«Temos muita informação dentro de casa que nos sai pela janela porque não fazemos nada com ela»

Incerteza e imprevisibilidade têm pautado a área das agências nos últimos anos. E o panorama não parece que vá ser muito diferente no período que se segue até porque as marcas, de forma cautelosa, guardam parte dos seus budgets de investimento para eventuais tiros que possam ter que dar nos últimos trimestres de cada ano.

É nesse contexto que Bernardo Rodo, managing director da OMD Portugal, que participou na mesa-redonda “Os novos P’s na Comunicação e Publicidade” da 19.ª Conferência da Marketeer, defende que 2023 será, novamente, pautado por imprevisibilidade e incerteza já que «as decisões vão ser tomadas muito próximo dos acontecimentos». De uma forma simplificada, o responsável lembra que o que o marketing faz construir estradas em terrenos onde vai encontrando muitos buracos. «Depois podemos adorná-la com propósito, com missões, mas o que temos é de construir uma estrada para aproximar marcas e consumidores.»

O profissional lembra que o sentimento social dominante é muito difícil de prever e que há uma crise de valores. «As redes sociais estão cheias de vendedores de picaretas da felicidade.» Depois de uma crise sanitária que acabou por não ser tão dramática para os consumidores e para as marcas como tantos anteviram, agora as marcas têm de tomar decisões muito orientadas para números, para vendas e conversão, sublinha. «O que vamos fazer é, pegando no sentimento social dominante, em que há novos valores que estão a interferir com o consumo (e no momento de consumo), trabalhar marca a marca.»

E se há sector que viveu a incerteza mais do que qualquer outro foi o dos eventos que, por decreto, teve de se manter parado mesmo quando os outros sectores retomavam alguma normalidade no pós-confinamento. Pedro Rodrigues, director-geral da Desafio Global, lembra que estiveram dois anos fechados em casa, a fazer eventos digitais como forma de sobrevivência. Agora, «estamos felizes e cheios de trabalho neste momento de contra-ciclo». Mas, sublinha, tem sido um ano de pressão com clientes a pedir eventos com três semanas de antecedência.

Pedro Rodrigues diz que há alguns fenómenos decorrentes destes dois anos: «Há fornecedores muito desfalcados do ponto de vista de recursos humanos. É inédito na história dos eventos pedirmos a fornecedores de audiovisuais, por exemplo, equipas e eles dizerem-nos que nas datas em questão não têm recursos humanos.»

Inegável é, também, o factor aumento de custos na área dos eventos. «Um evento corporativo é gerido a um a dois meses. Se for mais do que isso ficamos desconfortáveis com a possibilidade de poder não acontecer e poderá ir para o fim da fila das propostas que estamos a elaborar.» Pedro Rodrigues lembra que a questão do preço será visível nos caterings, por exemplo. Mas que, ainda assim, há empresas em que o evento é coordenado pelo departamento de compras que quer um evento com o mesmo orçamento do do ano anterior. Mas, este ano, sendo o volume de trabalho tão grande, a Desafio Global está a dizer que não a propostas que lhe são pedidas. Porque «há departamentos de compras que sabem valorizar serviços e a qualidade e outros que só estão focados no preço. Por isso, ao longo deste ano, tivemos o prazer de declinar a participação em alguns concursos».

A questão da sustentabilidade é um tema antigo. E no caso dos eventos não tem apenas a ver com o organizador, mas também com os fornecedores, quer seja o catering, as luzes LED em soluções audiovisuais ou a abolição de telas impressas. «Claro que todos os clientes querem eventos sustentáveis, mas poucos são os que estão dispostos a pagar mais por isso. Por isso, a sustentabilidade tem de ser intrínseca ao próprio processo de criação do evento porque o cliente de facto quer, mas não está disposto a pagar mais por isso.»

O preço de ser criativo

Na mesma mesa-redonda, João Santos, COO do WYgroup, lembra que estamos a viver uma crise que é um pouco diferente das anteriores que viviam, sobretudo, de se aumentar a procura. Esta crise vive, também, da limitação que existe em algumas cadeias de abastecimento, de algumas marcas de consumo estarem limitadas devido ao acréscimo de preço das matérias-primas (e consequente achatamento das margens). «Cada sector tem desafios diferentes e a comunicação tem de encontrar resposta para cada um deles. Aquilo que nós sabemos é que todos estes sectores, em determinado momento da sua vida, vão precisar de performance – um dos primeiros P’s.» Ou seja, explica, uma marca que tem a sua margem esmagada vai ter muito mais dificuldade de promocionar no ponto de venda. E o que vai fazer, garante, é pedir ao seu Marketing que produza campanhas que promovam a conversão. E é aí que, defende concordando com Bernardo Rodo, o digital vai ter um papel essencial. Essa será, acredita, uma das maiores preocupações das marcas no próximo ano.

