«90% do que vendemos é produzido em Azeitão»
A aposta na redução dos níveis de açúcar das bebidas tem sido uma das armas usadas pela Coca-Cola European Partners (CCEP) para conquistar quota na grande distribuição e no horeca. Para ajudar aos números, tem estado a conquista de contas de clientes de peso – como a compra para consumo imediato –, de que é exemplo a entrada nos cinemas nos, como explica Rui Serpa, country manager da CCEP.
Texto de Maria João Lima
À primeira vista pode não ser fácil perceber os domínios da e Coca-Cola Company e da Coca-Cola European Partners (CCEP). A primeira tem a propriedade das marcas, fornece os concentrados, desenvolve produtos e inovação e é responsável pelo marketing e publicidade de consumo. Nas mãos da CCEP está o processo de compra das matérias-primas, distribuição dos produtos, engarrafamento, vendas, gestão de clientes e investimentos na área de produção e instalações. A Marketeer foi conversar com Rui Serpa, naquela que é a primeira entrevista do profissional desde que assumiu o cargo de country manager de Portugal da CCEP.
Até há pouco não havia instalações em Lisboa e estavam na fábrica. Este ano a CCEP passou a ter escritório em Miraflores. Que importância tem esta mudança?
Um dos objectivos para a CCEP em Portugal tem que ver com aumentarmos a relevância do negócio e achámos que era fundamental estarmos mais perto dos stakeholders das diferentes áreas. Somos presidentes da Probeb (Associação Portuguesa de Bebidas Refrescantes Não Alcoólicas) e esta proximidade era fundamental do ponto de vista de negócio e para as nossas pessoas. Juntámos outro elemento, que foi a delegação de vendas de Lisboa e do Centro. Tínhamos instalações na zona de Carnaxide e juntámos as duas. Mostrámos a determinação em apostar em Portugal.
Quem ficou no escritório da fábrica?
Além das pessoas da produção, estão serviços centrais de finanças e contabilidade, IT, legais e uma boa parte de customer service.
Em Miraflores, têm customer service…
Sim, sobretudo os que trabalham directamente com as grandes contas. Grandes contas são quais? Da distribuição moderna, sobretudo, e de consumo imediato/Horeca. Falamos de tudo o que são contas de restauração rápida, gasolineiras, hotéis, cinemas, colectividades/fábricas… são contas que têm muitos pontos de venda pelo País fora. Estão em muitos locais, mas é uma entidade única, não só de facturação, mas também de negociação.
Entrou em Março de 2018 para um cargo que não existia. Que desafios tinha?
O negócio em Portugal – e de um dos lados do que é o sistema da Coca-Cola em Portugal, que é o lado do engarrafador – vem de, em 2013, se ter iniciado o processo de integração dos engarrafadores na Península Ibérica, onde se incluiu a Refrige – que era o engarrafador de Portugal – e mais sete empresas em Espanha. O processo começou em 2013 e em Portugal concretizou-se em 2015. Quase nem um ano depois dá-se a integração europeia. Na business unit ibérica houve a decisão de Portugal ter uma identidade própria.
Ao ser feita esta alteração organizativa há claramente dois objectivos, um interno e um de negócio. O interno tem muito a ver com acompanhar esta mudança organizativa para estarmos preparados para dar resposta aos objectivos da portugalidade e nos afirmarmos como uma estrutura autónoma dentro da business unit e dentro da Europa. Relativamente ao exterior passava, basicamente, por num mercado tão competitivo como é o das bebidas, com crescimentos significativos, com muita dinâmica promocional (dentro dos 13 países que a CCEP comporta, Portugal é país em que as vendas em non-alchoolic ready to drink beverages são maiores em promoção), em que temos de continuar a ser competitivos olhando sempre para a saúde financeira. Porque se não formos competitivos nesta parte do negócio, a dita autonomia que se vai conquistando perde-se. Isso está muito bem estabelecido e eu diria que é uma aposta ganha. Os primeiros frutos começam a aparecer.
O que está a ser feito para dotar Portugal de ferramentas para o futuro?
Do ponto de vista interno, passou por toda a nossa estrutura ter como ponto central o cliente. Houve que reorganizar a estrutura para sermos muito customer centric. Não esquecer que um departamento de customer centric não pode estar a funcionar sem ser de braço dado com a área comercial, por isso é que fazemos aqui algumas alterações tão críticas. Passa pelo funcionamento do dia-a-dia, mas também a forma como as estruturas estão desenhadas e as interdependências que têm.
A CCEP vai cumprir agora três anos. A integração ibérica foi em 2015. Há uma série de processos e culturas a integrar.
No plano externo, recordo que 2018 foi quando fizemos mais lançamentos nos últimos 10 anos. Lançámos várias marcas e produtos e isso obrigou-nos a atender clientes e canais de forma diferente. Ter produtos de origem biológica leva-nos a acompanhar um tipo de lojas diferente, a ter um tipo de interlocução com um cliente diferente, que tem outro tipo de argumentação e preocupações. Foi um ano de grande mudança.
