Enquanto não chega o futuro, que o presente seja especial…
Ontem começariam as férias da Páscoa…o tempo em família, a ida para casa dos avós, a primeira ida à praia, mas… hoje continuamos em isolamento social, num país em estado de emergência.
O Covid-19 decretou o fecho de escolas em todo o país e restringiu a circulação dos portugueses, com o Governo a admitir prolongar o “estado de emergência” para lá do dia 9 de Abril, crianças e famílias ainda estão a adaptar-se a esta nova realidade.
Perante uma situação nova com evidentes alterações das rotinas diárias é natural as crianças sentirem- se mais tristes, ansiosas, eventualmente confusas e com medo. As saudades da escola, dos amigos, mas também a situação de incerteza e desconhecido pode originar que façam mais birras, eventualmente estejam mais “irritadas” ou dependentes. Podem também surgir dificuldades em adormecer ou algumas queixas físicas.
Tudo sintomas naturais e reflexo da realidade que estão a viver. As crianças têm necessidade de compreender o que se está a passar à sua volta e a forma mais fácil de perceber é observar o comportamento dos que a rodeiam. A forma como pais lidam com a situação e a explicam determina a forma como as crianças vão lidar. Pais “à beira de um ataque de nervos”, vão originar filhos à beira de um “ataque de nervos”. Por isso, como queremos todos ter uns dias pacíficos, sugiro que os pais adoptem uma postura compreensiva e paciente.
Criem oportunidades para que as crianças expressem os seus sentimentos e receios. Podem fazer desenhos, criar textos, ou simplesmente conversar sobre o tema, o único desafio é explicar-lhe o que se passa, tranquilizando-as utilizando uma linguagem adequada à sua faixa etária. Diga sempre a verdade, mentir e dizer que “não se passa nada, quando as crianças sentem e sabe que passa”, diminui a confiança nos pais e gera confusão e medo.
Não há perguntas “parvas”, ou medos “tolos”. O objectivo é não desvalorizar o que é dito. Se a criança chegar a demonstrar medo da morte, é fundamental ajudá-la a lidar com o tema e a distinguir aquilo que é o seu medo e a realidade. O recorrer a factos, à realidade do concreto pode ajudar e muito a tranquilizar a criança. Não permitam a entrada do “dr. Google”, nas vossas casas, pode trazer alguma confusão e gerar ainda mais ansiedade. Controle as expressões faciais, a linguagem não verbal, para existir concordância entre o que diz e aquilo que sente.
Não passe a ideia de que eles não podem fazer nada, mas sim transmita a mensagem que têm um papel activo, dando exemplos de comportamentos a adoptar, conferindo assim sentimento de utilidade. Sugiro inclusive que crie algumas tarefas para os mais novos, vai ser divertido, para além de fomentar a responsabilidade.
Com o passar do tempo, as preocupações das crianças podem aumentar de intensidade, pelo que o desafio passa por lhe transmitir esperança e uma atitude positiva face ao futuro. Também ajuda limitar o acesso às notícias sobre o tema, algumas são demasiado explícitas e factuais podendo gerar crenças erradas sobre o tema e uma sensação de mau estar. Todos nós temos uma capacidade limitada de gestão da informação, demasiada informação gera ansiedade e deixa as crianças assustadas.
No entanto, como o “futuro”, em linguagem de criança, ainda demora muito, talvez seja importante tornar o presente especial.
Para isso pode aproveitar para usar a tecnologia ao serviço do bem-estar psicológico e permitir a interacção entre as crianças e os seus amigos e/ou familiares. Seja via telefone, Skype ou WhatsApp o fundamental, é que vejam os seus amigos, os familiares, conversem um pouco e restaurem os laços sociais.
Fazerem actividades que gostam e lhes dão prazer também os ajuda a manterem-se focados e concentrados. Brincar é fundamental. É através do brincar que a criança expressa as suas emoções e sentimentos e pode encontrar estratégias para lidar com as adversidades da sua situação actual. Brinquem muito, pode ser a altura certa para os pais despertarem a criança que há dentro deles.
As rotinas também são importantes neste presente especial. As rotinas dão segurança e previsibilidade, algo importante nesta fase de incertezas e de dúvidas. Associado às rotinas defina também algumas regras e responsabilidades. É importante a criança saber o que é esperado dela, as suas tarefas, e quais são os objectivos para aquele dia.
No início vai ser difícil, mas com a prática vai funcionar. Acredite!
E para terminar e tornar o presente mesmo especial demonstre carinho, seja através de gestos ou de palavras. O conforto do sorriso, do abraço, se possível, vão ajudar a manter o otimismo.
Por Vera Melo, Psicóloga Clínica