A revolução no código genético da sociedade digital
Por Francisco Aires de Sousa, profissional de marketing
A transformação digital, as características intrínsecas às novas gerações, o desenvolver de mentalidades e o reorganizar de prioridades, a par com os múltiplos fenómenos ocorridos na sociedade global nos últimos anos, correlacionados e em potenciação, estão a intervir no âmago genético da sociedade de hoje. Estas alterações influem directamente na base da cultura de cada organização e importa ter consciência que qualquer adiar de decisões é a escolha de um caminho que vai ditar o seu futuro.
A evolução das tecnologias e das redes sociais marcou um ponto de viragem na sociedade, o “always on”, a facilidade de acesso à informação, aos perfis individuais, às imagens captadas por qualquer pessoa a qualquer momento, e tudo isto passou a fazer parte de muitos minutos dos nossos dias. Esta mudança estrutural foi sendo introduzida dia após dia, e sem nos apercebermos da real dimensão da mudança todos fomos aderindo a cada novo equipamento tecnológico, à ligação e interacção entre os vários equipamentos, às aplicações e ao máximo potencial de cada uma e acrescentando facilidade, optimização e assertividade em quase todas as acções que fazemos. Fomos assim transformando integralmente a nossa realidade, mas tendemos a não realizar o quanto esta mudança aportou a todos os níveis da sociedade.
Se a título de exemplo compararmos as regras na nossa infância e o porquê de cada uma, e as confrontarmos com a forma prática com que gerimos actualmente o funcionamento das nossas casas e dos filhos, temos uma pequena ideia da dimensão da coisa… a hora para sentar a família à mesa a jantar é hoje marcada por uma mensagem por WhatsApp, tão próxima do acontecimento quanto nos apetecer e tivermos tudo pronto… saber onde está alguém a cada momento já não é um exercício de memória sobre o horário semanal de atividades dessa pessoa… alterar uma rotina já não precisa de combinação de véspera, acontece a qualquer momento e toda a sequência de implicações dessa alteração são colmatadas por uma qualquer app que assegura “boleia” a quem nós íamos buscar, um qualquer “eats” que traz jantar para vinte pessoas daqui a vinte minutos e a um chat de distância organizamos e coordenamos uma infindável lista de combinações, ajustes e validações…
Se a realidade das pequenas acções da nossa vivência pessoal e familiar foram tão alteradas, a estrutura das vivências profissionais, que tendencialmente têm um multiplicador no que toca à eficiência e optimização, foram alteradas estruturalmente, e em todos os seus pilares continuarão a surgir alterações a cada mês que passa. Muitas serão as vezes em que só vamos identificar o seu real impacto, tarde demais.
Ao juntarmos à tendência a aceleração “Covid-19” temos um momento histórico de transformação social e empresarial. Se já não é fácil acompanhar atempadamente as mudanças de mentalidade, ainda é mais difícil perceber o que mudou enquanto as vidas normais estiveram em “hold” ao mesmo tempo que a dinâmica profissional requereu grande parte do nosso foco na reinvenção da empresa, do seu objectivo, das funções de cada colaborador, no modelo de gestão de equipas…
Foi um período de enorme desenvolvimento individual, nas capacidades técnicas, no gosto, nos sentimentos e na opinião. Mas foi um caminho solitário e limitado nas influências do colectivo. Neste percurso, a dinâmica de grupo das equipas de trabalho foi alterada, exploraram-se novos modelos de gestão e de relacionamento, mas perdeu-se envolvimento e cultura. Por outro lado, não existiu uma data para o “desligar” do afastamento social Covid-19, foi acontecendo de formas diferentes para cada pessoa, assim como deixou vínculos que perduram e estão diretamente interligados com as experiências vividas por cada um.
Assim, quando voltamos a juntar grupos, olhamos para a dinâmica, para as divergências e ficamos confusos… chegamos a acreditar que adormecemos e acordámos alguns anos depois sem conseguir entender a lógica da diversidade de ideias e estádios de maturação das opiniões.
Não sabemos como nem porquê, não sabemos o que nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, mas constatamos que tudo mudou e que por mais que tentemos acreditar que ao repormos a “normalidade” voltamos ao passado, nada está a voltar ao ponto de origem. Tentamos racionalizar com foco em tudo o que já experienciámos, mas verificamos que não há encaixe nos modelos que conhecemos e que as alterações não são uniformes, nem têm um tendencial convergente… para cada pessoa foi uma mudança diferente e uma transformação individualizada.
É este o paradigma da modernidade, um mundo de diversidade com o qual urge saber lidar, ao qual devemos dar espaço e não cair no erro de tentar uniformizar novamente porque já não vai resultar.
Nunca tínhamos sido expostos a uma realidade tão alternativa, nem expectámos um acelerar rápido da tendência, mas da mesma forma que nos soubemos adaptar e transformar para fazer face aos desafios inéditos que o período Covid nos trouxe, é agora tempo de racionalizar a mudança, analisar profundamente os pontos de interferência com as estratégias em vigor e projectar para o futuro as transformações no código “genético” de cada instituição.