WeChat: a super app na sombra do Facebook
Ainda pouco conhecida no mundo ocidental, a aplicação móvel chinesa WeChat tem vindo a ganhar cada vez maior presença e influência na vida dos cidadãos do país asiático. Criada em 2011 como um serviço de troca de mensagens, hoje a WeChat junta as funcionalidades de rede social e carteira digital, mas substitui também o cartão de identificação dos cidadãos chineses (via leitura de um QR Code). Através desta aplicação, é possível comprar roupa e viagens, encomendar comida, pedir um táxi, pagar as despesas da casa ou até mesmo marcar uma consulta.
A consultora de inovação e tecnologia Fabernovel apelida a WeChat de “super app” (uma aplicação móvel que integra milhares de apps) e dedica-lhe o mais recente estudo GAFAnomics, que foi apresentado esta manhã no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa.
Para Nuno Ribeiro, country manager da Fabernovel, a WeChat é hoje uma das bandeiras da China, que nos últimos anos se colocou na dianteira da corrida tecnológica mundial (a par dos EUA) através de um paradigma assente no proteccionismo digital, bem distinto do paradigma ocidental. «A WeChat é hoje uma infra-estrutura digital da sociedade chinesa, que serve como identificação pessoal, como um serviço de passe, ligado à conta bancária do utilizador, e permite até marcação de consultas. A China deixou de transaccionar dinheiro – muitas lojas já aceitam apenas pagamentos digitais – e essa transformação tem a ver com a WeChat», sublinhou o responsável, acrescentando que «hoje já não devemos encarar a China como um país que copia o que é feito no Ocidente». Com efeito, 26% das empresas com estatuto de “unicórnio” em todo o mundo são chinesas.
De acordo com os dados da Fabernovel, a WeChat (que pertence à Tencent) conta com cerca de 1,08 mil milhões de utilizadores, ainda longe dos números do Facebook (2,27 mil milhões). Contudo, a aplicação chinesa demorou apenas 433 dias a atingir a barreira dos 100 milhões de utilizadores, enquanto o Facebook havia precisado de 1650 dias. Além disso, a WeChat tem uma penetração de 92% no seu mercado doméstico (vs. 63% de penetração do Facebook nos EUA) e representa 34% de todo o tráfego de Internet na China (vs. 14% do Facebook nos EUA).
Mas o principal factor de diferenciação está mesmo na abrangência de serviços e arquitectura tecnológica da aplicação chinesa, que consegue estar presente em praticamente todos os momentos da vida dos consumidores chineses. E isso acontece porque, além de integrar o serviço de pagamentos WeChat Pay (o concorrente da Alipay, da Alibaba), a aplicação integra um sem número de aplicações de outras empresas (como Amazon, JD.com ou Uber) mas também de mini-programas que vivem exclusivamente dentro da aplicação. «A WeChat tem vindo a afirmar-se como uma super app, isto é, uma aplicação que tem “um milhão” de aplicações integradas. E, neste momento, são as grandes empresas do Ocidente, que estão a copiar a WeChat. Não é por acaso que o Facebook está a integrar todas as aplicações de messaging», frisou Nuno Ribeiro.
Assim, enquanto na Europa os utilizadores têm de instalar individualmente (nas lojas da Apple ou Google) as aplicações que pretendem utilizar e criar um registo para cada aplicação, a WeChat oferece aos utilizadores chineses uma plataforma única de compras, redes sociais e aplicações de todo o género, sob o mesmo registo, criando um rasto digital muito mais concentrado. Seria possível termos uma aplicação semelhante no mercado europeu? Para Nuno Ribeiro, este é um cenário improvável, devido às maiores preocupações com as questões da privacidade e segurança digital. É que se, por um lado, a WeChat facilita muito a vida dos cidadãos chineses, também é verdade que sabe praticamente todos os seus passos diários e transacções.
Um dos desafios actuais da WeChat é, precisamente, o da sua expansão. Com uma penetração de 92% no mercado chinês e enfrentando cada vez mais concorrência naquele mercado (de serviços como o Alipay), a Tencent tem tentado exportar a sua jóia para o Ocidente – já investiu na entrada da WeChat em 15 países ocidentais -, mas até agora sem sucesso, até porque existem poucos utilizadores e poucas aplicações e mini-programas relevantes para os ocidentais. Para já, o foco da gigante chinesa está em apostar nos vizinhos asiáticos – já tem 95% de penetração na Tailândia, por exemplo – e por uma nova estratégia de entrada “indirecta” no Ocidente, através dos turistas chineses. Em 2018, houve 156 milhões de chineses a viajar para fora e que puderam utilizar o WeChat Pay em 49 países e 18 moedas diferentes. De resto, em Portugal já existem lojas que permitem fazer o pagamento através deste serviço. «O grande desafio do WeChat é a internacionalização, a expansão para o Ocidente. Querem engolir o mundo, como engoliram a China», concluiu Nuno Ribeiro.
Texto de Daniel Almeida