O segundo P – o ponto de venda – terá a ver com a activação de marca, sobretudo perto do local de decisão de compra. Para convencer o consumidor a converter a sua aquisição, ou seja, transformar em venda.

Já o terceiro P elencado por João Santos diz respeito às parcerias. «As marcas precisam de criar valor. A destruição de valor está feita pela inflação. Portanto eu, enquanto marca, se vou aumentar o preço, tenho de entregar alguma coisa com isso.» A forma como se consegue fazê-lo é juntando a outra marca que seja complementar, ganhando ambas com a parceria.

E este foco na performance deverá, diz, ser trabalhado em simultâneo com o foco em marca, ou seja, nos objectivos de longo prazo. Mas, lembra, «muitas empresas ainda não têm ecossistema de dados que lhes permitam fazer determinados tipos de aprendizagem e converter em comunicação – aquilo a que se chama data driven creativity – esse entendimento que está lá dentro, escondido. Quando as empresas conseguem ter acesso aos seus próprios dados e transformar esses dados em criatividade que converte, elas estão a fazer duas coisas absolutamente fantásticas: a trabalhar o seu propósito de negócio que é gerar vendas, ao mesmo tempo que continuam a trabalhar no seu objectivo de longo prazo que é criar marca». O profissional não tem dúvidas de que o digital é uma autoestrada onde há muita coisa para fazer e descobrir. «Temos muita informação dentro de casa que nos sai pela janela porque não fazemos nada com ela. A capacidade das empresas de capturar os seus dados internos, de ter capacidade de olhar para eles e trabalhar com eles para produzir conhecimento e melhor comunicação, é absolutamente fundamental.»

Já Bernardo Rodo acredita que o marketing digital é a ferramenta mais acessível por ser de activação rápida, ter baixos custos de produção e permitir conquistar coberturas rápidas com menos dinheiro. «Mas não resolve todos os problemas. Neste momento, para atingir 85% dos alvos adultos preciso de cinco a seis semanas em digital e de seis a sete dias em televisão», sublinha. Segundo o profissional, o digital permite correr menos riscos, mas permite menos construir marca que é algo que dá suporte às campanhas digitais. «Não vale a pena as marcas estarem na crista da onda, a navegar a crista da onda, se elas próprias não tiverem contribuído para construir essa cultura», comenta. E acrescenta que há uma ideia de promessa fácil do digital. «Mas, no final do dia, eu não posso estar constantemente à procura do consumidor com o cartão de crédito na mão para consumir se eu não tiver uma marca por trás com valores com que ele se identifique e algo que ele reconheça.» Para o responsável da OMD, as redes sociais são cruciais, mas as marcas de media dão credibilidade às mensagens que depois dão suporte às campanhas de conversão. «Faço esses testes todos os dias», assegura, projectando que as que investirem agora sairão mais fortes da crise.

Saber dizer que não

Quando as marcas são pessoas, como é o caso dos influenciadores, há também valores e crenças que importa não esquecer que devem estar em sintonia com os das marcas das empresas pelas quais dão a cara. «As marcas empresa têm de ter coragem para assumir as suas crenças, mas os influenciadores têm de saber dizer que não e recusar algumas campanhas», salienta Inês Mendes da Silva, CEO da Notable, à conversa na mesma mesa. A responsável conta que têm dito que não a muitas campanhas associadas ao Mundial porque os influenciadores não se revêem. «Tenho muito orgulho que os nossos influenciadores sejam capazes de o recusar.» O tema, acredita, deverá ser cada vez mais o da confiança. Porque se o poder de compra diminui, explica, «as pessoas vão ser cada vez mais cirúrgicas no momento da compra. Querem propósito, identificação com uma causa do produto ou serviço». Daí que a profissional considere necessário que haja um valor acrescentado quando um consumidor vê uma campanha de um influenciador.

Na Notable trabalham com mais de 40 influenciadores e Inês Mendes da Silva considera que têm obrigação de pôr essas vozes – que têm uma comunidade de seguidores tão grande – a posicionar-se e a ter uma voz activa junto da sociedade. Claro que, deste modo, e como o marketing de influência é acompanhado em real time – e vivemos num mundo de incertezas em que é preciso dar respostas rápidas – as crises surgem, volta e meia, e há que estar preparado para lhes dar resposta.

Texto de Maria João Lima

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