Como as agências se fazem ouvir no meio do ruído da comunicação?
Há Elefantes nas salas da comunicação? À pergunta-tema da 23ª conferência da Marketeer a resposta é pronta: Sim. Durante a manhã do dia 19 de novembro, foram abordados alguns “incómodos” que interferem, impedem ou dificultam a arte de comunicar.
No Centro de Congressos do Estoril, o primeiro debate – moderado por Ricardo Florêncio, CEO do grupo Multipublicações, contou com a participação de Catarina Barradas (Head of Global Brand da EDP), Cristina Tavares, (Head of Branding, Communication & Marketing International da Fidelidade) e José Borralho (CEO da Escolha do Consumidor) – traz para a mesa a questão do turbilhão e avalanche de informação que torna difícil captar a atenção dos consumidores e clientes. Que forma, que meios, que conteúdos, que tons? Será a hiperpersonalização uma opção? Mas quais os desafios, custos, resultados? E a regulação, onde entra?
Captar atenção dos clientes
Ricardo Florêncio dá o pontapé de saída inicial ao questionar Cristina sobre de que forma, com tanto ruído na comunicação, consegue captar a atenção dos clientes?
“É um desafio. Acho que, de uma maneira ou de outra, todos nós que estamos aqui nesta sala sentimos isto”, começa por explicar a Head of Branding, Communication & Marketing International da Fidelidade.
“No meio deste ruído todo, o que faz realmente a diferença é a autenticidade das empresas. E, na realidade, todos estamos a tentar fazer um processo de comunicação daquilo que são os nossos produtos, os nossos serviços, aquilo que queremos trazer enquanto processo de valor para os nossos clientes e consumidores. A grande diferença, depois, acontece naquilo que vai além do que é a comunicação comercial.”
Ou seja, de acordo com a profissional da Fidelidade, num mundo onde a ferocidade da concorrência atinge níveis nunca vistos, marcar a diferença acaba por ser o maior desafio de todos. Uma distinção que Cristina Tavares atribui aos valores e à essência da marca.
“Há aqui uma componente muito importante que tem que ver com aquilo que a marca acredita e os valores que trazem em termos de processo de comunicação para o exterior. Tudo isto alinhado com o que são as estratégias de comunicação.”
Na realidade, e do ponto de vista do consumidor, os valores que a marca representa podem ser determinantes na escolha de um produto. “As marcas passivas, que, na realidade, só têm um componente comercial de interação, acabam por trazer um valor que, rapidamente, pode ser suplementado por outra que tenha uma proposta idêntica.”
Catarina Barradas, Head of Global Brand, da EDP, começa por destacar o rebranding que a empresa sofreu recentemente e que considera ser uma estratégia a longo prazo. De acordo com a profissional, a empresa tem muito claro as metas a que se propõe atingir. Até 2030, por exemplo, a EDP será 100% verde e até 2025 deixará de produzir carvão.
“O que fazemos é, identificarmos os projetos que são mais fáceis de contar a nossa história, em termos de inovação, sustentabilidade e impacto social. Portanto, acompanhamos a implementação dos projetos, damos um ângulo de storytelling que seja interessante para as pessoas e depois contamos essa história.”
E será fácil contar essas histórias? Nem sempre. Catarina Barradas assume a dificuldade: “somos produtores de energia em grande escala e isto é difícil de comunicar. Daí termos que identificar muito bem as histórias que queremos contar, a quem queremos que cheguem, principalmente quando estamos a falar de um panorama global com um orçamento cheio.”
Ao contrário de Catarina e Cristina que atuam em empresas como a EDP e a Fidelidade, portanto, elas próprias marcas, José Borralho é CEO da Escolha do Consumidor, que é um sistema de avaliação e classificação de marcas com base na satisfação e aceitação dos consumidores. Mas não só.
Regularmente, a Escolha do Consumidor é também a empresa responsável pela atribuição de vários prémios em que se destacam diferentes marcas e empresas no mercado. Ora, será que as premiações são uma boa forma de passar uma mensagem diferente de alavancagem da comunicação das empresas?
“Sim, os prémios acabam por ser uma forma das marcas reforçarem a sua autoridade em cada setor. São um investimento, e um valor elevado em termos de reputação e de diferenciação do mercado, de resultados comerciais, e, sobretudo, conseguir perceber aquilo que o consumidor está a dizer através da informação dos dados dos relatórios que nós proporcionamos à marca,” esclarece José Borralho.
Regulação: é uma barreira à comunicação?
