Gravidez e animais de estimação

Sara Fragoso | Licenciada em Biologia, mestrado em Etologia e Etologia Clínica. Centro para o Conhecimento Animal

Quando se aproxima a chegada do bebé as dúvidas começam e os futuros papás estão empenhados a 100% para que tudo corra bem! Compras, leituras, cursos e obras consomem o tempo da família. A sua vida está prestes a mudar.

E se um cão, um gato ou outro animal fizerem parte da família? São várias as espécies que fazem parte das nossas vidas e as famílias multiespécie são cada vez mais comuns. As vantagens do convívio entre crianças (e adultos também) e outros animais são amplamente reconhecidas e suportadas cientificamente. No entanto, durante a gravidez começam a acumular-se as dúvidas. Será que podem prejudicar o desenvolvimento do bebé? Há risco de transmissão de doenças? E as alergias? Como é que o animal se vai adaptar a toda esta mudança? Há que ajudar estas famílias e diminuir os seus receios para garantirem o bem-estar de todos. Mas como?

Prevenção, sempre

Para que este processo seja bem-sucedido e a chegada do novo elemento à família seja tranquila, seja proactivo e antecipe o que poderá ser um problema, implementando medidas preventivas.

No que respeita a zoonoses (doenças que afectam os animais e que podem transmitir-se aos humanos e vice-versa), aconselha-se cautela e alguns cuidados e, desta forma, o risco será bastante reduzido. Antes era frequente aconselhar que a grávida a não contactar com os seus animais de estimação pelo risco de contracção de doenças. Hoje já não é um tema desconhecido e está comprovado que esse contacto só se torna um risco se algumas regras de higiene e de saúde não forem cumpridas.

Entre as preocupações mais frequentes no que toca à transmissão de doenças, destaca-se o risco de contrair toxoplasmose pelo contacto com gatos. A toxoplasmose trata-se de uma doença infecciosa, provocada pelo protozoário Toxoplasma Gondii, que pode causar problemas no desenvolvimento do feto. O contágio é possível, mas ocorre através das fezes e somente se o animal estiver infectado. Caso o gato não tenha acesso à rua, se alimente de ração e não lhe seja dada carne crua, o risco de ser hospedeiro do protozoário é praticamente nulo. Embora seja pouco provável o contágio, caso não seja imune à toxoplasmose, a grávida deve evitar limpar a caixa de areia do gato, mas, se o fizer, deve usar luvas descartáveis e lavar as mãos no final.

Outro exemplo é a salmonelose, infecção alimentar causada pela bactéria Salmonella enterica. A salmonela, uma bactéria mais frequente em répteis, normalmente não afecta directamente o bebé, mas os seus sintomas, como febre alta, vómitos, diarreia e desidratação, podem ser bastante incómodos, principalmente para uma grávida.

No geral, as regras aplicam-se a outras espécies e na prevenção de outras doenças. Recomenda-se que lave as mãos depois de estar em contacto com o animal e evite contacto com fezes, lambidelas e com a boca do animal. Cuidados básicos de higiene e ter animais vacinados, desparasitados e bem tratados representa um risco de contágio muito reduzido para a grávida e o bebé.

Saudável convívio

Tomados os devidos cuidados, grávidas e animais de estimação podem conviver durante todo o período de gestação beneficiando desse convívio. Entre outras vantagens, destacam-se o afecto e a companhia, que têm um efeito na redução dos níveis de stress, responsáveis por desencadear ou agravar complicações que possam surgir durante a gravidez. No caso dos cães, devido à necessidade de passeios, acabam por contribuir também para que a grávida mantenha actividade física regular, o que, naturalmente, é saudável e terá um impacto positivo no bebé.

