Um golden triangle para 2021: criatividade, empatia e tecnologia

Por Marlene Gaspar, directora de Engagement e Digital da LLYC

2020 foi uma escola de vida concentrada não em 365 dias, mas em 295 dias (a partir de 11 de Março 2020, dia em que a OMS declarou a doença como pandemia). O escritor americano Chuck Palahniuk antecipou há uns anos a forma como nos devíamos preparar para o amanhã: “The future you have, tomorrow, won’t be the same future you had, yesterday”. E, de facto, esta pandemia veio corroborar esta visão e mostrar-nos, provavelmente da forma mais difícil, o seu sentido.

Em 10 meses, o Mundo evoluiu muito rápido, as habilidades adquiridas anteriormente mostraram-se insuficientes ou houve uma necessidade de serem readaptadas. Aprendemos uma nova forma de socializar, cumprimentar, “tocar e abraçar”. Adoptámos a etiqueta respiratória, a desinfecção permanente, a máscara e o gel desinfectante sempre à mão – coisa que outrora era um mero acessório, hoje é um bem essencial! Definitivamente este não será um ano para esquecer: é, acima de tudo, um ano de aprendizagem, de valorizar o que é importante e de aceitar a mudança. Mas é de olhos postos no futuro que devemos dar as boas-vindas ao que aí vem!

Como? A Deloitte sugere como mote para o próximo ano: “From survive to thrive” no 2021 Global Human Capital Trends. Se 2020 foi um ano para sobreviver, 2021 será para prosperar. E isso também dependerá da transformação das empresas para um mindset essencialmente humano, o que implica uma maneira diferente de abordar cada questão, desafio e decisão do ponto de vista humano como prioridade. Ser uma empresa verdadeiramente humana é a essência do que significa ser uma empresa social – e a pandemia acentuou ainda mais esta visão. Para combinar o crescimento da receita e a obtenção de lucros com respeito e apoio ao seu meio ambiente e aos seus stakeholders, as empresas têm de se basear num conjunto de princípios humanos: propósito e significado, ética e justiça, crescimento e paixão, colaboração e relacionamentos e transparência e abertura. Para alcançar este caminho de prosperidade destaco a combinação de três ingredientes fundamentais – ou os meus desejos para 2021: a criatividade, a empatia e a tecnologia. Nenhum deles é uma solução nova, mas se continuarem a ser meras intenções e não um foco, não há o #turningpoint de que as empresas precisam hoje.

Criatividade

Se trabalhar com a mudança é o que define a criatividade, estamos no ambiente perfeito para dar asas à imaginação. A criatividade é uma aptidão que todos podemos desenvolver e temos de estar preparados para trabalhar à sombra da incerteza, não podemos ter medo dela. Devemos aceitá-la e encará-la, e essa é a parte divertida.

Parece um contrassenso, porque evoluímos para estar preparados e para planear o máximo possível, e isso tem de se manter e aprimorar, mas libertar a criatividade implica aceitar o risco, confiar em nós e nos outros, trabalhar para preparar o que aí vem, mantendo o radar ligado (fazer escuta ativa), para que as ideias consigam dar resposta a esses desafios.

Empatia

Melinda Gates no seu livro “Ganhar asas e voar” defendeu que o ponto de partida para a evolução humana é a empatia: “Tudo flui daí. A empatia permite ouvir e ouvir leva à compreensão. É assim que obtemos uma base comum de conhecimento. Quando as pessoas não concordam, geralmente é porque não há empatia, nenhuma noção de experiência partilhada. Quando sentimos o que os outros sentem, é mais provável que vejamos o que eles veem. Nesta altura podemos entender-nos. Podemos passar para a troca honesta e respeitosa de ideias, que é a marca de uma parceria bem-sucedida. Essa é a fonte do progresso.”

Se as empresas derem prioridade às características mais humanas, mais autênticas – onde se ganha com a diversidade e onde se sabe gerir as forças fragilidades de todos, conseguimos elevar as pessoas e a respectiva cultura empresarial. Porque o foco não está no “ser-se perfeito”, mas sim ser-se criativo. É um desafio para as nossas organizações, pois segundo o já referido estudo da Deloitte, 65% dos colaboradores considera que as empresas não fazem um equilíbrio eficaz entre as decisões económicas e empáticas.

