Os benefícios e prejuízos do mimo | Mimo em doses elevadas e diárias

Rita Castanheira Alves | Psicóloga clínica infanto-juvenil e de aconselhamento parental. Autora do projecto “Psicóloga dos Miúdos” (www.psicologadosmiudos.com)

Trabalho com adultos que têm o desafio de contribuir para o desenvolvimento de um ser humano, desde o seu nascimento

Todos os dias, descubro e conheço formas de educar, transmitir valores e cuidar tão especiais e importantes, que me surpreendem positivamente. Mas, também, todos os dias tenho dúvidas. E todos os dias, sou questionada sobre qual a melhor forma, como fazer da forma ideal, como parar com os comportamentos negativos e como fazer com que os miúdos façam tudo certo, qual o segredo e como fazer sempre melhor. E, cada vez mais, observo e concluo que o afecto, o vínculo, a ligação e a relação desses tais adultos com essas crianças e adolescentes em desenvolvimento são fundamentais e cruciais em todas as famílias, todos os miúdos que estão a crescer, sem excepção. Aqui incluo o mimo.

O que é o mimo?

Vou aqui definir o mimo como o carinho e o afecto dados pelos adultos cuidadores aos miúdos, de diversas formas, seja verbal ou não verbal: em acções, palavras, brincadeiras e conversas. Mas deve haver mimo? Até quando? Como? Só quando são pequenos, ou também quando são crescidos? Não será prejudicial? Ficarão mal habituados? Pode deixá-los demasiado mimados?

Sou, como pessoa e para o que interessa aqui, como psicóloga, apologista do mimo. Receitado, prescrito, em doses elevadas e diárias, como estratégia preventiva de primeira linha. Antes de qualquer estratégia, antes de qualquer intervenção, objectivo, delineamento de regras e práticas: o mimo.

Numa relação com afectos, sejam eles verbais ou não verbais, instala-se a base sólida e consistente, para depois se instalar tudo o resto, que é igualmente importante na construção de um ser humano, hoje miúdo mas, na verdade, o único sentido do seu caminho será crescer e que, por isso, precisa do afecto de quem o rodeia, na base da sua existência, para depois suportar aspectos estruturantes como são os limites, as regras, as rotinas, a autonomia e a responsabilidade.

O afecto

Acima de tudo, o afecto na relação, para que haja alicerces sólidos para que os miúdos respeitem os adultos que os educam, seja em casa, na escola, nas actividades. Sem esse afecto, na imposição da regra, nos “nãos”, a luta pela procura do afecto, do mimo vai sempre aparecer através do desafio e oposição, sintomas que querem dizer: “Primeiro conquista-me para que confie em ti e te siga no sim, no não, no que defines para mim.” De outra forma, surgem, com frequência, mães, pais, avós e avôs, que se sentem desrespeitados e desafiados e que, por isso, também não dão afecto como forma de punição e reacção, instalando-se um ciclo negativo. No final e para que se interrompa o ciclo, quem tem de o cortar é o adulto, ligando-se à criança ou ao adolescente, criando laços, mimando, apreciando e elogiando e não, isso não é uma perda de autoridade ou uma confusão de papéis. A autoridade não é autoritarismo, o respeito não é nem pode ser medo, nem ausência de vínculo. O respeito constrói-se porque há regras, fronteiras e limites, mas porque há sempre, na base, um grande espaço de afectos e ligação, que faz com que a criança, e especialmente o adolescente, consiga seguir aquele adulto, porque está conectado com ele, porque acredita nele e se sente apreciado, gostado e respeitado por ele.

Construir relações

No consultório, até na relação terapêutica, é fundamental construir a relação com afecto, dar mimo, seja verbal simplesmente ou até mesmo não-verbal, com um piscar de olho, um sorriso, um cumprimento especial que invento com um miúdo, seja ele pequeno ou grande, e a partir daí, crescem, com muita seriedade e consistência, as regras na consulta, na relação, no trabalho que desenvolvemos em conjunto. E regra geral, a verdade é que corre bem e tanto melhor quanto mais a base de afecto e mimo foi estabelecida e sentida positivamente pelos miúdos.

