Saúde Digital em Portugal: temos as ferramentas, só precisamos de saber usá-las

Por Filipa Fixe, executive board member da Glintt

É frequente assumir-se que a Inteligência Artificial (IA), machine learning ou advanced analytics são “tecnologias emergentes”. Pois, a verdade é que trazemos estas ferramentas no bolso – e esta é uma realidade há alguns anos. Quando usamos o telemóvel, por exemplo, e consultamos as nossas redes sociais, temos a prova: publicidade personalizada e baseada nas nossas últimas pesquisas. Não é magia, nem coincidência.

Vivemos num mundo cada vez mais digital, mais inteligente e a funcionar em rede. A tecnologia faz parte das nossas vidas e a questão ainda por responder é como podemos transformar todo o poder da tecnologia para melhorar o nosso bem-estar e a nossa saúde, garantindo a sustentabilidade financeira do ecossistema alargado da Saúde.

Um dos eixos para atingir este objectivo são os telecuidados, que englobam a telemedicina e a telemonitorização. Segundo um estudo recente da PwC (Abril de 2021) 91% dos inquiridos que utilizaram cuidados virtuais durante a pandemia pretendem voltar a utilizar como substituição de algumas consultas físicas em gabinete. No momento pós-pandemia, os cuidados virtuais em saúde vão permanecer e com maior utilização do que no momento anterior à crise pandémica. Aliás, esta tem sido uma das bases de trabalho do EIT Health, rede europeia da qual a Glintt é membro, e que trabalha para promover inovação tecnológica com impacto numa vida mais saudável e no envelhecimento activo da população.

Um segundo eixo para atingir maior eficiência e eficácia no sector da Saúde é a utilização de dados através de machine learning e de Inteligência Artificial. O potencial de transformar os dados de saúde em informação e conhecimento é enorme, como, por exemplo, a utilização de algoritmos que permitem avaliar imagens médicas, a capacidade de ter dispositivos em casa que permitam monitorizar os nossos sinais e transmitir análise dos mesmos em tempo real, pré-triagem à distância de um clique, entre muitos outros exemplos…. para que possamos perguntar ao nosso espelho: “como está a minha saúde hoje?”.

A pergunta que devemos colocar é: como pode a tecnologia digital ajudar-nos a ser mais saudáveis? Uma resposta está na teleconsulta. Era uma solução já existente antes da pandemia, mas ganhou uma tracção muito maior neste tempo, em que queremos evitar o contacto físico. A teleconsulta evita deslocações desnecessárias e, mais importante, permite que o cidadão se possa manter no conforto de sua casa e evitar longas esperas por atenção médica. E notem que não estamos a falar de uma conversa telefónica – referimo-nos a soluções que permitem que o médico veja o doente e aceda a dados clínicos e não clínicos em tempo real.

A telemonitorização também merece destaque por um motivo muito simples: devemos garantir que os doentes estão nos hospitais o tempo estritamente necessário. Mas, para isso, precisamos de tecnologia para os monitorizar à distância. Temos projectos que são diferenciadores a este respeito, que permitem, através da IoT (Internet of Things), a biomonitorização dos utentes através de adesivos sem fios e de espessura fina, que recolhem dados fisiológicos.

Contudo, o maior desafio surge com a adopção da Inteligência Artificial ou outros sistemas autónomos que fazem uso dos dados. Os benefícios são inegáveis: o uso de IA na análise de imagens médicas, por exemplo, permite detectar anomalias que o olho humano possa não conseguir ou a introdução de um algoritmo de aprendizagem automática nos dispositivos com dados hospitalares que antecipa necessidades e recursos úteis. Além das poupanças óbvias, de potencialmente milhares a milhões de euros, ganha-se tempo – para o doente e para os profissionais de saúde se dedicarem às tarefas onde podem acrescentar maior valor.

Mas a maturidade das tecnologias digitais e a excelência dos profissionais de saúde em Portugal, por si só, não basta. É preciso uma mudança cultural, em que gestores e profissionais conseguem olhar para os processos internos dos hospitais e perceber como optimizá-los, reconhecendo o papel da tecnologia. E, ainda antes deste conhecimento, é preciso delinear o caminho a seguir para tornar o nosso País mais competitivo neste domínio. Para tal, as bases estratégicas da Comissão Europeia para colocar a Inteligência Artificial, muito particularmente, ao serviço do cidadão, constituem uma boa referência.

Desde logo, será necessária a existência de programas de financiamento, tanto públicos como privados, que permitam testar e pilotar toda a inovação em curso. Por outro lado, não negando que poderá ser assustador ter uma máquina e um algoritmo a tomar decisões, será fundamental criar um quadro ético, jurídico e regulamentar, no sentido de preparar os profissionais, os gestores e os cidadãos para o uso adequado da IA e, ainda, para salvaguardar a protecção dos dados de cada um de nós.

Com a devida preparação dos profissionais e dos gestores de amanhã – os que trabalham com a tecnologia – e com o envolvimento do cidadão, estão lançadas as sementes para Portugal se tornar numa verdadeira referência no campo da Saúde Digital, na Europa e no resto do mundo.

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