As empresas precisam fazer escuta empática, isto é, procurar primeiro compreender, realmente compreender. Trata-se de um paradigma completamente diferente. A escuta empática exige entrar no quadro de referências da outra pessoa.

Ver o mundo como ela o vê, compreender o paradigma dela, compreender o que ela sente. Mas há que ter em conta que empatia não é compaixão, é compreensão. Na escuta empática ouve-se com os ouvidos, mas também com os olhos e com o coração.

Ouve-se para descobrir o comportamento. Usa-se o lado direito do cérebro, assim como o esquerdo. Sente-se, intui-se, percebe-se. A escuta empática também pode ser perigosa. Ouvir em profundidade exige alguma segurança porque nos abrimos a influências. Tornamo-nos vulneráveis. É um paradoxo de certo modo, porque precisamos de nos dispor a ser influenciados. Isso significa que temos realmente de entender. A chave para o julgamento correcto é a compreensão. Se julgarmos primeiro, nunca compreendemos completamente. Ainda citando Melinda Gates: a empatia não é a única força necessária para aliviar o sofrimento; também necessitamos da ciência. Mas a empatia ajuda a acabar com o preconceito sobre quem merece os benefícios da ciência.

Ciência/Tecnologia

E é essa combinação da ciência com a empatia que acabamos de assistir no início do plano de vacinação em Portugal. A ciência e a tecnologia permitiram um feito absolutamente histórico ao conseguirem em menos de um ano criar, testar e pôr no mercado uma vacina. A combinação dos avanços da ciência com a escolha empática permitiram definir a priorização ao acesso às vacinas de uma forma em que os “últimos da fila” para a sua toma concordam e aplaudem. A criatividade permitirá que todos consigamos continuar a estar próximos, mantendo a distância, a surpreender e “tocar” nos outros sem o toque físico, para o dia em que o voltaremos a ter. Até lá não podemos descuidar.

De 2019 para 2020 aumentou de 16% para 40% o uso de análise preditiva, mas só 17% das empresas usa métricas para tomar decisões de compra, construção ou empréstimo, segundo a Global Talent Trends 2020 da Mercer! A análise dos dados não é só uma questão de tecnologia. Sem os dados necessários e sem a interpretação humana, os algoritmos não servem de nada. Aliar a escuta analítica à escuta empática dá-nos informações poderosíssimas para se trabalhar e tomar decisões estratégicas.

A tecnologia tem sido idolatrada por muitos e temida por outros. O que se tornou inegável é que ela é um grande aliado e encurtou distâncias que o ano separou. Transformou infoexcluídos em tecno-dependentes e mostrou-nos o que o escritor Joseph Krutch antecipou: “A tecnologia tornou possível a existência de grandes populações. Grandes populações agora tornam a tecnologia indispensável.” Sabendo tirar partido da tecnologia e mantendo o controlo sobre ela pelo lado humano, podemos juntar o melhor de dois mundos. Conseguindo aliar a criatividade, a empatia e a tecnologia temos a fórmula para a busca da retoma, da aguardada bonança.

A criatividade nem sempre é fácil de medir, mas tem reflexos no well being, na felicidade no bem-comum, na mudança de hábitos e inclusive na tecnologia. Ao usarmos e confiarmos nas ferramentas tecnológicas (ferramentas de escuta, inteligência artificial ou robótica, por exemplo) conseguimos desinvestir em tarefas mais automáticas investindo tempo em ideias mais lucrativas. A evolução tecnológica dá espaço à evolução humana, numa relação win-win, gerindo ambas de forma empática o que trará felicidade.

Eu sou da equipa que acha que 2020 não é para esquecer, preferindo olhar para o copo meio cheio. Como disse o professor Henrique Veiga-Fernandes, imunologista, no dia que arrancou a vacinação em Portugal: “Este é o ano da pandemia, mas também é o ano de celebração da ciência.” Muito se perdeu e muito se conquistou também.

No meio de tanta incerteza, uma coisa é certa: estaremos melhor preparados para 2021 do que estávamos para 2020 porque estamos mais abertos e disponíveis para aprender. Aprender exige explorar constantemente novas ideias e novos métodos. Requer sensibilidade, empatia e atenção ao que nos rodeia.

Como disse Abraham Lincoln: “Não tenho grande opinião de um homem que não é mais sábio hoje do que era ontem.” E hoje estamos mais sábios que a 1 de Janeiro de 2020. I’m ready 2021! Vocês também?

Artigos relacionados