Da notoriedade ao público: o impacto nas marcas de um Verão sem festivais

Os festivais de música são o «palco principal das estratégias de marketing das principais marcas nacionais». Quem o diz é a professora Ana Pinto Borges, que coordena o Núcleo de Investigação do ISAG (NIDISAG) e que vê o cancelamento ou adiamento destes eventos como um obstáculo no caminho das insígnias. Segundo a docente no ISAG – European Business School (Porto), «grande parte do retorno alcançado está dependente da ligação emocional» e não é possível, para já, quantificar o impacto da pandemia de COVID-19.

Em entrevista à Marketeer, Ana Pinto Borges explica ainda que há marcas mais afectadas do que outras e que há alternativas a considerar no que a publicidade e comunicação diz respeito. Além disso, a professora explora de que forma esta situação poderá afectar os festivais no futuro, nomeadamente ao nível do comportamento do próprio público: «As consequências serão sobretudo psicológicas e emocionais, já que a música e o convívio são comprovadamente fundamentais para o bem-estar da sociedade.»

Qual será o impacto do cancelamento ou adiamento dos festivais e festas de Verão para as marcas em Portugal?

Portugal recebeu, em 2018, 311 festivais de música que mobilizaram cerca de 2,7 milhões de espectadores, segundo os dados mais recentes da Associação Portuguesa de Festivais de Música (Aporfest). A anulação dos festivais de música tem tido consequências nocivas nas economias locais, na medida em que são impulsionadores do turismo e contribuem para o dinamismo do negócio integrado no canal Horeca (Hotelaria, Restauração e Catering).

Dada a dimensão deste sector, estes eventos são o palco principal das estratégias de marketing das principais marcas nacionais, devido ao elevado retorno que conseguem atingir em apenas alguns dias. Por norma, o investimento que uma marca faz para estar presente num festival de Verão é amplamente superado pelos resultados conquistados – nomeadamente em termos de notoriedade e reputação.

Com a ausência destes eventos, as marcas sofreram também elevadas repercussões, sobretudo quando ligadas a festivais mediáticos e de grande afluência. Medi-lo de imediato pode não reflectir o verdadeiro impacto, pois grande parte do retorno alcançado está dependente da ligação emocional criada entre a marca e a experiência com o festival. Adicionalmente, o impacto irá variar de acordo com o produto ou serviço em causa.

Num recente estudo realizado pelo NIDISAG, concluiu-se que o comportamento do consumidor se alterou devido à pandemia e, nesse sentido, o resultado para as marcas necessita de uma avaliação multidimensional e rigorosa para se perceber o efeito das que patrocinam os festivais e as festas de Verão.

Haverá marcas mais afectadas do que outras?

Incontestavelmente que os impactos são distintos, dependendo do tipo de produto da marca em causa. Adicionalmente, nem todas as marcas terão a mesma capacidade de resposta para o actual contexto. Por exemplo, marcas ligadas ao sector das bebidas ou da restauração sairão mais afectadas pelo adiamento e cancelamentos dos festivais e festas de Verão, pois o seu contacto com o público é feito, essencialmente, através da experimentação ou degustação de produto. Também o sector das telecomunicações, cujos principais players representam os maiores patrocínios a eventos desta natureza, poderá sentir quebras ao nível da sua notoriedade e de captação de novos clientes.

Estas marcas são as que mais investem em festivais de Verão, quase sempre na qualidade de naming sponsor, fruto do elevado retorno mediático e de reputação que conseguem atingir em apenas alguns dias. São empresas cujo produto é pouco tangível pelo que utilizam os festivais de Verão para promover a sua cultura organizacional, os seus valores, posicionamento e criatividade com o objevtivo final de criar laços emocionais com os clientes e potenciais clientes. Sem estes contactos, a angariação de novos clientes ou a sua fidelização pode tornar-se mais difícil.

E para o público? Que consequências pode ter um período prolongado sem este tipo de eventos?

No estudo referido anteriormente, realizado pelo NIDISAG, constatou-se que os níveis mais elevados de importância atribuídos pelos respondentes, em relação às prioridades no regresso à rotina após o confinamento, foram visitar a família e encontrar os amigos. Este resultado reflecte a importância da socialização. No caso particular dos festivais e festas de Verão, as consequências serão sobretudo psicológicas e emocionais, já que a música e o convívio são comprovadamente fundamentais para o bem-estar da sociedade. Por outro lado, este tipo de eventos é também sinónimo, em muitos casos, de férias e relaxamento, pelo que a sua ausência poderá provocar mais stress, ansiedade e confusão num cenário que já é desafiante para todos.

