Como vai a propriedade industrial em Portugal? Da segurança às marcas Covid
O número de pedidos de patentes, marcas e designs industriais está a aumentar em Portugal, mas será que as empresas e os empreendedores estão cientes da importância deste passo no crescimento e protecção do respectivo negócio? «Os direitos de propriedade industrial conferem ‘monopólios’ que permitem criar uma fronteira de segurança com os concorrentes», explica João Francisco Sá, agente oficial de Propriedade Industrial e coordenador jurídico na Inventa International.
Em entrevista à Marketeer, o especialista sublinha que só assim é possível impedir empresas rivais de fabricar ou comercializar produtos protegidos, sendo que «todos os sectores económicos podem aproveitar as diferentes potencialidades» deste mecanismo.
João Francisco Sá conta ainda como Portugal está a evoluir em relação ao resto do Mundo, adianta que foram pedidas 12 marcas nacionais com os termos “coronavírus” ou “covid-19” e oferece algumas luzes sobre qual o caminho a seguir sempre que se cria um novo produto. Trabalho, aliás, que a consultora Inventa International tem vindo a desenvolver ao longo dos anos, resultando recentemente numa nova parceria com a Altice Labs – a ideia é apoiar os empreendedores e as startups ao abrigo do programa ENTER.
Quais são os passos que as empresas devem dar quando criam um novo produto para garantir a sua protecção?
A propriedade industrial (PI) atribui direitos exclusivos aos utilizadores do sistema e permite criar uma distância de segurança com os concorrentes, o que valoriza os produtos e a empresa.
Se o produto apresentar novas soluções do ponto de vista funcional, deverá ser ponderada a protecção por patente, que se assume como o direito de PI por excelência, permitindo impedir concorrentes de fabricar, vender ou utilizar a invenção durante 20 anos.
Caso o produto apresente uma nova aparência, deverá ser feito o registo de desenho ou modelo, vulgarmente conhecido como design industrial, impedindo terceiros de fabricarem produtos visualmente similares por um período de 25 anos.
A marca não protege a funcionalidade do produto, mas assegura uma ligação entre o produto e o consumidor e que pode vigorar sem limite temporal. As empresas devem assegurar-se de que não violam marcas anteriores antes do lançamento do novo produto e devem sempre registar a marca.
Como tem evoluído o registo de patentes e de propriedade intelectual Portugal?
A larga maioria dos indicadores aponta para uma evolução positiva e constante do número de pedidos de patentes, marcas e designs industriais, incluindo submissões em Portugal ou de empresas portuguesas no estrangeiro.
A Inventa publicou recentemente o Barómetro Patentes Made In Portugal, que destacou que o número de patentes válidas a nível internacional com origem em Portugal quadruplicou entre 2004 e 2018, o que demonstra a maior qualidade técnica da I&D (Investigação & Desenvolvimento).
E especificamente no contexto de pandemia?
O primeiro relatório semestral 2020 do Instituto Nacional de Propriedade Industrial indica uma quebra de 11% nos pedidos de marcas, mas revela um aumento de 23% no pedido das patentes. Uma patente é resultado de um processo de I&D que poderá demorar vários meses ou anos a ter frutos, pelo que o impacto da pandemia não se irá sentir no imediato.
Em termos de registo de marca, que sectores fizeram mais pedidos relacionados com a COVID-19?
Os eventos globais têm tendência para resultar numa corrida ao registo de marcas. Foram pedidas 12 marcas nacionais com os termos “coronavírus” ou “covid-19”, estando a maioria ainda pendente de análise. O número cresce para 62 quando se incluem marcas da União Europeia e Internacionais válidas em Portugal.
A classificação das marcas sugere que os sectores que mais fizeram pedidos se encontram relacionados com software, fármacos, gestão de negócios e publicidade, equipamentos de protecção (máscaras e luvas) e aparelhos médicos.
Várias destas marcas serão provavelmente recusadas uma vez que os termos “coronavírus” ou “covid-19” são genéricos e não passíveis de apropriação, excepto quando acompanhados de outras palavras ou elementos visuais que confiram distintividade à marca.
No geral, que sectores se destacam mais no número de patentes pedidas e nos registos?
Segundo o Barómetro Inventa Patentes Made in Portugal, o número acumulado de patentes entre 2008-2018 demonstra que os sectores predominantes são o farmacêutico (1039 publicações), a engenharia civil (704), a química fina orgânica (591) e as tecnologias médicas (565).
Quanto às marcas, entre 2015-2019, destacam-se os sectores do entretenimento e educação (20 mil marcas), serviços empresariais e publicidade (19 mil), hotelaria e restauração (14 mil) e bebidas alcoólicas (14 mil).
E há sectores que se devem preocupar mais com este assunto do que outros?
Há sectores, como o farmacêutico ou químico, que historicamente privilegiam o sistema de patentes para obter vantagens concorrenciais. Os sectores do turismo ou de produtos de consumo com ciclos de rotação mais curtos usualmente privilegiam a protecção da imagem (marcas, direito de autor). Todos os sectores económicos podem aproveitar as diferentes potencialidades da PI.
A chave para as empresas que almejam ser inovadoras passa por criar um círculo virtuoso de PI que passe por: i) investimento em I&D, ii) protecção das invenções, iii) promoção dos produtos inovadores (marca, direito de autor) e iv) tirar mais proveitos que possam ser reinvestidos em mais I&D.
Que importância tem este tipo de protecções? Que consequências podem enfrentar as empresas que ignorarem ou recusarem estes processos?
Os direitos de PI conferem “monopólios” que permitem criar uma fronteira de segurança com os concorrentes, sendo possível impedi-los de fabricar ou comercializar produtos protegidos, funcionando tanto como galardão como recompensa para as empresas inovadoras.
Roberto Goizueta, ex-CEO of Coca-Cola, referia que «to create success, one must challenge the present». Se a inovação não é acompanhada de uma estratégia de protecção de PI, os proveitos serão divididos com os concorrentes, o que reduz as capacidades de aumentar o valor acrescentado do produto e a possibilidade de reinvestir em I&D. Se tal não acontecer, a empresa ficará no passado.
Em comparação com o resto da Europa, ou mesmo do Mundo, em que nível está Portugal?
Em termos de pedidos de direitos de PI, segundo dados de 2018 da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), as entidades portuguesas classificam-se a nível mundial em 39.º (patentes), 31.º (marcas) e 28.º (designs). O Índice de Inovação Global ’19 (WIPO, Insead, Cornel) coloca Portugal em 32.º lugar.
Pese embora o progresso feito nos últimos anos, os números das patentes ainda são desapontantes, colocando-nos a par de países como a Malásia, África do Sul, Cazaquistão ou Roménia.
O número de pedidos de marcas por entidades portuguesas quando relacionado com o PIB demonstra resultados bem diferentes, colocando-nos num impressionante 12.º lugar a nível mundial.
Conclui-se que, para que Portugal se possa afirmar como uma força inovadora, deverá complementar os excelentes resultados das indústrias criativas (marcas, designs) com veículos que promovam o financiamento de projectos de I&D que caminhem além da produção de artigos científicos e se foquem na protecção de patentes com maior valor acrescentado para a economia.
Texto de Filipa Almeida