O marketing do primo

Por José Godinho Marques, multidisciplinary creative, director criativo da Pine Roots for Brands

Como todos sabemos, numa verdade Lapalissiana, um número primo é aquele que só é divisível por si próprio ou pela unidade. Portugal é um país sui generis no que toca a estes números. Em dez milhões, há muito primo com primazias variadas e que vive sem quaisquer azias. E um país que dá tanto palco ao escandaloso primo do ex-primeiro ministro de forma tão recorrente, não pode estar na corrente certa. Continuamos na corrente do Big Brother, no fundo, enquanto modelo social. E vamos achando tudo normal, da excentricidade à falta de verdade. Gosto muito de comparar o José Castelo Branco a um ou dois ou três directores de marketing meio perdidos que já se cruzaram no meu caminho, infelizmente. Vejamos:

Betty Grafstein é uma marca. Anda por aí desde 1929, quase há tantos anos como o Azeite Gallo. Uma senhora herdeira do seu marido, Albert Grafstein, o negociante judeu que deu o nome à Grafstein Diamond Company, o tal império herdado pela dita. Importa frisar que Lady Betty é na verdade filha adoptiva de uma dama de companhia da avó da Rainha Isabel II.

Confuso e chique, não é? Uma dama de companhia nas nossas vidas faz toda a diferença. Ou um diretor de marketing x ou y, quando na verdade não sabemos muito bem o que fazer com a nossa marca, certo? E neste momento de fragilidade, haverá sempre um Zé. Neste caso, um tiro no pé. Esta contratação lavrou-se em formato casamento, numa conservatória em Loures, no ano de 1996. E durante 30 anos, 30 longos anos, o próprio diretor de marketing, Chateau Blanc para os amigos, vestiu a camisola, literalmente.

Ou melhor, vestiu o tailleur Chanel. Durante anos a fio, este diretor de marketing ou dama de companhia, gastou a rodos os budgets da marca, sem criar verdadeira relevância ou notoriedade para a marca em si. Porque acabou por criar a sua própria marca: desagradável, esteticamente duvidosa e barulhenta. E o português, pequenino e limitado à sua falta de assunto e pobre, aplaude em horário nobre esta dama de companhia como sendo o verdadeiro cuidador da marca. “- Que fofo, que querido, trata a marca como uma bonequinha, só pode ser amor verdadeiro.” “- Eu tenho um primo que o conhece, é adorável a relação que mantém com a marca”. Quase que deixo cair uma lágrima. Vive-se em festa, fazem-se promessas, e no fim ficam contas por pagar, de forma injusta, a quem se cruzou com este diretor de mark… I mean, dama de companhia. É a marca, a própria da marca, que sai prejudicada, quando já poderia estar em paz a viver a sua maturidade. Má decisão, Betty. Bem sabemos, o bullshit era moda no marketing dos anos 90. Mas caramba, já passaram quase 30 anos.

Na agência onde sou diretor criativo, também há algum tempo desligámos o radar e oferecemos uma ideia, estratégica e criativamente brilhante, shining bright like a diamond, a uma dama de companhia de uma marca. Esta já tinha pedido propostas a imensas agências para a “festa” (vulgo campanha de relançamento da marca, num evento), e algures, conseguimos entrar para o “pitch”, para provarmos a diferença daquilo que fazemos. Apresentámos, recebemos todos os elogios possíveis: “- Bem, vocês superaram todas as outras propostas”, “- A vossa ideia está incrível”, “- Acho mesmo que vamos trabalhar juntos”. Mas num instante, a dama de companhia desapareceu do mapa e o possível casamento nem aconteceu. Deixou de responder a e-mails, whatsapps, telefonemas. Vimos plumas e diamantes na hora da festa, mas na hora de se fazer a coisa acontecer a sério, alguém o terá feito. Quiçá um primo. Daqueles que dividem pela unidade ou por si próprios.

Na indústria do marketing, que deve ser transparente e bonita e alinhada com um propósito, quando se assumem estas atitudes e vivemos delas, assumimos que podemos mandar uma marca (até aquelas com mais de 90 anos) pela escada abaixo, a título pessoal. Mas cá para fora, a direção de marca arranja sempre forma de saír incólume. São inocentes e fofos, no fim. E mesmo que se ladre, a dama de companhia passa, a segurar as rédeas da marca que destruiu, do ponto de vista da comunicação. Vivemos num país de desonestidade intelectual criada por nós mesmos, e é por isso que continuamos a admirar figuras que se apoderam daquilo que na verdade não lhes pertence. Só muito tarde se descobrem as verdades submersas, e se afastam estes directores de marca da ribalta. Esses mesmo que deixam marcas negativas na própria marca.

Zé, tenho cá para mim que não soubeste tratar da tua marca. Se calhar tinha sido mais interessante contratares uma agência, seres menos primo e mais amigo de quem te ajudou, já que querias criar um produto excêntrico. Mas não me admirava que ainda te candidatasses a Primeiro Ministro, com uma campanha bem bolada por uma agência qualquer. Primos unidos, jamais serão vencidos.

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