Em tempo de paz, prepara-se a guerra
Por Duarte Zoio, responsável do Gabinete de Comunicação da Ordem dos Psicólogos Portugueses
Um amigo meu disse-me há uns meses algo como: «Só quando me despedi da minha anterior empresa e comecei à procura de um novo emprego, percebi que teria de trabalhar o meu marketing profissional enquanto estava a trabalhar e não quando estava desempregado…». Parece elementar, certo?
Ora, o mesmo se aplica na Comunicação. Se eu lhe disser que a Comunicação de crise começa muito antes da crise, poderá inicialmente desconfiar, mas, creio, irá compreender e possivelmente concordar. Mas, se também este raciocínio parece correcto, por que razão não é aplicado por diversas organizações que nunca deram a devida importância à Comunicação e que agora estão desesperadas a criar e implementar estratégias de crise, enquanto, em determinados casos ainda exigem “impossíveis” aos departamentos de Comunicação e/ou às agências com quem trabalham?
Assumindo desde já sem o mínimo pudor que possa estar redondamente enganado, não creio que muitos dos planos criados agora e totalmente desgarrados de uma estratégia global e holística de Comunicação venham a ter o impacto desejado. Primeiro, porque não há volta a dar, ou seja, esta é uma crise global e que irá afectar negativa e inevitavelmente as pessoas e consequentemente as empresas; segundo, e igualmente relevante, porque uma organização que esteve “calada” ou sem grandes preocupações em comunicar com os seus stakeholders (e isso não passa somente por “colocar” notícias ou artigos de opinião nos órgãos de comunicação social) e a trabalhar, por exemplo, a sua reputação e relações públicas, terá maiores dificuldades em conseguir fazê-lo agora e atingir determinados objectivos. No limite, actuar apenas agora até poderá suscitar algum tipo de desconfiança…
Resumidamente, sem comunicação não há relação, sem relação não há confiança e sem confiança não há razão para continuar.
Mas, calma, não quero ser determinista ou mesmo fatalista na avaliação deste problema. É evidente que, independentemente das decisões adoptadas até ao início do actual estado de pandemia, as organizações deverão accionar estratégias de Comunicação de crise (e não só, naturalmente, já que há muitas decisões a serem tomadas). E casos de sucesso de empresas que se adaptaram rapidamente não faltam, embora não conheça nenhum que passasse por fazer vídeos ou anúncios “inspiracionais” (?) e a promover a responsabilidade social, mas que terminassem invariavelmente a tentar vender directa e quase desesperadamente os seus produtos.
Sobre este tema em particular, e como diria Jean-Louis Gassée, «a Publicidade passa por dizer que somos bons, já as Relações Públicas passam por ‘fazer’ com que sejam as pessoas a dizer isso». Actualmente, a reputação das organizações, ou seja, de forma simplista o que as pessoas dizem e sentem relativamente à nossa empresa ou marca, irá passar por uma verdadeira prova de fogo e poderá, efectivamente, ser (mais) uma peça determinante para fazer frente à actual crise. De facto, numa altura como esta, as pessoas, a título pessoal ou profissional, irão recorrer inevitavelmente a quem lhes dá mais segurança e em quem acreditam; no fundo, com quem têm uma relação de partilha de valores e de confiança previamente estabelecida.
Voltando à questão central, é certo que existem inúmeros artigos e textos a circularem nos “media” e LinkedIn sobre os passos que têm de ser dados na Comunicação de crise, enquanto diversas agências de Comunicação se têm apresentado enquanto especialistas nesta área. Não coloco minimamente em causa o interesse e relevância do conteúdo que tem sido partilhado, assim como do profissionalismo e qualidade de muitas dessas agências com quem, inclusivamente, já trabalhei e poderei testemunhar sobre as suas capacidades para lidar com enormes desafios, embora tenha sempre alguma dificuldade em acreditar em “fórmulas mágicas”. O que me faz reflectir é a forma como por vezes a Comunicação foi colocada em segundo plano e agora é vista como uma tábua de salvação. É verdade que poderá ser, pese embora as probabilidades sejam, tal como referi anteriormente, mais favoráveis para as empresas que já trabalhavam eficazmente esta área antes desta crise – e, felizmente, há inúmeras.
Em jeito de conclusão, quem me conhece sabe que dificilmente falo de Comunicação sem destacar o papel de Edward Bernays, “pai das Relações Públicas”, que percebeu a importância da Psicologia enquanto ciência comportamental na sua área de actividade. O curioso é que até nesta crise a Psicologia e a Comunicação continuam de mãos dadas, já que, além de acreditar que ambas são áreas para as quais mais pessoas agora olham, têm um ponto em comum: sempre alertaram para a sua importância, capacidades adaptativas para ultrapassarem os acontecimentos e dificuldades… e actuação preventiva. Em tempo de paz, prepara-se a guerra.