Há ainda que considerar impactos locais. De que forma deverão as localidades sentir a inexistência de festivais e festas?

O impacto positivo de uma festa ou festival de Verão vai muito além das vendas de bilheteira. Estes eventos atraem milhares de visitantes, nacionais e internacionais, que vão dinamizar e acelerar os negócios locais. Por exemplo, a edição do NOS Primavera Sound 2019, de acordo com um estudo do Núcleo de Investigação do ISAG, gerou cerca de 18,5 milhões de euros para a cidade do Porto, valores provenientes sobretudo de alojamento, alimentação, atividades paralelas, como visitas às caves de vinho do Porto, museus, espcetáculos e outros eventos culturais, animação nocturna ou compras em comércio local.

Por outro lado, estes eventos são também um importante contributo na promoção internacional das cidades, como destinos turísticos, que de outra forma não conseguiriam tanta efectividade na comunicação e no marketing da região. A participação dos visitantes estrangeiros e nacionais no festival pode traduzir-se num futuro regresso para férias ou num passa-palavra nas suas redes de contactos.

Que alternativas existem? Especialmente para as marcas.

Enquanto a activação das marcas em festas e festivais de Verão estava vocacionada para grandes audiências e grandes aglomerados de pessoas, no actual contexto a marca tem a desafiante missão de chegar aos consumidores de forma mais individualizada, quase one-to-one. Isto requer um enorme esforço criativo, mas pode gerar excelentes oportunidades de captação de novos clientes. Uma boa solução será implementar uma estratégia omnichannel, através da criação de experiências transversais aos canais digitais, mas também aos pontos de venda físicos.

Por outro lado, a responsabilidade social ganhou um enorme destaque nos últimos meses e não deverá ser descurada nas estratégias de marketings das empresas. Os consumidores estão sensíveis a causas sociais, expectantes para perceber como vão actuar as marcas, que contributo vão dar neste contexto socioeconómico. Uma sólida e responsável política social pode ser benéfica para a reputação da marca, mas também para chegar a novos públicos.

Que papel tem o digital nesta equação?

O digital desempenha um papel muito importante neste contexto – como, aliás, tem sido comprovado nos últimos meses. Apesar de ser pouco provável que se torne num total substituto dos eventos presenciais, em boa parte porque não tem a capacidade de oferecer a mesma experiência social, deve ser encarado como um excelente complemento para o futuro dos eventos de entretenimento. Basta recuperar alguns exemplos que foram dados durante o período de confinamento, com marcas e artistas a estabelecerem parcerias para criarem eventos exclusivamente online, concertos em streaming, sessões de perguntas com os fãs, maior interacção em tempo real com as comunidades, audiências sem limites. Esta solução não deve ser apenas fruto da circunstância e do momento, mas antes uma estratégia para continuar para os próximos tempos, com conteúdos de excelente qualidade e com bilheteira própria.

No próximo ano, é expectável que a presença das marcas nestes eventos tenha de mudar em virtude de novos hábitos adquiridos com a pandemia?

Haverá uma necessária adaptação das marcas aos festivais de acordo com as tendências do consumidor. Activações que impliquem contacto físico, experimentação ou degustação de produtos ou toque em múltiplas superfícies serão certamente ajustadas à nova realidade. Será um novo teste à criatividade dos departamentos de marketing e certamente uma excelente oportunidade para se posicionarem junto do público. O ano de 2021 será garantidamente muito interessante nesta matéria e os visitantes terão expectativas bastante elevadas.

E haverá público quando tudo regressar ao “normal”?

Em primeiro lugar é importante perceber qual será o “normal”, pois há ainda muitas dúvidas e questões sobre o lugar que vamos ocupar quando a pandemia for ultrapassada. Certo é que haverá mudanças nos eventos. As novas regras de higiene e segurança vão ser mantidas e a própria experiência que o consumidor procura será diferente. A tecnologia vai continuar a poder desempenhar um papel relevante no futuro, prevendo-se que alguns serviços sejam mais automatizados (bilheteiras, balcões de check-in, controlos de acesso aos recintos, pagamentos contactless, entre outros). Todos estes serviços já existiam, de agora em diante terão de ser mais generalizados.

O que vai prevalecer é o convívio, a cultura, a experimentação, a vivência de novas memórias. E, por isso, o público terá sempre o foco na qualidade do cartaz em qualquer festival.

Texto de Filipa Almeida

Artigos relacionados