A integração está terminada?
Sim, está concluída. Formalmente foi concluída em 2015, mas há rotinas e velocidades que têm ainda que se atingir. Hoje estamos noutra fase. Estamos na versão 2.0 que passará, por exemplo, por uma segmentação de clientes comum para todos os países. É algo muito ambicioso conseguir encontrar uma segmentação que possa satisfazer as necessidades de todos os países. É a única forma de podermos fazer comparações directas e de desenharmos ferramentas que sirvam toda a gente. A segmentação é fundamental na centricidade no cliente. Conhecermos bem os nossos clientes e o mercado que temos é fundamental para podermos fazer este Raios-X. Haverá segmentos que, num determinado país, têm uma expressão significativa e relevante e noutros não. Há países onde o canal de conveniência de pequenas lojas é muito relevante, mas cá estamos no início. É uma ferramenta que aproxima os negócios no modus operandi, mas com as particularidades e identidades locais bem acentuadas.
Mas os mercados têm diferenças…
Vamos ver… As diferenças começam com o consumidor e com aquilo que ele pede, compra e consome. Outra parte tem a ver com a estrutura de retalho que existe em cada país. Há países, como no Norte da Europa, onde a estrutura de Horeca, ou seja, de consumo imediato, é muito diminuta. O número de pontos de venda que temos em Portugal e Espanha não é comparável com o do Norte da Europa. Portanto, os hábitos de consumo são mais caseiros do que fora de casa. Um terceiro aspecto tem a ver com a antiguidade do sistema Coca-Cola em cada país. Por exemplo, Espanha, quando comparado com Portugal, tem mais 25 anos de venda da marca. Isso faz muita diferença na penetração, tipo de embalagens e hábitos de consumo. Em Portugal temos várias categorias onde não estamos presentes.
Quais as categorias onde faz sentido entrar em Portugal a breve prazo?
Grande parte do nosso negócio são as bebidas carbonatadas. Apesar disso, temos cada vez mais alternativas e marcas em bebidas não carbonatadas. Queremos entrar em mais categorias. Está claro que há um conjunto de categorias que fazem sentido, até do ponto de vista do portefólio, porque são complementares da actividade comercial. Temos boa parte bastante coberta nas bebidas refrescantes, mas há ainda um leque grande de alternativas onde pretendemos entrar sempre que faça sentido para o consumidor português e os nossos clientes e, claro, para o negócio. As coisas têm de ser ponderadas entre bebidas que são produzidas cá e as que têm de ser trazidas, porque os custos e a realidade são diferentes. Preferimos alternativas que possamos produzir cá e oferecer aos portugueses. Mas o objectivo é a complementaridade do portefólio e satisfazer necessidades e ocasiões de consumo.
O que é actualmente produzido cá?
Há alguma falta de informação a esse respeito. 90% do que vendemos em Portugal é produzido na fábrica de Azeitão. De todas as marcas. E há uma grande quantidade de produto que produzimos para fora. As únicas que não produzimos em Portugal são as que derivam de uma linha de assépticos – Aquarius, Nestea e Powerade –, Appletiser, Honest e Monster que, na sua maioria, vêm de Espanha. Tudo o resto é produzido cá.
Na criação da CCEP, um dos objectivos tem a ver com escala. Ao olhar para a rede de fábricas, houve uma optimização. Na Península Ibérica, a maior parte das fábricas tem uma valência muito alargada, ou seja, tanto produzem latas, como PET ou vidro. Existem marcas com menor volume ou rotação e o que acontece é que há uma ou duas fábricas que se especializam e que servem o resto da Península Ibérica. Temos uma linha de latas muito flexível e produzimos todo o Burn que sai para a Península Ibérica, todo o Nordic Mist Fruit para tudo o que é Espanha (em Portugal ainda não lançámos), assim como a Coca-Cola Energy (lançada a 1 de Abril em Espanha), que ainda não foi lançada em Portugal.
Que novas marcas e variantes vamos ter este Verão?
As variantes de um novo sabor às vezes são muito importantes para as marcas. Em Fanta lançámos um programa – Battle of Flavors – em que estão três sabores (Morango & Kiwi, Frutos do Bosque e Pêssego & Damasco) a disputar a preferência dos consumidores. O vencedor fica. Estamos a lançar também um novo sabor de Monster: o Mango Loco. É um sucesso nos países onde foi lançado, ao ponto de criar vários problemas de abastecimento. Com a bebida biológica Honest Tea vamos proceder a uma alteração. Temos três sabores e vamos ficar com apenas dois. A mudança de fundo será passar de PET para vidro. Além disso, vamos lançar dois sabores, também em vidro, que são infusões a cumprir uma necessidade de saciação da sede. Serão as Honest Infusions. Até ao final de Julho estará tudo nas prateleiras.
