IPA: Para um modelo de envolvimento entre consumidores e marcas
Por Gustavo Mendes, Director do programa Brand Management da Porto Business School e Coordenador de Customer Management na Universo Sonae
A tarefa de compreender como a relação entre cliente e marca acontece e evolui é tão delicada quanto importante. Delicada, porque pode ter inúmeras derivações (e consequentemente inúmeras consequências no cliente); importante, porque tem garantidamente impacto directo no resultado do negócio!
Num cenário em constante evolução, onde as marcas disputam a atenção e o envolvimento dos consumidores, estabelecer uma relação relevante tornou-se a condição sine qua non para o sucesso das marcas a longo prazo.
A abordagem tradicional unidireccional de construção de marca tem vindo a dar lugar a um modelo mais interactivo que reconhece a (nova) dinâmica de poder entre consumidores e marcas. É precisamente essa mudança de paradigma que tentamos encapsular no nosso modelo (de envolvimento entre consumidores e marcas), composto por três níveis distintos: Identificação, Participação e Apropriação (IPA). Cada fase do continuum representa um estádio único no qual os consumidores se envolvem e interagem com as marcas de formas diferentes, com consequências diferentes.
Identificação
Trata-se da capacidade do consumidor para identificar e (idealmente) se lembrar da marca. Aqui podemos detalhar três níveis de profundidade: 1) o consumidor sabe que a marca existe e recorda-se dela em primeiro lugar e antes de qualquer outra aquando de um processo de tomada de decisão (chamamos-lhe “top of mind” nos estudos de mercado); 2) a marca pode fazer parte de uma lista de marcas que o consumidor se recorda se “parar para pensar” na categoria (notoriedade espontânea); e 3) só se recorda da marca se alguém (por exemplo, um amigo ou familiar) lhe falar dela ou a sugerir como opção (notoriedade sugerida).
É precisamente nesta fase que todos os temas de posicionamento e identidade de marca aparecem como as ferramentas principais para actuar sobre o consumidor. Fazem parte todos os elementos que identificam e distinguem a marca de todas as outras e que permitem ao consumidor identificar-se com ela, reconhecê-la e lembrar-se dela quando precisa. Identidades partilhadas levam à criação da relação de identificação: é essa a característica principal deste nível.
Importa lembrar que, no patamar da Identificação, o consumidor pode – ou não – ser cliente da marca. Reconhecer e identificar-se com a marca é um motivo necessário, mas não o suficiente para garantir um envolvimento duradouro; no entanto, estabelece e garante o cenário para níveis mais profundos de envolvimento.
Nesta fase, as marcas devem perguntar-se: “Os meus clientes lembram-se de mim quando precisam?” e “Como é que me torno uma marca memorável?” (no sentido de recordável, de ficar na memória, de ser lembrada nas alturas certas).
Participação
Na fase da Participação, o consumidor não só identifica (isto é, reconhece e recorda) a marca, como a convida voluntariamente para fazer parte da sua vida. Esta é a fase em que as “transacções” (na linguagem de negócio) ocorrem, onde a marca se torna um participante activo no estilo de vida das pessoas e as ajuda a serem quem querem ou a conseguirem o que precisam (na linguagem do consumidor). É o primeiro grande passo para fazer evoluir a relação (funcional) entre consumidores e marcas para além da “mera” troca de bens ou serviços.
Os consumidores, nesta fase, escolhem activamente a marca em detrimento de alternativas, porque é esta marca que faz (todo o) sentido ter no seu dia-a-dia (seja de comida para gato, de telemóvel ou de carrinho para bebés). A característica particular desta fase é esta escolha activa, por oposição à escolha “porque é a única disponível”, por “hábito” ou “porque foi a mais fácil” ou a “primeira que me apareceu” (mais típicas na fase anterior). É aqui que a marca conquista o seu direito a ocupar um lugar na vida diária do consumidor. Os benefícios da marca – funcionais, emocionais e sociais – são, por isso, a prioridade principal deste patamar e a relevância (da marca para o consumidor) é a condição essencial de sucesso.
O marketing de conteúdo é um bom exemplo de uma das ferramentas disponíveis às marcas para actuar sobre o consumidor neste patamar, através da criação de conteúdo relevante e útil que eduque, informe, mas também entretenha o consumidor (“branded content”). Assim, cria mais oportunidades e novos espaços para o consumidor perceber como convidar a marca a participar noutras áreas ou momentos da sua vida.
Na fase de Participação, as marcas devem garantir que sabem a resposta às questões: “O consumidor escolhe-me por vontade própria e activamente ou porque não tem outra hipótese?” e “Quais são os benefícios que o consumidor retira da minha marca, que a torna útil e relevante?”.
Apropriação
Na fase de Apropriação, a marca transcende o conceito de “produto” ou “serviço” para ser encarada como uma “proposta de valor” e torna-se uma parte integral da vida do consumidor. Não se trata apenas do que a marca pode oferecer (“produtos” ou “serviços”); trata-se de perceber como a marca acrescenta algo à vida do cliente, de como torna a vida do consumidor diferente e de como lhe permite ser melhor. Neste nível, os consumidores ganham um sentido de propriedade sobre a marca, a qual passa a fazer parte da sua cultura e de como se definem.
As marcas que atingem com sucesso esta fase de Apropriação tornam-se indispensáveis para os consumidores. Para além de leal, o consumidor torna-se agente e embaixador da marca, de forma orgulhosa e voluntária. Alcançar a apropriação requer uma compreensão profunda de como colocar a inovação ao serviço do cliente e um compromisso em oferecer valor que vá muito para além da transacção (valor efectivo e tangível, como os euros são para o negócio, por exemplo).
Neste patamar, a capacidade da marca para criar experiências memoráveis e impactantes pode ser a “diferença que faz a diferença”, o que pode incluir eventos exclusivos, experiências imersivas, workshops, programas de fidelidade VIP e outros eventos especiais que reforcem a relação (emocional) mais próxima entre consumidores e marca. A capacidade da marca em surpreender positivamente o consumidor é a métrica principal deste patamar.
As marcas nesta fase devem por isso perguntar-se: “O que é que os meus clientes conseguem fazer (de diferente, de melhor) porque eu faço parte da sua vida?” e “Se eu desaparecesse da sua vida, iam sentir a minha falta? Iam sequer perceber que eu desapareci?”.
Num mundo onde os consumidores são inundados com opções, são as marcas que se envolvem de maneira profunda aquelas que resistirão ao teste do tempo. Este modelo IPA que aqui apresentamos, e que desenvolvemos no âmbito do curso “Brand Management” da Porto Business School, tem a ambição de ser um guia para o sucesso na construção desse envolvimento, com benefícios evidentes para ambos – consumidores e marcas.