vez mais inovadoras. Mas até que ponto é que a inteligência artificial alterou a forma como os públicos comunicam com as marcas?
Apesar de automatização digital facilitar a análise dos sentimentos e reações dos públicos em tempo real, nomeadamente através da monitorização nas redes sociais, e a personalização de conteúdos, a própria imediatez desta ferramenta acaba por gerar uma dependência por feedback imediato, que faz com que os consumidores imperem uma resposta (demasiado) rápida por parte das organizações. A pergunta que então permanece é: de que forma é que esta resposta “instantânea” condiciona a autenticidade das marcas?
A solução para este desafio encontra-se na definição e aplicação de uma estratégia de acção ponderada, onde a autenticidade deve servir de pista para uma corrida de longa distância. O aumento da exigência dos consumidores e do acesso à informação fomentado pelas plataformas digitais, reforça a importância das organizações dizerem o que fazem e de fazerem o que dizem, de forma transparente e genuína. O efeito “greenwashing” é um óptimo exemplo de como as marcas devem apostar numa comunicação clara e autêntica, que conquiste a confiança dos clientes e que não replique o efeito oposto, de afastamento, um erro que muitos tendem a cometer por sentirem a necessidade de agradar a todo o custo.
O contributo da IA para as áreas do marketing e da comunicação é inegável. Esta ferramenta introduziu-se no nosso ambiente de trabalho, no espaço de poucos anos, com uma oferta ilimitada de possibilidade que tornam as marcas mais ágeis e eficazes, como a criação de chatbots, o e-mail marketing ou os sistemas CRM. Ainda assim, não podemos ignorar os desafios éticos que emergem com a utilização desta máquina e a forma como ela pode limitar e diluir a autenticidade das nossas campanhas. Em casos extremos, a utilização não responsável da IA – como a manipulação de dados, invasão de privacidade ou a manipulação de imagem, como os deepfakes – pode mesmo levar a perdas irreparáveis na confiança estabelecida com os consumidores.
Por muito que a automatização destas tarefas ajude a erguer as organizações, devemos encará-la igualmente como uma fonte de risco, que pode abalar e quebrar o compromisso ético que deve presidir a autenticidade. Os benefícios da utilização da inteligência artificial, desde o aumento da eficiência, à personalização em escala e à redução de custos operacionais, tornam-na tanto uma ferramenta de apoio como uma tentação, que cria a ilusão de que as empresas podem ser invencíveis, detentoras de todas as possibilidades de acção.
Creio que neste ponto da evolução da IA, devemos focar-nos, essencialmente, nesta possibilidade de criar uma dependência total dos sistemas de automatização e de não considerar o impacto da perda do “toque” humano na definição de estratégias claras e honestas, que reforçam a confiança e relação emocional entre os públicos e as marcas.
No fundo, importa comunicar de forma criativa e genuína com os consumidores, garantindo que estes reconhecem a autenticidade, o grande motor das relações a longo prazo com as organizações. Aos dias de hoje, o equilíbrio entre os avanços tecnológicos e os valores fundamentais das marcas torna-se premente. O anúncio de 2018 da Lexus, com um guião totalmente elaborado por IA e filmado pelo realizador Kevin Macdonald, continua a ser um bom exemplo de como a Inteligência Artificial pode estar ao serviço de uma campanha que resulta de uma colaboração autêntica entre a tecnologia e a criatividade humana. Outra campanha que reflecte a utilização da inteligência artificial de forma disruptiva e autêntica é a estratégia de divulgação e apresentação da séria Stranger Things, pela Netflix, que desenvolveu um chatbot chamado “El”, uma referência ao nome da personagem principal, Eleven, para desvendar alguns dos mistérios e novidades da temporada.
Num futuro caracterizado por uma IA em constante evolução, cabe-nos a nós encontrar a melhor forma tirar proveito desta ferramenta, fazendo prevalecer a integridade e honestidade tão necessárias na comunicação e que caraterizam a autenticidade das marcas, uma das maiores vantagens competitivas do marketing. A sua fonte, ainda que possa ser redefinida, permanecerá sempre a mesma: a criatividade humana.