O lado bom da “Força” na AI não vai aniquilar a “humanware”
Vai a Inteligência Artificial definir a relação das marcas com os consumidores? Foi esta a questão que deu o pontapé de partida na primeira mesa-redonda da 20.ª Conferência Marketeer e cuja resposta é: não só vai como já o está a fazer há algum tempo através de ferramentas que grande parte das pessoas utiliza no quotidiano, como o Waze e até o Google.
«É uma realidade que já nos ajuda muito, poupa-nos tempo enquanto consumidores», afirma Tiago Simões, director de Marketing do Continente, com quem o head of Digital Care Tribe da Vodafone, João Simões, concorda. «No dia-a-dia já temos muito contacto com temas de AI», por exemplo, quando colocamos o telemóvel a carregar ou fazemos uma pesquisa na galeria de fotos por algo em específico.
Sendo que o consumidor já lida com estas ferramentas, tem do seu lado o poder de exigir às marcas de diversos sectores que o costumer experience se assemelhe, seja na app da empresa de água, de luz ou comunicações. Assim, a concorrência deixa de se fazer apenas entre as mesmas áreas e passa a acontecer com todas as indústrias. «A utilização não vai desacelerar. Hoje é o dia mais lento que vamos viver», afirma João Simões.
O lado bom da “Força”
E se por um lado, em maior ou menor percentagem, a Inteligência Artificial ajuda a reduzir esforços e custos, por outro, surgem as dúvidas e preocupações: «até onde conseguimos ir utilizando a tecnologia para o bem?» Quem levanta a dúvida é Eduardo Ferreira, head of Innovation da Capgemini, salientando que as gerações actuais nunca viveram uma situação como agora, em que a tecnologia se consegue desenvolver a si própria. Contudo, o profissional mantém uma perspectiva optimista e refere que neste momento já estão a ser desenvolvida guidelines, tanto na Europa como a nível mundial no que concerne à ética e responsabilidade.
Neste sentido, João Simões reforça que o «importante é reduzir a ambiguidade», ou seja, «conhecer bem, experimentar e ver onde faz sentido encontrar respostas na AI». Essa tarefa faz-se não sozinhos, mas com parceiros confiáveis, de forma a assegurar o desenvolvimento das melhores soluções, tanto para as marcas e empresas como para os clientes. No caso da Vodafone, essas respostas encontram-se na oferta de TV direccionada para a experimentação, sendo que cada consumidor tem uma forma única de usar a oferta, com base nos seus gostos. Também o assistente virtual TOBI traz novas realidade ao cliente, que não necessita de ligar ou dirigir-se a uma loja para encontrar respostas.
«Todos nós começámos a falar de AI, ChatGPT. Todos virámos especialistas. Mas não é novo», diz Eduardo Ferreira. Na Capgemini nota-se uma clara vontade dos clientes em fazer uso das novas possibilidades – do texto indexado a imagens –, embora ainda não haja uma resposta para tudo. A vantagem, garante o profissional responsável pela inovação, é existir uma rede global de pessoas focadas em testar todas as variantes e perceber o que pode funcionar melhor nas actuais circunstâncias. «Não fazemos isto sozinhos.»
Já no Continente, umas das primeiras formas de utilização da AI surgiu com o lançamento dos folhetos personalizados, proporcionando aos clientes da marca um conjunto de 20 produtos «certos para cada pessoa». Criados com informação retirada do cartão Continente, os folhetos surgem para ajudar no processo de compra, orientando e nunca forçando. Com cerca de 1 milhão de folhetos personalizados gerados todas as semanas, esta solução trouxe também «uma força do bem» à marca, que registou cerca de 10 milhões de euros em compras, fidelização e satisfação.
Contudo, Tiago Simões não deixa de parte os desafios que podem surgir e que surgem desde sempre em todas as grandes disrupções. «O fogo foi a primeira e grande. Durante séculos foi diabólico para os humanos, enquanto não o dominámos. Mas sem fogo não haveria AI. Há alturas em que nos vai queimar, mas também em que nos vai aquecer, fundir, permitir fazer muitas coisas diferentes, etc. Estes dois lados existem em tudo.»
E onde fica a humanização?
A resposta a esta pergunta também parece ser simples, pelo menos por enquanto: «É difícil as máquinas ganharem todas as capacidades humanas.» Uma vez que ninguém quer uma empresa totalmente transaccional, o profissional da Vodafone afirma que a “humanware” continuará a ser importante, «especialmente nos temas não tão repetitivos para conseguir fazer a diferença no relacionamento».
Espera-se, então, que se possa fazer uma evolução em função das carreiras mais longas, resultantes da crescente esperança média de vida. O ideal será que a AI e a tecnologia possam levar a um mercado de trabalho focado em competências em vez de funções, fazendo um melhor uso dos recursos disponíveis. O TOBI revela-se um exemplo na óptica de João Simões, já que 60% da equipa é agora composta por profissionais que transitaram do call centre ao adquirirem outras skills.
Também na MC se espera um virar da página em moldes semelhantes. Com cerca de 30 mil colaboradores, grande parte nas lojas físicas, a empresa continuará a precisar deles, mesmo com todos os recursos tecnológicos em vigor. Ainda assim, será necessário orientar a experiência em loja física para a lógica actual e, como tal, as pessoas devem também evoluir para entender esses instrumentos. «Todas as pessoas da Sonae MC vão ter meia hora por semana só dedicada à formação» e onde se inclui o machine learning. «Em partes do negócio há pessoas que vão ser substituídas, noutras vão ser ‘recicladas’ para saber outas coisas», revela Tiago Simões.
Conclui-se assim que «não vamos desaparecer» e exemplo disso são os vários processos transformativos ao longo da História, como a Revolução Industrial. Com a AI em específico, Eduardo Ferreira mantém que «pode ser usada para o bem», por exemplo, auxiliando um médico nas tarefas burocráticas e deixando espaço e tempo para que se dedique ao trabalho humano. «Não vejo a tecnologia a eliminar por total o contacto humano. A AI pode dar um boost à qualidade do serviço prestado, colocando novamente as pessoas no centro.»
Texto de Beatriz Caetano