Debate: Temos de melhorar o feeling do turista

Tem sido um tema recorrente no sector do Turismo e que tem suscitado alguma discórdia. A verdade é que a taxa turística continua a disseminar-se – ou, nalguns casos, a agravar-se – entre os municípios espalhados pelo território nacional. Em Abril, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou a subida do valor cobrado pela chamada taxa de dormida de dois para quatro euros por noite. Só nos últimos meses, destinos como Amarante, Lagoa e Albufeira juntaram-se à lista, fazendo com que o número de municípios que cobram taxa turística já ultrapasse a dezena. E a perspectiva é que outros sigam o exemplo nos próximos tempos.

O tema deu o mote ao mais recente almoço-debate do sector do Turismo promovido pela Marketeer, onde os participantes questionaram a subida da taxa turística em Lisboa. «Quando começou este tema, um dos argumentos apontados pela parte política era que um euro não fazia diferença. Mas quatro euros faz diferença! E se olharmos para um [hotel] três estrelas situado num sítio mais periférico, faz mesmo muita diferença», contestam.

Os responsáveis ressalvam que não está em causa a aplicação da taxa nos grandes centros turísticos, onde a pressão é mais elevada, nomeadamente Lisboa e Porto, até porque todas as cidades com as quais concorrem também cobram uma taxa. No entanto, é preciso questionar se faz sentido implementar a mesma em destinos com pouca pressão turística, além de como e onde é que o dinheiro tem sido aplicado.

Quando a taxa de dormida entrou em vigor em Lisboa, lembram, um dos pressupostos discutidos no âmbito da Associação Turismo de Lisboa (ATL) era que o dinheiro angariado reverteria para um fundo e os operadores privados poderiam dar opinião sobre a afectação das verbas. «E em determinadas alturas isso foi feito. Há um conjunto de equipamentos que surgiram ou foram recuperados na cidade para melhorar a atractividade e potenciar a vinda de novos visitantes, como é o caso do Pavilhão Carlos Lopes, o Arco da Rua Augusta, o elevador da Ponte 25 de Abril… A ideia passava por criar novos pólos de atracção na cidade», recordam.

Porém, com o passar do tempo, a taxa começou a ser aplicada nalguns municípios onde «não tinha muito sentido» e a ser usada para «colmatar os problemas financeiros» das autarquias. «Na verdade, se quisermos justificar que a limpeza das ruas, a manutenção dos jardins ou o policiamento é bom para o turismo, conseguimos fazê-lo. Aquilo que qualquer autarquia faz em prol dos seus residentes é benéfico para o turismo. Não há propriamente medidas que são boas para o turismo e outras que são boas para os residentes», notam.

Dito isso, à volta da mesa há quem defenda que o dinheiro que resulta da aplicação da taxa de dormida em Lisboa – onde também já é cobrada uma taxa de chegada por via marítima aos passageiros de cruzeiros – deveria ser usado para resolver alguma da degradação visível na cidade, ao nível da iluminação ou da limpeza das vias públicas, por exemplo. «Mas o turismo não dá votos e, infelizmente, os problemas não são resolvidos.» E dão o exemplo da rotunda junto ao Aeroporto Humberto Delgado, que é «o primeiro impacto de quem chega à cidade». Em suma, a taxa serviu para criar alguns equipamentos na cidade, mas não para melhorar o «feeling do turista».

Para além disso, defendem que não deveria ser denominada taxa turística, mas sim “taxa da cidade”, ou outra denominação semelhante, como acontece noutros destinos, para não conotar como uma taxa «penalizadora de quem nos visita».

Andrea Granja (Tivoli Hotels & Resorts), Armando Rocha (Great Hotels of The World), Catarina Pestana (Grupo Visabeira), Eduardo Cabrita (MSC Cruzeiros), Francisco Pita (ANA Aeroportos), Gonçalo Rebelo de Almeida (RA Consulting), Graça Silva (SATA), Isabel Tavares (The Editory Collection Hotels), João Pinto Coelho (Onyria Group), Manuel di Pietro (Taste – Catering & Events) e Teresa Gonçalves foram os participantes no almoço-debate, que decorreu no hotel The Editory Riverside, em Santa Apolónia, Lisboa.

A EXPERIÊNCIA É RAINHA

A debate no mais recente almoço de Turismo estiveram também algumas tendências que impactam ou podem vir a impactar o sector a breve prazo. O tema dos novos perfis de consumidores é um deles, nomeadamente a tendência de envelhecimento demográfico. Portugal é hoje o quarto país mais envelhecido do mundo, ou seja, com mais pessoas com uma idade igual ou superior a 65 anos. No entanto, esta é uma tendência que se verifica um pouco por toda a Europa, prometendo trazer mudanças ao nível dos padrões de consumo em várias indústrias. O Turismo é uma delas.

Actualmente, há cada vez mais pessoas seniores a viajar, que têm mais poder de compra, são mais exigentes e têm um espírito mais jovem. Mas estes consumidores, os chamados Boomers, têm interesses diferentes das gerações anteriores. «O turista do passado, que vinha em excursão, acabou. Hoje, os seniores já não “caem da tripeça”. A postura, a forma de viver e a mentalidade são diferentes. Já não querem sentar-se numa sala a jogar bingo», sublinham os participantes.

