Soão: a arte de dar um pulinho à Ásia sem sair de Alvalade

Quando se entra pelas portas do Soão somos automaticamente transportados para terras asiáticas. E depois de um dia a correr entre a redacção e o Parque das Nações era de uma experiência destas que eu estava a precisar, embora não o soubesse.

O que sabia era que me tinha sido lançado um desafio. Mas este era um desafio diferente dos habituais em que vários jornalistas se sentam a uma mesa longas horas e em que desfilam pratos que todos provamos. Aqui eu ia estar sozinha. Quer dizer, não faltavam pessoas no restaurante – estava cheio e quem chegou sem marcação a partir de uma determinada hora não teve sorte e teve de ir jantar a outras paragens -, mas eu ia estar sozinha, munida do telefone (e redes sociais) como companhia.

Mas, sentando-me na barra, cedo percebo que não vou estar desacompanhada. À minha frente e a receber-me nesta viagem tenho o chef João Francisco Duarte que começa por me explicar o que preparou para mim e em que momento entra a proposta da Semana Selvagem, o que me fez ir nesta noite ao restaurante de Alvalade.

Enquanto vejo o chef trabalhar o peixe com mestria – de quem já o conseguiria fazer de olhos vendados – vou reparando nos pormenores do espaço: lanternas de papel, gaiolas de aves, gravuras e dezenas de outros objectos que me transportam para viagens a oriente.

Dou uma espreitadela à carta de bebidas onde não faltam opções de chás para acompanhar a refeição. Cocktails e saké à escolha do freguês, mas também há grande variedade de vinhos, nomeadamente alguns a copo. Gosto sempre de ver, para poder contar, mas não bebo álcool e os meus olhos voltam aos chás, onde me detenho no Thai Red, originário da China/Tailândia e que leva chá verde, gengibre e morangos.

Assim que o chá foi servido, o chef coloca à minha frente as primeiras tentações: o Dim Sum de champanhe, lavagante e gambas que estava au point – como dizem os nossos amigos franceses – e em que o marisco não se perde nos outros sabores; e o Tung Tong (Money Bag), um dim sum frito que faz um festim nas minhas papilas gustativas, com o seu frango e castanhas de água. Para início de conversa, o chef estava a colocar as cartas na mesa e a fazer antever uma esplêndida refeição.

Seguimos com a proposta pensada especificamente para a semana selvagem: Usuzukuri de Salmão Selvagem do Alaska com abacate, ponzu, ikura e crocante de tempura. A frescura soube-me muito bem depois dos dois anteriores que me tinham aconchegado do frio que se sentia lá fora. Agora era chegada a hora de dar as devidas honras ao prato que me levara ao Soão. Estava irrepreensível. Só tive pena de estar menos habilidosa com os hashi (pauzinhos) do que normalmente e ter deixado no prato alguns vestígios de ikura (as ovas de salmão).

À barra chegava pouco depois um conjunto de gyakumaki (rolo de arroz com camarão e salmão), nigiri e sashimi. A frescura sente-se na primeira sentada. O nigiri de lírio desfaz-se na boca e será recordado por muito tempo. O de atum igualmente no topo dos que tenho degustado. De destacar ainda a quantidade q.b. de arroz, o que nem sempre acontece nestas opções. No sashimi além do atum, não posso deixar de referir o salmão do Alaska, bem menos gordo do que geralmente se encontra e que voltou a encantar o palato.

Tempo ainda para uma dose reduzida, a pedido ao chef, do Pad Thai de camarão. «Esprema a lima», recomenda o chef, justificando que o molho de peixe é muito intenso e a lima ajuda a cortar. Arrisco e começo por não seguir a recomendação para sentir os sabores. Bem bom e aprovado! Mas, depois, faço o que me foi recomendado. E, de facto, a lima dá-lhe um twist muito mais interessante. Ouçam sempre o chef!

Para este prato ainda me trouxeram picante tailandês. Será que arrisquei? Pois, claro que sim. Não sou de virar costas a um desafio. A princípio fui a medo. Como correu bem, avancei e coloquei um pouco mais. O suficiente para me obrigar a reforçar o copo de chá. Sim, o nariz começou a dar sinais. Mantive-me firme e no prato restaram apenas as cascas do camarão.

O corpo começava a dar sinais de que estava a abusar (e que não me poderia deitar sem fazer uma boa caminhada), mas o chef queria muito que eu fosse à sobremesa. E fui.

Cheesecake japonês com bola de gelado de lemongrass, gengibre e manjericão. Uma belíssima forma de terminar e limpar o palato do picante manifestamente exagerado do pad thai. Mas o menos memorável da refeição. Provavelmente a culpa é minha, bem sei. Sou fã de doces bem doces e aqui não era o caso.

Mas uma avaliação global extremamente positiva. É, sem dúvida, para voltar. E quem sabe se não encontro, nesse regresso, o prato pensado para a semana selvagem na carta permanente?

Nota: O Soão tem 30 lugares à mesa, entre a taberna asiática, no primeiro andar, e o andar de baixo, o Bafon, onde há salas reservadas com cortinas. Juntam-se-lhe ainda 14 lugares ao balcão e a esplanada onde há mais 40 lugares.
Texto de Maria João Lima
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