Certo é que, será muito complicado alcançar prémios e distinções sem que a empresa tenha uma estratégica de comunicação que permita divulgar produtos, serviços e valores da marca. Qual será, nesse sentido, a forma mais eficaz de comunicar a marca? E no que diz respeito à regulação, é ou não um enorme elefante na sala?
No caso da Fidelidade, em que existem mais de dois milhões de clientes, Cristina Tavares assume que a diversidade de perfis obriga a que a empresa trabalhe numa estratégia de verticalização.
O que quer dizer que a Fidelidade não comunica o que diz respeito aos seguros (a área de serviço da empresa) mas que vai mais além nessa divulgação. Cristina Tavares acrescenta que existe “uma complementaridade de outro tipo, de outra tipologia de serviços que trazemos e que estamos a apostar.”
Ou melhor, “existem as pessoas que interagem connosco, os nossos clientes, os que compram os seguros, os que usam os seguros, as pessoas que estão connosco e que não são clientes, os nossos prémios, as aplicações que temos e onde oferecemos condições perfeitas às pessoas que interagem connosco de alguma forma, e, portanto, há muitas tipologias diferentes.”
Quanto à Inteligência Artificial, a Fidelidade assume usar o programa Simulani, e Cristina assume que o recurso a esta ferramenta não é um apoio recente: “já há alguns anos que o fazemos. Não é uma coisa que acontece sempre mas ajuda-nos muito no processo de tratamento desta informação.”
A Head of Global Brand acrescenta que a IA faz parte dos desafios que atualmente existem nas empresas. “Trata-se de uma ferramenta de uma enorme utilidade, com um potencial que todos percebemos que tem, mas que estamos a tentar entender como é que conseguimos retirar dali um verdadeiro valor.”
Na realidade, quanto maior for a empresa mais cresce o desafio a enfrentar. Ou seja, a primeira grande dificuldade no que diz respeito à informação tem, segundo a profissional da EDP, que ver com a integração: “Portanto, o primeiro desafio é a integração desta informação. Como é que a guardamos, a colocamos, a qualificamos, e categorizamos para depois a tratarmos.”
Quanto à regulação, Cristina assume que é necessária. “Mas é um desafio. E muitas vezes o que acontece é que nos obriga a sistematizar a informação que queremos colocar para fora. A regulação coloca dificuldades na perceção do que pretendemos transmitir.”
José Borralho, por outro lado, considera que “há duas palavras que definem a forma como nos diferenciamos: responsabilidade e inovação.” Segundo o CEO, isto é o que faz a diferença em relação à concorrência.
O clima e a sustentabilidade passaram a ser temas delicados. Principalmente, após a pandemia. Na EDP, uma empresa de energia, a gestão destas temáticas tende a ter uma relevância cada vez maior.
“Acho que os portugueses, muitas vezes não têm a noção da dimensão da EDP. Somos o quarto maior produtor de energia e óleo do mundo, e somos a utility número um do mundo. O que é que nós temos que fazer? Temos que ser muito criativos na forma como contamos as histórias de sustentabilidade, que é difícil.
“No nosso caso, trata-se de um processo é um pouco mais pacífico porque é um processo quase de ponte entre o consumidor e a marca. Quer façamos isso quando estamos a fazer avaliações quer quando estamos a comunicar tentamos justificar e proteger as marcas”, sublinha José Borralho.
Para Cristina Tavares, a regulação não tem sido fator de interferência no seu trabalho: “Não sinto uma restrição de ponto de vista da criatividade. Para mim, a criatividade é a base da inovação. Tudo o que desenvolvemos a criatividade está sempre presente.”
Já Catarina Barradas, no setor energético, lamenta a desinformação que, de alguma forma, interfere na forma como se desenvolvem os projecto: “A EDP é atacada muitas vezes. Temos os que nos adoram, que nos querem, que são os like-minded, que têm o nosso propósito e que usam todas as nossas soluções tecnológicas para fazerem parte da transição energética connosco. Por outro lado, temos muita desinformação disseminada no mercado energético, o que faz com que existam muitos resistentes à mudança. No fundo, o setor energético está dividido em transição energética e indústria que ainda prevalece os combustíveis fósseis.”
Na opinião de Catarina Barradas ambas as indústrias “vão ter que conviver juntas”. É aqui que o papel da comunicação é essencial “para revelar como a mudança pode ser eficaz”
Créditos: Foto de Paulo Alexandrino/Paulo Petronilho