Iliteracia digital: o analfabetismo dos dias de hoje?
Por Marco Gouveia, consultor e formador de Marketing Digital, head of Digital Marketing no Pestana Hotel Group e Google Regional trainer
Por esta altura, estamos fartos de saber e de falar sobre o impacto que a tecnologia e o digital têm nas nossas vidas. Sabemos que a literacia digital é hoje mais relevante do que nunca e a transformação digital mandatória a que o nosso país, como todos os outros, foi sujeito expôs as lacunas de desenvolvimento e investimento nacionais neste campo.
O principal desafio com que o sector das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) se confronta, tanto em Portugal como globalmente, é a falta de profissionais qualificados. Esta carência afecta igualmente instituições e empresas, impedindo-as de tirarem o máximo partido da transformação digital nos seus negócios.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas de 2020, Portugal ocupa actualmente o 38.º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, num ranking com 128 países, sendo a educação apontada como o principal factor que impede o país de melhorar a sua posição.
Ainda que o esforço crescente que se tem vindo a fazer, ao longo das últimas décadas, para alcançar o mesmo patamar da média europeia ao nível da capacidade de inovação e preparação dos trabalhadores seja notável, existe ainda um longo caminho a percorrer para que o país complete a revolução digital com sucesso.
Existem já várias iniciativas neste sentido, como o Atelier Digital da Google, que já formou 35 mil portugueses com competências digitais em 2020, entre outras. Contudo, é necessário mais do que um ou outro projecto disperso para que o país avance verdadeiramente neste campo.
Prova disso mesmo são as preocupações que aqueles que se inscrevem nos cursos que tenho vindo a leccionar expressam, como “Acabei a licenciatura, mas não me sinto verdadeiramente preparado para começar a trabalhar na área”, “Tirei o curso há mais de 20 anos, sinto-me desactualizado(a), mas não encontro alternativas de ensino práticas e certificadas” ou “Quero lançar um negócio próprio, mas não tenho conhecimento nenhum sobre Digital”.
São testemunhos deste género que cada vez mais me convencem da urgência de uma mudança estrutural tanto ao nível das mentalidades como das organizações, capaz de colocar a literacia digital no lugar de destaque que merece dentro das instituições de ensino.
O combate ao analfabetismo ao longo das últimas décadas reabilitou Portugal da mancha profunda deixada pelo Estado Novo. Hoje, deparamo-nos com uma nova forma de analfabetismo: a iliteracia digital. A luta, ainda que com contornos diferentes, tem de ser a mesma: garantir que as pessoas possuem as ferramentas necessárias para compreenderem e se moverem com confiança no mundo que as rodeia, cada vez mais digital.
A verdade é que se continua a verificar alguma resistência à mudança. E isto é evidente ao nível da educação, muitas vezes ainda assente num saber livresco, supravalorizado, que impede que os currículos se adaptem aos desafios actuais que a sociedade da informação levanta. No mar de informação sempre disponível e em constante actualização que hoje navegamos, mais do que dominar uma lista de conceitos, importa saber aplicá-los.
É crucial apostar na educação digital e na requalificação da força de trabalho. As instituições de ensino devem esforçar-se por actualizar os seus planos curriculares e aproximar-se ao mercado de trabalho, preparando todos os alunos, e não só as gerações mais novas, para um futuro digital, até porque a falta de competências digitais é um factor de desigualdade no acesso ao emprego e a melhores oportunidades, especialmente em faixas etárias mais avançadas. Igualmente, os próprios trabalhadores têm de ser proactivos no investimento na formação ao longo da vida e na requalificação, para que seja possível acompanhar as mudanças aceleradas num mundo cada vez mais competitivo.
Dados do LinkedIn Economic Graph antecipam a criação de 427 mil postos de trabalho em Portugal orientados para a tecnologia até 2025. Posto isto, aumentar a qualificação nas áreas das TIC, inserindo novos profissionais neste sector, significa assegurar-lhes o acesso a um mercado de trabalho com inúmeras oportunidades de carreira e abrir portas para um desenvolvimento contínuo do país.
Garantir que a maioria da população tem competências digitais elementares é essencial não só para garantir uma maior inclusão social, através, por exemplo, do acesso aos serviços públicos digitais, como também por permitir melhores oportunidades de emprego, melhores salários e a realização de sonhos como a criação de negócios próprios.
De acordo com o Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade 2020, só 26% dos trabalhadores tem competências digitais na óptica do utilizador e 12% competências avançadas, dados inferiores à média europeia (28% e 21%, respectivamente).
Dito assim, até parece mentira, porque “toda a gente sabe usar a internet e as redes sociais!”. Mas se é verdade que cada vez mais pessoas sabem usar as ferramentas digitais para aceder à internet, falar com os outros e navegar nas redes sociais, muito poucos sabem como as usar para se diferenciarem no mercado, criarem algo novo e/ou para ganharem dinheiro.
A minha missão tem sido, desde há quase 20 anos, melhorar estes números – aumentar a literacia digital e ajudar as pessoas a alcançarem o sucesso no e através do Digital.
É neste contexto, e tendo bem presente a lacuna que existe entre o ensino e o mercado de trabalho, que avanço, juntamente com a minha equipa, com uma nova iniciativa de formação em Marketing Digital para a colmatar: uma Escola de Marketing Digital que esteja à altura dos desafios actuais e que se preocupe realmente com os objectivos e resultados de cada aluno.