As novas ondas criadas pela pandemia
Por Mónica Pimentel, CEO da Deeply
A crise provocada pela pandemia do COVID-19 apanhou-nos a todos de surpresa. As nossas vidas e os nossos trabalhos tiveram de ser postos em perspectiva; os impactos medidos. Praticamente todos os sectores sentiram um forte “abanão”, tendo de reavaliar rapidamente estratégias e adaptar-se ao contexto.
Mas os momentos menos bons também se constituem como oportunidades. Como CEO de uma empresa e gestora de pessoas, a um nível mais global, acredito até que este é um momento privilegiado para repensar os nossos modelos de negócio e a forma como trabalhamos, criando processos mais ágeis e resilientes e actuando de forma mais colaborativa.
Antecipo uma série de alterações nas formas de trabalho como resultado deste momento que atravessamos, sendo que a primeira delas tem a ver com o teletrabalho, que veio para ficar. Ficou seguramente demonstrado que muito do que fazemos presencialmente pode igualmente ser feito, e até com maior eficiência, de forma remota. Não será prática generalizada, mas teremos com certeza mais pessoas a trabalhar mais tempo a partir de casa.
Um segundo ponto passa pela cooperação e pelo trabalho em equipa. Desenvolveu-se uma nova solidariedade, que foi notória neste processo, e que penso que ficará, de alguma forma, mais enraizada nas equipas e nos negócios. Assistimos ainda a uma reinvenção face às novas circunstâncias. Muitas empresas alteraram a sua actividade, por exemplo, passando a aproveitar as suas capacidades produtivas para fazer máscaras, gel desinfectante, entre outros. Esta adaptação foi quase imediata, o que prova que, face a essa necessidade, temos a capacidade de agir rapidamente e ser flexíveis. Este é um ensinamento que será benéfico para o futuro.
Face às circunstâncias, o digital passou a assumir um papel central na relação com os clientes, com uma forma de comunicação mais clara, autêntica e atractiva. As marcas que ainda não o faziam têm de pensar numa estratégia que inclua claramente conteúdos para os canais digitais e, mesmo as que já o faziam, terão de lhe dar ainda mais atenção. De facto, a socialização e até o consumo passou para estes canais e a tendência não se irá reverter. Entendo também que, com esta aceleração do digital, vem uma responsabilidade e, simultaneamente, um desafio para as marcas. No meu ponto de vista, estas devem continuar, depois da crise, a mostrar aos seus clientes a mesma empatia e proximidade que demonstraram durante todo este processo. Caso contrário, o seu esforço terá sido em vão.
Aliado a tudo o que acabei de referir, há outra constatação mais ou menos óbvia: os clientes já não são os mesmos. Acredito que teremos consumidores mais conscientes e responsáveis, que vão valorizar produtos mais sustentáveis – seja do ponto de vista da matéria-prima ou da cadeia de abastecimento. Creio também que a qualidade irá ser valorizada (em contraste com a quantidade), sendo que as pessoas já se aperceberam que podem viver com menos e que o consumo sem critério e sem limites não faz sentido. Especificamente no que diz respeito à Deeply, esta é uma visão que tem pautado a nossa actuação na indústria e perspectivo que as marcas, nomeadamente de roupa, se vão preocupar cada vez mais com a utilização de matérias-primas recicladas, aproveitamento de desperdício e, quem sabe, produções em menor quantidade, tendo a sustentabilidade e a responsabilidade social como pilares da sua estratégia. Será talvez o começo da reinvenção da chamada fast fashion?
E o surf?
Voltando-me agora para a indústria do surf, é de notar que o desconfinamento começou agora a ser realizado, em Portugal, onde já são possíveis alguns acessos às praias para a prática de actividades desportivas náuticas. Este regresso é excelente para todos – comunidade surfista, retalhistas, atletas – desde que garantidas as condições de segurança (penso que, tratando-se de um desporto ao ar livre com distâncias de segurança por definição, esta não será uma questão muito crítica, desde que mantido o cuidado com as deslocações e as entradas e saídas da praia). Posso dizer que o entusiasmo geral é grande e que já começamos a sentir os primeiros sinais desse entusiasmo nas vendas.
Os próximos tempos não irão, de forma alguma, assemelhar-se ao mundo pré-pandemia. Especificamente em relação à indústria do surf, presumo que os impactos negativos resultantes do fecho de lojas, de escolas, do impedimento da prática desportiva, do cancelamento de eventos e provas ainda se vão sentir durante algum tempo.
Mas também – e se o surf e outros negócios ligados à saúde e bem-estar a souberem aproveitar -, há aqui uma possibilidade de crescimento. Acho que ficou clara esta noção de que deveremos trabalhar para ter um sistema imunitário forte e uma vida saudável para lidar com estas ameaças inesperadas à nossa saúde colectiva. Passou a existir uma ideia geral de vulnerabilidade humana, com um vírus que não olha a cores, a géneros ou a idades.
Acredito mesmo que o surf é terapêutico e que, através do mundo do surf, conseguimos promover uma atitude mais consciente, equilibrada e inclusiva. Considero que isto é mais relevante do que nunca e que nós podemos, enquanto indústria, trabalhar ainda mais juntos daqui para a frente para promover a modalidade, atraindo mais pessoas.
O mundo do surf vai começar a recuperar progressivamente algumas rotinas do passado, que se vão misturar com novas rotinas, entretanto criadas no contexto desta crise e como fruto da transformação dos consumidores. Como resultado de tudo isto, julgo que o surf poderá chegar a novos públicos e que os players no mercado poderão ganhar novos papéis em função da sua actuação. Para que conceitos como resiliência, equilíbrio, ligação à natureza e respeito pelo outro possam pautar o nosso futuro.