Da noção
Por Tiago Viegas, Partner da The Hotel
Não sendo propriamente nova, há uma piada óptima que me apetece fazer sempre que ouço alguém a insistir numa idiotice qualquer e que consiste em pegar no telefone, fingir que me ligaram e, pedindo desculpa por estar a interromper a conversa, passar o telefone (ao dito, ou dita, idiota) e dizer: “É para si, é a noção. Diz que precisa de falar consigo.”
Se resolve alguma coisa? As poucas vezes que tentei, nem por isso. Mas foi muito divertido, há que dizê-lo. No fundo, é assim uma espécie de piada de salão, que manda calar sem mandar, e que, com a entoação certa, estou em crer poder ser utilizada em toda a sorte de ocasiões: de conversas com parceiros a briefings com clientes, passando por apresentações a conselhos de administração e terminando em reuniões de status. Entre outras.
Pronto, num conselho de administração ainda nunca tentei, admito; mas já tive muita vontade, para que conste.
Que é como quem diz, hoje queria aproveitar os últimos raios de sol da silly season e, em vez de falar de coisas (mais) sérias, dizer (mais) meia dúzia de disparates e falar desse pequeno-grande problema que é a noção – ou, vá, a falta dela.
Um problema que, não sendo especialmente novo nem especificamente nosso (entenda-se, do marketing), tem vindo, nos tempos mais recentes, a fazer-se acompanhar de um problema complementar, tão ou mais irritante: o da falta de dinheiro.
É claro que não é de hoje que (nos) falta noção – estou em crer que é um problema que anda por aí a fazer anúncios há muito mais tempo do que eu. O que é de hoje, isso sim, é a falta de dinheiro com que nos falta noção. E aí reside a questão.
Porque uma coisa é não ter noção – mas ter dinheiro para isso. Outra coisa é não ter nada – nem noção, nem dinheiro – e achar que se pode ter tudo.
A noção, tecnicamente falando, é assim uma dose de bom senso, misturada com um pouco de consideração e alguns conceitos elementares de física – como a ideia de espaço ou de tempo, por exemplo.
Ora, ter noção é perceber que as ideias demoram tempo a criar, que o dia de trabalho só deve ter 8 horas, que as agências (as produtoras, os freelancers) trabalham para ganhar dinheiro e não porque o trabalho liberta, e que o arte-finalista só tem duas mãos.
Normalmente, pelo menos.
Já ter dinheiro é não andar a discutir orçamentos de dezenas de milhares às unidades, não pedir descontos só porque sim e não fingir que não se percebe que é impossível fazer tanto trabalho por tão pouco (dinheiro), mesmo depois de lhes ter sido explicado o processo, o problema e as condições pela enésima segunda vez.
Ora, vive-se bem com clientes sem noção e com dinheiro, apesar de tudo.
Muitas das vezes não são propriamente adoráveis, mas no fim do dia a coisa faz-se pagar. O que, feitas as contas, não é despiciendo.
Da mesma forma que se vive relativamente bem com clientes com noção, mas sem dinheiro. Que não nos deixam ricos, é certo, mas tendem a deixar-nos cheios de orgulho. O que, feitas as contas, não tem preço – nem precisa, porque entre os outros, que não têm noção mas têm dinheiro, e aqueles casos raros que têm as duas coisas, é costume haver dinheiro que chegue para tudo e todos. É assim uma espécie de equilíbrio do universo, mas para o mundo do marketing.
O problema é quando chegam os outros, sem noção e sem dinheiro, que acham que a pelintrice e a pedinchice corporativas fazem parte do negócio, e que não há problema em pagar quase nada a troco de quase tudo, porque há-de sempre haver quem queira.
Às vezes, pergunto-me se não têm mesmo noção, ou se estarão só a fingir. E depois, por norma, arrependo-me, porque percebo que a estupidez humana não tem limit – …
Desculpem, estão a ligar-me.
É a noção. Diz que leu a Marketeer e quer falar comigo.
Artigo publicado na edição n.º 314 de Setembro de 2022