Para-se o mimo? E quando? Mas então não se pára de dar mimo? Não há excesso, ou será que há falta?

Há muito receio que se “estrague com mimos”, ou, pelo contrário, que lhe falte mimos, que seja carente e as consequências que poderão resultar de ambas as situações. Primeiro, dizer que são ambas posições extremas, de tudo ou nada, de sempre ou nunca. Em tudo na vida e na educação não é excepção, estas distorções extremistas não são, em momento algum, boas referências. Porque todos os miúdos são diferentes. Porque as situações, contextos e histórias de vida são diferentes e porque a vida tem tanta diversidade e momentos que, conceitos tão extremados, soam a receita ou solução mágica e essas não existem na educação. Costumo pensar e observar na prática clínica, nos casos que vou seguindo e noutros que estudo, que não há, de facto, mimos a mais, pode é haver “nãos” a menos, regras que oscilam e mimos dados fora do sítio, quando é tempo de dar limites, de ensinar que algo é errado e que é preciso corrigir e como corrigir. É um caminho desafiante, bem sei, este de estar disponível para muito mimo e depois saber quando é o momento de parar, mudar a expressão e dizer “não”, um jogo de não cair em tudo ou nada, de conseguir estar atento, disponível e capaz de não cair em sempres ou nuncas e de não ter medo de mimar, porque depois não se vai saber dar limites. São dimensões que se relacionam, mas porque devem coexistir, uma com a outra, dadas, vividas, criadas pelo adulto com a criança/adolescente.

Por vezes, é mesmo uma tarefa difícil para os pais, para as mães ou outros cuidadores transmitirem afectos, porque não receberam, porque os fecharam dentro deles por sobrevivência durante o seu próprio crescimento e agora dizem-me e mostram que não o sabem fazer. E é incrível como os miúdos são os melhores mestres do afecto nessas situações, mesmo para quem há muito não sabe como dar, nem como receber. Basta deixar fluir; sentar-se no chão, escutá-los, disponibilizar- se para brincar, ver o que lhe querem mostrar, deixar que lhe dêem a mão e interessar-se, genuinamente, estar presente no presente.

Com os adolescentes, substituir o inquérito fechado pela conversa curiosa, sem crítica, pelo interesse nos temas que gosta, no que vê, no que ouve, no que fala, no saber guardar para a intimidade de casa as festinhas na cabeça ou o beijinho quando vai dormir, não revelando aos amigos do adolescente que o faz. E sim, por vezes, certos gostos e conversas do adolescente podem mesmo ser desinteressantes ou pouco cativantes para o adulto, mas o objectivo é cuidar e mimar, lembra-se?

Não há por isso mimos a mais

A minha prescrição é que os dê, que os viva em todas as fases, enquanto contributo fundamental para a construção da personalidade da criança/adolescente, como o alicerce sólido e de base para que, depois, tudo o resto possa ser transmitido e cimentado, com maior facilidade e tranquilidade. Não receie de o inundar de mimos, receie sim que não consiga dizer não, mesmo depois de o ter mimado, receie sim que o mimo apareça quando é momento de dizer que é errado e de discordar de algum comportamento ou atitude. E se aparecer, pense porquê, tire conclusões ou peça ajuda para perceber por que o mimo aparece sempre, por que dá todo o mimo, sempre. Ao contrário, o mesmo. Pense, reflicta ou peça ajuda para perceber por que nunca dá mimo, por que não há afecto na relação com o seu filho, por que não estão ligados.

Nem sempre, nem nunca, nem tudo, nem nada. E aja, hoje, no presente, e não atire para o futuro, não diga que será amanhã que vão estar mais próximos. Trabalhe hoje, no mimo, no afecto, seja num elogio ou num abraço. Os miúdos agradecem e eu sei, porque já assisti, os adultos também.

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

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