Os Sentidos da Marca
Por Gustavo Mendes, Director do programa Brand Management da Porto Business School e fundador da Ichika Brand Consulting
O ser Humano é multissensorial.
O ser Humano usa todos os sentidos disponíveis para perscrutar e interpretar tudo o que (lhe) acontece. Visão, audição, tacto, paladar e olfacto são a porta de entrada para o processo que se dá, no cérebro humano, de integração e construção de um sentido para toda esta estimulação (interna e externa).
A título de exemplo, é facilmente reconhecido que para existir “sabor” têm de existir o paladar e o olfacto. Muitas vezes existe ainda uma sensação de visão, que nos cria uma expectativa de determinado sabor ainda antes de provar, e a audição, porque a música ambiente interfere – sabemos hoje – com a experiência de degustação e respectivo sabor final. E o tacto? Este fica dedicado a quem não resiste a comer com as mãos aquele prato ou tipo de comida em especial.
Historicamente, temos vindo a dar um protagonismo à visão sobre todos os outros sentidos. A construção e desenvolvimento de marcas não tem sido excepção. Falamos de “identidade visual” e dos respectivos elementos gráficos (logótipo, tipografia, entre outros), mas não de personalidade e identidade como um todo, com os seus respectivos elementos gráficos, sonoros, tácteis e olfactivos, e de como contribuem para construir uma narrativa e uma experiência de marca integrada, impactante e consistente.
Se hoje o consumidor privilegia mais do que nunca a experiência que tem com a marca em todos os pontos de contacto (seja de compra ou de consumo) – e se o consumidor é um ser humano –, então, seria de esperar ver, cada vez mais, a jornada do cliente, a “brand equity” e as respectivas associações da marca serem construídas recorrendo a esta multissensorialidade.
Uma marca é (deve ser) multissensorial.
Existem exemplos interessantes de marcas que já contemplam a sua presença, recorrendo a outros sentidos além da visão, criando assim experiências mais completas, imersivas e relacionais. Ao fazê-lo, conseguem uma maior proximidade e relevância, desenvolvendo as associações que dão ao consumidor um sentido e uma justificação para as escolher.
As marcas de serviços de saúde, por exemplo, têm trabalhado o olfacto, numa tentativa de ultrapassar o tradicional “cheiro a hospital” para criar ambientes mais acolhedores e relaxantes. As marcas de automóveis, por sua vez, investem cada vez mais no design sonoro, trabalhando desde o som das portas até ao som específico do motor, nomeadamente em veículos eléctricos, onde estes sons são construídos para transmitir segurança ou potência. No mundo dos gadgets e wearables, a experiência de “unboxing” tem sido cada vez mais explorada, com as marcas a trabalharem o toque e o som do abrir da embalagem. O sector da alimentação e bebidas tem explorado o som e a textura como activos de diferenciação, desde o crocante dos cereais de pequeno-almoço até ao som da abertura de uma lata, projectados para amplificar a percepção de frescura. Mesmo o retalho tem vindo a usar, ao mesmo tempo, a música, a iluminação ambiente e o olfacto para criar uma experiência de compra particular àquela marca.
Trata-se de compreender que associações conseguimos evocar, recorrendo aos diferentes sentidos e ligá-las aos atributos de uma marca. No entanto, a maioria das marcas não tem directrizes claras quando se trata de como trabalhar esses elementos numa perspectiva de experiência de cliente e de design emocional. Que marcas conhecem que incluam estes elementos nos seus manuais de identidade?
Os elementos auditivos incluem sons, música, voz e silêncio e podem criar um ambiente, um ritmo e uma personalidade distinta para a marca. Os sons devem corresponder ao tom, voz e mensagem da marca.
Os elementos tácteis incluem texturas, materiais, formas e pesos e podem criar uma sensação de qualidade, conforto e proximidade.
Os elementos olfactivos envolvem fragrâncias, aromas e cheiros e podem evocar memórias, sentimentos e associações poderosas, ajudando a criar uma atmosfera única e que distingue a marca de todas as outras.
Os elementos gustativos referem-se ao sabor e à degustação, que são particularmente relevantes em marcas de alimentos, bebidas e restauração. O sabor pode comunicar a qualidade, a autenticidade e a essência da marca.
Esta multissensorialidade deve reflectir os valores da marca, criando um poderoso “gatilho” emocional que reforça a identidade da marca e cria uma experiência imersiva, única e memorável.
Quando a marca tem a capacidade de harmonizar e integrar estes elementos, acontece o que a JWT em 1974 (no seu famoso “Planning Guide”) chamou de “unique blend of appeals”, para referir a forma única como a marca apela à razão, à emoção e aos sentidos do consumidor, para criar um sentido único, ter o impacto pretendido e, com isso, ser a escolhida.
Fico, por isso, na expectativa de ver os responsáveis pelas marcas escreverem nos seus briefings como gostariam de usar todos os sentidos possíveis para dar um sentido único à sua marca. E, igualmente, de ver as agências de publicidade e comunicação começarem a desafiar as empresas com manuais de identidade de marca dinâmicos, vivos e multissensoriais. O consumidor vai adorar, garanto.