Nesse sentido, como têm as empresas do turismo de mudar a sua oferta para ir ao encontro das expectativas e interesses deste target? Na verdade, não precisam de mudar muito. «Estas pessoas não querem nada de diferente. Querem sentir-se como se não tivessem a idade que têm. Essa lógica que havia antigamente, de ter uma oferta específica para este target, já não é o que pretendem», explanam os participantes.

No sector dos cruzeiros, essa segmentação acaba por ser natural, não tanto pela idade, mas por grupos de interesse. Se um navio de cruzeiro pode ter 130 nacionalidades a bordo, então é importante que haja uma multiplicidade de atracções, destacando-se como uma tendência actual a criação de restaurantes temáticos, por exemplo. Já nos aeroportos, o que se tem vindo a verificar é um aumento significativo do número de pedidos de assistência a pessoas com mobilidade reduzida, precisamente porque, actualmente, há pessoas a viajar que não estavam habituadas a fazê-lo.

Mesmo nos segmentos mais jovens, estes começam a viajar de uma forma diferente e colocam as viagens como uma prioridade, talvez mais do que comprar uma casa ou um automóvel. Esta é uma geração que viaja muito mais do que as anteriores. Por isso, seja para jovens ou seniores, o enfoque «tem de estar na experiência».

FOMENTAR A CULTURA DE MARCA

No sector da hotelaria, uma tendência que se tem evidenciado é a divisão do negócio em várias áreas. Hoje, principalmente no caso das grandes cadeias hoteleiras, muitas das vezes o negócio está dividido em pelo menos duas de três vertentes: a entidade que detém o activo (geralmente, da área imobiliária), uma management company (que gere a operação) e outra entidade que comercializa a marca (franchising). «Actualmente, as grandes marcas internacionais já só estão focadas nesta última. Já não querem gerir os hotéis, só querem explorar o negócio de franchising», referem os participantes no debate promovido pela Marketeer. Um movimento que tem suscitado o aparecimento ou expansão de diversas marcas hoteleiras internacionais no mercado português, que se fazem valer da sua notoriedade e capacidade de distribuição. Neste mercado, «a marca traz muitos clientes», frisam.

E por que o negócio hoteleiro está hoje muito virado para “vender marcas”, as grandes cadeias internacionais têm vindo a diversificar o seu portefólio. Alguns grupos têm dezenas de insígnias sob a mesma umbrella, porque querem «abarcar todo o mercado». Mas correm o risco de se «perder no meio de tantas marcas».

Nesse sentido, como podem, nos dias que correm, as marcas nacionais competir com as internacionais? Há poucas marcas portuguesas com notoriedade elevada e não temos uma única que seja verdadeiramente global. Mesmo as (poucas) cadeias que expandiram o seu negócio além-fronteiras, praticamente só «têm reconhecimento nos mercados onde estão presentes».

Em suma, faz falta uma cultura de marca, mas isso é algo que extravasa o sector do Turismo. «Nunca tivemos a mentalidade de criar produtos para o consumidor final. Sempre fomos muito bons e sempre trabalhámos no B2B, que é um trabalho completamente diferente, mesmo do ponto de vista do marketing e da comunicação ao consumidor final, que requer muito menos investimento», explanam os responsáveis.

No caso específico do mercado hoteleiro, e apesar de a localização continuar a ser um dos principais factores de sucesso, falta ainda, de um modo geral, visão estratégica e valorizar a vertente da comunicação. «Somos capazes de investir 30 milhões de euros para construir um hotel e depois sobra zero para o budget de promoção. Se esta mentalidade não muda, não conseguimos fazer marcas de consumidor final. Porque isso obriga a um modelo de negócio em que aquilo que se investe na criação do produto e na sua comunicação seja quase equivalente», alertam.

REDUÇÃO DO IVA DO GOLFE

Com a tomada de posse do novo Governo, há também mudanças na Secretaria de Estado do Turismo. Pedro Machado, antigo presidente da Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal, foi o nome escolhido para liderar os destinos do sector nos próximos quatro anos. Os responsáveis ouvidos pela Marketeer admitem alguma expectativa, até por ser alguém com um passado neste sector. «Vem de um turismo muito difícil. Passar marca ali [na região Centro] é complicadíssimo, porque são “300” marcas dentro da mesma. É algo que pode trazer de valor acrescentado», sublinham.

Não obstante, confessam não esperar grandes mudanças, até porque há temas que são fundamentais para o sector, como a cultura, os transportes, o aeroporto ou a legislação laboral, mas que «não dependem só de um secretário de Estado».

Além destes temas, os responsáveis à volta da mesa surgerem algumas medidas que poderiam ser adoptadas para fomentar a actividade turística. Uma delas é a redução do IVA do golfe, actualmente no escalão máximo (23%). Este é um tema que tem sido debatido há vários anos, mas que ainda não foi revisto, mas que penaliza os operadores hoteleiros que têm oferta neste segmento. De resto, em 2012, quando o IVA subiu de 6% para 23%, os efeitos foram imediatos. «Foi um erro, completamente. A lógica era que o golfe era para portugueses com dinheiro, mas o pressuposto está errado. O golfe é uma grande actividade de exportação, tal como o alojamento turístico. Em Portugal, há apenas 15 mil praticantes», lembram.

Outra medida que sugerem seria a optimização da gestão dos fluxos turísticos. Hoje, com a tecnologia e a Inteligência Artificial, é possível fazer essa gestão. Já há cidades a fazê-lo, mesmo dentro dos grandes centros urbanos.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Turismo”, publicado na edição de Maio (n.º 334) da Marketeer.

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