Gestão da reputação em tempo de pandemia
Por Mariana Victorino, coordenadora da Formação Avançada em Gestão de Reputação e Comunicação de Crise da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, directora-geral do Omnicom PR Group Portugal
A pandemia da Covid-19 entrou pelas nossas fronteiras, pelas nossas empresas, pelas nossas escolas, pelas nossas casas, pelas nossas vidas de forma totalmente inesperada e avassaladora.
A nível pessoal fomos invadidos por inúmeras dúvidas e angústias que nos obrigaram a tomar decisões e fazer escolhas com base na informação – muitas vezes contraditória, ou mesmo errada – que íamos recebendo e na nossa própria intuição. Perante o agravar da situação e das medidas tomadas pelo Governo, as nossas dúvidas e receios foram crescendo e as decisões a tomar foram sendo mais importantes e radicais.
Dúvidas semelhantes também nos assaltaram no plano empresarial. De um dia para o outro foi necessário tomar decisões com base em muito pouca informação, uma grande incerteza sobre o futuro, uma total inexperiência em lidar com uma situação semelhante, mas uma clara noção de que o que se avizinhava iria ter um impacto determinante na nossa organização, na economia e na sociedade em geral.
Aprender e aplicar – imediatamente
Por coincidência (ou não), uns dias antes de tudo começar, tinha estado numa formação avançada em Gestão da Reputação e Comunicação de Crise*, precisamente a rever com os alunos os conceitos de crise: um evento imprevisível que tem potenciais resultados negativos; um factor de viragem importante e distintivo; uma situação caracterizada pela ambiguidade e pela necessidade de tomar decisões rapidamente.
Outras definições existem, mas destas podemos extrair algumas palavras que, nos dias de hoje, e perante o cenário que vivemos, fazem todo o sentido – “imprevisibilidade”, “viragem”, “ambiguidade”, “rapidez”. São palavras que desde logo nos sugerem algumas pistas sobre como podemos gerir a reputação da nossa organização junto dos seus vários stakeholders estratégicos, num cenário de crise de enorme gravidade como o que vivemos. Quando se inscreveram, estes alunos mal sabiam a rapidez com que iriam pôr em prática os conhecimentos adquiridos.
Ninguém fica para trás
Num primeiro momento, a preocupação de quem lidera a organização deve centrar-se nos seus colaboradores: mesmo que os próprios líderes ainda não tenham resposta para todas as perguntas e que ainda estejam a procurar compreender o problema e os seus impactos e potenciais consequências, é importante comunicar o mais cedo possível e com regularidade com os colaboradores, pondo-se no lugar deles para compreender as suas preocupações e dando-lhes resposta de forma honesta e transparente.
Em relação aos clientes, a organização deverá focar-se nas suas preocupações e necessidades perante o momento actual. Tal pode envolver uma comunicação do CEO a assegurar que estão a ser seguidas todas as recomendações de higiene e segurança aplicadas ao contexto da pandemia; que os serviços vão sofrer alterações, mas que continuarão a procurar responder e adaptar-se às novas necessidades do contexto; que a empresa vai ser flexível no adiamento ou cancelamento de serviços contratados; ou simplesmente que a empresa não vai poder operar. A ideia é que o foco esteja na empatia e não na tentativa oportunista de vender ou promover serviços de forma agressiva.
Outro aspecto fundamental a ter em conta para proteger a reputação da organização neste contexto de crise é a proactividade com que a organização apoia todos aqueles que estão a dar o seu contributo para minimizar o impacto do coronavírus. Ou seja, todos aqueles profissionais que continuam “no terreno” a trabalhar para que a sociedade não pare e para que os cidadãos vejam as suas necessidades asseguradas e, acima de tudo, a sua saúde protegida. Nesse sentido, a organização deve procurar identificar de que maneira lhes pode ser útil, seja fazendo donativos – alimentos, roupas, gel desinfectante, máscaras –, seja disponibilizando-se para prestar serviços de forma voluntária, através da cedência de instalações ou equipamentos, ou fazendo o que estiver ao seu alcance.
Uma atitude aberta e cooperante com os órgãos de comunicação social é também uma postura que deve ser adoptada pelas organizações, não só para esclarecer e tranquilizar a opinião pública, mas também para reforçar a credibilidade da organização, mesmo neste contexto adverso em que, por vezes, é necessário transmitir más notícias, mas no qual os media desempenham um papel determinante junto da população.
Tropeçar e levantar
A forma como as organizações estão a gerir a sua reputação durante a pandemia da Covid-19 vai certamente determinar como é que os seus stakeholders as vão ver no futuro e, por isso, é fundamental não descurar três áreas fundamentais: as experiências directas que os stakeholders estão a ter com a organização neste período conturbado (sejam clientes, colaboradores, fornecedores, ou outros); a estratégia de comunicação que está a utilizar (está a ser transparente, honesta, aberta, cooperante?) e a forma como está a ser vista e retratada nos múltiplos canais e plataformas de comunicação (nos media, redes sociais, líderes de opinião, ou outros).
A comunicação é, neste contexto, uma ferramenta indispensável para ajudar as organizações a lidar com a incerteza, sem medo nem hesitações. Mesmo não detendo toda a informação que gostariam, os líderes das organizações têm de saber comunicar com os seus stakeholders neste momento em que vivemos uma crise sem precedentes, estabelecendo empatia, sendo transparentes, mesmo que isso implique mostrar vulnerabilidade (e humanidade), seguindo de forma confiante o caminho que escolherem, mesmo que para isso tenham de tropeçar e levantar-se.
Com a pandemia da Covid-19, a comunicação de crise deixará, assim, de ser algo com que as organizações se preocupavam quando confrontadas com situações que poderiam pôr em risco a sua reputação, para passar a ser “o novo normal”. Este “novo normal” implica: preparação, preparação, preparação.