Esta marca é para um cliente diferente…
Sendo um produto biológico, tem uma ocasião de consumo diferente. O consumidor até pode ser o mesmo de Coca-Cola. Por sabermos que existem necessidades e ocasiões de consumo diferentes é que um dos objectivos do sistema é alargar o nosso portefólio.
Por último, uma marca nova. Aproveitando os 15 milhões de turistas que temos por ano, vamos lançar a Glacéau Smartwater, que está na categoria das águas com valor acrescentado. Tem um sabor dentro do que é o perfil do português em águas minerais. É uma água pensada para well being, que tem uma campanha mundial com a Jennifer Aniston.
De que maneira é que o aumento do consumo de bebidas com menos açúcar está a impactar o negócio?
É evidente que os consumidores estão preocupados e, da nossa parte, a estratégia foi dar essa escolha ao consumidor. Boa parte da inovação que temos vindo a lançar ou reformulação passa por dar alternativas com baixo teor de açúcar ou zero açúcar. Isso passa por lançar uma marca como Honest (que não tem açúcar), ou oferecer alternativas com zero açúcar ou baixo teor. O exemplo mais conhecido e mais bem sucedido é a Coca-Cola Zero, mas também tem o exemplo de Fanta que, no seu portefólio, tem todos os sabores com baixo teor de açúcar. É um caminho sem retorno.
Mango Loco da Monster não é um bom exemplo para este tema…
Não. O facto de dizer juice é porque tem uma quantidade de cerca de 20% de sumo natural. Mas é importante percebermos a categoria. É um energético e boa parte da energia vem do açúcar. Monster é a marca de bebidas energéticas que mais alternativas e vendas tem de zero açúcar com a variante Ultra. Quem quiser beber uma bebida energética da marca Monster tem muitas alternativas com a gama Ultra e o sabor original em Zero.
Em bebidas energéticas há duas necessidades a satisfazer. Uma é a de energia que, segundo estudos, é maior nos consumidores a partir dos 30 anos. Nas camadas jovens é mais o sentido de pertença. São dois momentos.
Em 2018 as vendas na Ibéria como um todo desceram, mas as portuguesas isoladas cresceram. O que explica a diferença?
Espanha tem um dos volumes de consumo per capita mais elevados da Europa, com um enorme impacto do turismo. O que se passou foi um péssimo ano em termos de meteorologia. Isso teve um impacto exponencial. Em Portugal também sofremos. Recordo-me quetinha assumido funções há pouco e chuviscava em Julho. Depois, tivemos muito calor e um Verão prolongado. Em Portugal foi um ano em que crescemos cerca de 6%, face ao ano anterior, e atingimos os 225 milhões de litros.
Quais as expectativas para este ano?
Ter o mesmo nível de crescimento em volume do ano passado já era bom, mas queremos mais. Mais do que 6% é a nossa ambição.
Como estão as vendas de Coca-Cola Original e Coca-Cola Zero?
Ao contrário do que se pensa, as nossas vendas em Coca-Cola regular no ano passado aumentaram 1,3%. Houve três factores: um que tem a ver com a nossa abordagem ao mercado e nos levou a cobrir mais pontos de venda e com mais frequência; a economia viveu bons momentos e o turismo traz outra dinâmica; e, por último, novos clientes.
Na distribuição moderna, sendo a categoria de colas bastante dinâmica, em Coca-Cola regular ganhámos quota de mercado.
Coca-Cola Zero é uma rock star. Desde o seu lançamento que cresce todos os anos. Mas 50% das nossas vendas são feitas em Coca- -Cola regular. Se falarmos do total das nossas bebidas sem açúcar, representam 24% do total de vendas. 36% das vendas são as bebidas de baixo teor de açúcar (portanto, 12% são as bebidas que estão entre 5 e 0 miligramas/litro).
Mas há alterações ao nível de formatos…
Cada vez mais os momentos de consumo são mais individuais. E estamos a dar a escolha ao consumidor de embalagens mais pequenas. Provavelmente, algumas deixam de existir, mas temos de dar tempo ao tempo para avaliar.
Qual o papel do distribuidor nas decisões do dia-a-dia das marcas que distribui?
Somos muito mais do que um distribuidor. Basicamente somos um franchisado. Produzimos, fazemos toda a comercialização, distribuímos e tudo o que é marketing operacional é da nossa responsabilidade. O sistema Coca- -Cola está desenhado para ser um laço que se entrelaça e trabalha em conjunto. Essa realidade tem vindo a ser cada vez mais acentuada na CCEP, até porque a companhia da Coca- -Cola é dona da CCEP em cerca de 20%.
O trabalho de marca é da responsabilidade da companhia Coca-Cola. Da mesma forma que a companhia olha para nós e para a forma que estamos a executar e faz propostas, nós também o fazemos em sentido contrário.