«O marketing mover-se-á para o centro e não para a periferia das empresas»
O mercado de trabalho tem vindo a evoluir, em Portugal, na sequência da digitalização dos negócios e a área do marketing não escapa a esta tendência. A pandemia veio tornar esta mudança ainda mais evidente, mas o caminho já começava ser trilhado antes disso: «Grande parte dos profissionais da área em Portugal considera que o marketing mudou mais nos últimos dois anos do que nos cinquenta anos anteriores», afirma Joana Gama, Marketing manager da Kelly Services Portugal & Benelux.
Em entrevista à Marketeer, a responsável conta que, hoje, há mais de cinco mil ferramentas MarTech – ou seja que recorrem à tecnologia para potenciar objectivos de marketing – contra apenas 240 há cinco anos, por exemplo. Mas como é que este peso da tecnologia está a influenciar as necessidades de contratação das empresas? E, do lado dos profissionais, quais são as novas exigências ao futuro empregador?
Segundo Joana Gama, «as novas gerações têm uma mentalidade prática» e «tendem a valorizar benefícios como a formação contínua, oportunidade de experimentarem diferentes funções, progressão na carreira, mobilidade internacional e um salário digno que lhes permita viver fora de casa dos pais».
A Marketing manager da Kelly Services para Portugal e Benelux desvenda ainda aquilo que poderá ser o futuro dos profissionais de marketing. Depois da tendência da especialização (há 10 anos, as funções eram mais gerais do que hoje), chegará a hora de encarar o marketing como «um facilitador de transformação», que cresce em direcção «ao epicentro da mudança estratégica e transformacional».
Acompanhe a entrevista na íntegra:
Como está a mudar o mercado de trabalho na área do Marketing em Portugal?
Não há como negar, o mundo dos negócios está a mudar – e com ele o mundo do marketing. A mutação no marketing tem sido sustentada pelos enormes avanços tecnológicos. Actualmente, existem mais de 5.000 ferramentas MarTech (que através da tecnologia potenciam as metas e objectivos de marketing) contra apenas 240 nos últimos cinco anos. Grande parte dos profissionais da área em Portugal considera que o marketing mudou mais nos últimos dois anos do que nos cinquenta anos anteriores, as adaptações a este ecossistema em constante mutação têm sido feitas em ritmo “fast-forward” e, por esse motivo, ter uma estratégia de marketing robusta e ágil já não é o suficiente para prosperar neste meio altamente competitivo.
É a forma como nos conectamos com os diferentes públicos e os incentivamos na compra dos nossos produtos e serviços que está em maior transformação. Sabemos que 72% dos utilizadores adultos da Internet etáo no Facebook e que a Internet é o principal canal de conexão e vendas, até aqui nada de novo… Mas será que a maior parte dos líderes de marketing sabe qual a chave para o sucesso?
A melhor forma de entendermos e nos envolvermos com este grande público passará pela contratação de Millennials e jovens, que dominam o conhecimento tecnológico, são enérgicos e navegam nas redes sociais como se fosse a sua segunda pele. Este grupo demográfico tem sido altamente requisitado na integração do mercado de trabalho do marketing, como variável chave para uma vantagem competitiva.
O talento chave no marketing tem-se definido como experiente em tecnologia o suficiente para se adaptar e integrar ao máximo com a variedade de canais de marketing que as empresas utilizam actualmente e inovador o suficiente para olhar para o futuro, propondo novas abordagens.
Tendências emergentes como a inteligência artificial (IA), gamificação e realidade aumentada têm ganho força e as equipas de marketing necessitam de ser capazes de abraçar essas tecnologias e entender como aplicá-las aos seus negócios. Qualquer profissional de marketing que consiga entender as mudanças que estão a correr a nível tecnológico e, mais importante ainda, acompanhar o ritmo dessas mudanças será um poderoso activo para qualquer empresa.
Quais são, neste momento, as funções mais procuradas?
A tendência neste último ano e, tendo em conta o contexto em que nos encontramos, tem assentado na procura de perfis direccionados à área do Marketing Digital. Os candidatos que trabalham nesta área têm tido acesso a um conjunto de oportunidades mais alargado, em que competências específicas, nomeadamente em Analytics e Performance, têm sido muito valorizadas.
E há resposta para esta procura?
Dada a procura exaustiva destes perfis no mercado, tendencialmente, hoje é mais desafiante identificar candidatos totalmente disponíveis no mercado. No entanto, a tendência dos jovens na procura de formação nas áreas de marketing, nomeadamente as especializações direccionadas ao Marketing Digital, têm tido um grande crescimento, ajudando a impulsionar a camada mais júnior das empresas e a potencializar estes recursos dentro das empresas.
Tem-se sentido também uma maior procura na especialização de perfis séniores naquilo que são as tendências de mercado.