Reflicta também sobre alguns comportamentos frequentes do seu animal. Muito provavelmente alguns desses comportamentos, que até então eram perfeitamente aceitáveis, poderão ser um problema na presença do bebé. Estes comportamentos deverão ser substituídos por outros ajustados à nova realidade. O cão que salta para cumprimentar ou o gato que mia para ter atenção são exemplos de comportamento frequentes e não necessariamente problemáticos. Mas e durante a gravidez? Por exemplo, os saltos podem magoar a barriga ou fazer com que caia, principalmente quando se trata de animais de porte médio/ grande. E quando acontecerem na presença do bebé? O cão a saltar para cumprimentar uma pessoa que agora tem o bebé ao colo, ou o gato a miar quando o bebé está a dormir incomoda e pode até ser perigoso. Na maior parte das situações ignorar de forma consistente estes comportamentos e reforçar aqueles que são desejáveis, como ficar sentado ou deitado, fará com que os primeiros se tornem raros e os segundos frequentes. Quanto mais cedo começarem a trabalhar na modificação ou substituição desses comportamentos melhor, para que sejam rotineiros aquando do nascimento.

Antecipe a mudança

Antecipe as mudanças que vão ocorrer para que sejam implementadas atempada e gradualmente. Se muitas mudanças ocorrem em simultâneo, o processo de adaptação ficará comprometido. Dê tempo ao animal para se adaptar a novos horários e a novas regras. Se planeia que o animal deixe de ter acesso a alguma divisão da casa, por exemplo, deixar de ter acesso a um quarto, comece o quanto antes a adaptação, limitando o acesso por períodos crescentes.

Deixe-o explorar o mobiliário e os objectos adquiridos para o bebé, como cremes, produtos de higiene ou carrinho. Também a adaptação ao choro do bebé, estímulo que se tornará bastante frequente, pode ser promovida, utilizando, por exemplo, gravações do choro de bebés. No mercado já existem gravações preparadas para este efeito. Para facilitar o processo pode associar estes estímulos novos a algo de valioso para o animal. Porquê associar estas novas experiências a algo positivo? Estará a influenciar a forma como o animal vai “ver” o bebé. É uma forma de lhe transmitir que não há motivo para ficar desconfortável.

Quanto mais cedo fizer este trabalho, melhor, até porque depois do bebé nascer a tarefa fica significativamente mais difícil, a disponibilidade não será a mesma, e depois de noites mal dormidas, a paciência também estará comprometida.

E agora?

Findo este período de expectativas e mudanças, eis que chega a hora de trazer o bebé para casa. Como apresentar o bebé?

O primeiro contacto pode ser feito com o bebé ainda na maternidade. Disponibilize peças de roupa do recém-nascido para que o animal possa cheirar e ficar familiarizado com o seu odor, reduzindo a probabilidade de desconforto quando o bebé chegar. Estes itens devem ser apresentados enquanto o animal está relaxado e, mais uma vez, esta experiência deve ser positiva, para que haja uma associação positiva ao bebé.

Quando regressam a casa, para além da chegada do novo elemento, a mãe volta depois de ter estado ausente durante um período superior ao normal. É natural a excitação do animal ao recebê-la. Saltos e empurrões são bem prováveis e podem magoar o recém-nascido. A mãe deve entrar em casa sem o bebé, de forma a cumprimentar e poder dar atenção ao animal. A apresentação deve ser feita quando ambos, tanto bebé como animal, estiverem calmos. O bebé deve estar ao colo, pois nunca se sabe como é que o animal irá reagir a um movimento repentino do bebé. Nesta e em situações posteriores, o contacto deve ser seguro e em nenhuma situação as interacções estão isentas da necessidade de supervisão. A presença do bebé deverá ser associada a momentos agradáveis para que a integração seja facilitada. Comportamentos treinados são excelentes ferramentas para lhe “dizer” o que deve fazer. Pedir ao cão para deitar ou ao gato para sentar orienta naquilo que devem fazer e diminui a probabilidade de fazerem o que não queremos.

Com alguns cuidados e estratégias o risco associado e o impacto das mudanças no animal poderão realmente ser reduzidos. Cada família é especial e as estratégias adoptadas devem ser adaptadas a cada contexto familiar. Planeie e usufrua da sua família multiespécie.

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº3 de Março de 2018.

Artigos relacionados