Em termos de salário, notam-se diferenças? A escassez de alguns perfis tem influência, por exemplo?
Temos vindo a verificar que as funções ligadas às áreas de marketing têm sofrido alterações ao nível salarial nos últimos anos dado o aumento na procura destes perfis e, desta forma, no crescimento da mais-valia destas posições nas empresas. A par disso, naturalmente que a escassez de alguns perfis, quer seja porque o mercado está saturado ou porque são funções novas que necessitam de tempo para formação e desenvolvimento das suas skills, faz com que o sector de marketing tenha obtido uma valorização ao nível salarial.
Além do salário, que outros benefícios são privilegiados pelas gerações actuais face às anteriores?
A pandemia afectou a forma como as gerações mais novas estão a valorizar benefícios que até então eram mais valorizados pelas gerações mais experientes, nomeadamente o seguro de saúde e vida começam a ganhar relevância. Quando se trata de benefícios preferidos, as novas gerações têm uma mentalidade prática, tendem a valorizar benefícios como a formação contínua, oportunidade de experimentarem diferentes funções, de progressão na carreira, mobilidade internacional e um salário digno que lhes permita viver fora de casa dos pais.
As novas gerações procuram trabalhar para empresas onde haja um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal, sendo os benefícios emocionais muito valorizados especialmente os ligados a conceitos como a flexibilidade (políticas de licença flexíveis, flexibilidade de horários, opções de teletrabalho) e o bem-estar (pagamento da mensalidade do ginásio, número de horas de trabalho semanais).
Estes benefícios emocionais promovem o sentimento de que não é necessário escolher entre ter uma vida e um emprego, ambos são compatíveis.
Mas eu diria que o ponto mais vital, comum a qualquer potencial talento, é o de que as novas gerações simplesmente desejam ser reconhecidas como um grupo diversificado com um amplo conjunto de interesses, qualidades, competências e experiências.
Talvez o benefício mais importante que poderemos oferecer a candidatos das gerações Y seja a disposição para conhecê-los como indivíduos, com necessidades e conjuntos de competências únicas. Uma empresa que demonstre que respeita e conhece os seus colaboradores terá uma fila de candidatos a bater à sua porta para serem contratados, independentemente da sua faixa etária.
Como compara a lista de funções mais procuradas hoje com a de há 10 anos?
As funções mais procuradas actualmente são essencialmente de cariz mais técnico e especializado, envolvendo geralmente competências tecnológicas. Há 10 anos, a abordagem nas funções era mais “generalista”.
E daqui a cinco anos? Ou 10? O que deverá mudar?
Grande parte das profissões de futuro ainda será criada, pelo que é difícil prever as funções que existirão dentro de 10 anos, especialmente na área do Marketing. Mas pelos estudos que tenho acompanhado e pela minha própria experiência como marketeer há 17 anos, creio que o marketing irá prosperar como uma carreira valiosa e cheia de propósito, naquela que se antecipa como a 4.ª revolução industrial.
Os profissionais de marketing não são treinados para uma fórmula universal. Vêm de diversas origens e têm competências multidimensionais. Olhando para o futuro, a fluidez e agilidade dos profissionais de marketing, a sua capacidade histórica de se adaptarem às mudanças, de aprenderem e adquirem novas competências e conhecimentos será inestimável e indispensável para as empresas e organizações.
Então, como será o futuro das funções de marketing? As novas ferramentas tecnológicas permitirão a expansão do mindset do marketing e das suas competências, por várias funções/áreas de negócio. O marketing mover-se-á para o centro e não para a periferia das empresas. A famosa citação do “Pai” do Marketing, Peter Druker, de que «o marketing é demasiado importante para ser deixado apenas no departamento de marketing» tornar se-á realidade.
Muitos tornar-se-ão profissionais de marketing, mas com especialidades distintas. Vejo o marketing como um facilitador de transformação, que se está a afastar rapidamente da sua função de suporte de vendas, já desactualizada, e a direccionar-se ao epicentro da mudança estratégica e transformacional – seja como um impulsionador ou um capacitador nas organizações.
No geral, quais são as competências que qualquer profissional de marketing deve ter?
O círculo de especialização exigido pelo marketing expande-se a cada ano, à medida que as empresas e os mercados se tornam mais complexos e a tecnologia permite mais automação do processo de marketing. A adaptabilidade e a capacidade de aprender novas competências são indispensáveis hoje e no futuro. As competências de marketing core e ditas “tradicionais” continuam a ser: criatividade, data intelligence, desenvolvimento e gestão das mensagens, comunicação oportuna e relevante, segmentação de mercado. Continuam a ser mais procuradas do que nunca, embora actualmente estejam a utilizar formatos e ferramentas diferentes.
Texto de Filipa Almeida