5G dá início a uma nova era na Saúde

Por Filipa Fixe, executive board member da Glintt

O 5G abre horizontes inteiramente novos para a telessaúde, permitindo que o cidadão se conecte virtualmente a médicos e outros prestadores/profissionais de saúde por vídeo ou chat em tempo real. Neste sentido, a introdução da tecnologia sem fios 5G marca o salto para uma nova era de hiperconectividade, em tempo real, permitindo a conexão e interacção de milhares de milhões de pessoas e coisas enquanto promete desencadear o potencial de áreas da tecnologia como a Inteligência Artificial (IA) ou Extended Reality, com forte contributo para a eficiência da gestão dos recursos.

Todos os sectores vão beneficiar, mas a Saúde é uma das áreas onde o impacto será mais significativo. À medida que o recurso ao 5G aumentar, todo o ecossistema vai acabar por se alinhar com a medicina 4P, ou seja, um ecossistema mais preditivo, preventivo, personalizado e participativo, no qual a baixa latência do 5G facilita os diagnósticos, atendimento remoto e as cirurgias à distância.

Iremos, assim, assistir a grandes impactos ao nível da telemedicina, com um crescimento anual previsto de 16,5% entre 2017 e 2023, em áreas como:

Videoconsultas – monitorização de doentes à distância e procedimentos médicos com total eficiência, mesmo quando os pacientes estão do outro lado do mundo;

Monitorização remota – a qual permite a transmissão imediata de informações para médicos ou hospitais com recurso a wearables, sendo que 86% dos médicos afirmam que estes aumentam o envolvimento do doente, estando prevista uma diminuição dos custos hospitalares em 16% nos próximos cinco anos;

Acesso a novas terapias – em ambientes relaxantes com conteúdos que diminuam o stress do paciente e tratamentos inovadores e menos invasivos com recurso às realidades virtual e aumentada;

Robotização e Inteligência Artificial – a cirurgia à distância com recurso a robots vai deixar de ser ficção científica graças ao streaming em tempo real e à transferência imediata de informação, bem como a determinação de diagnósticos com elevado nível de precisão será cada vez mais frequente e fundamental para identificar o melhor plano de tratamento para determinado doente;

Transmissão de grandes arquivos de imagem – através do recurso a redes 5G de alta velocidade será possível “transportar” de forma rápida e confiável grandes arquivos de dados de imagens médicas, o que pode melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados, bem como diminuir o tempo de espera e aumentar o número de consultas;

Ambulâncias conectadas – os paramédicos vão poder realizar triagens, diagnósticos e até ecografias, graças a apoio hospitalar em tempo real.

Sem dúvida que o 5G proporcionará inúmeras vantagens. Uma delas passa pela mitigação da desertificação das áreas mais rurais e consequente limitação no acesso ao sistema de saúde. Cirurgias que salvam vidas ou consultas remotas com médicos especializados serão uma realidade claramente possível em áreas remotas ou rurais, pois serão apoiadas por uma transmissão de imagem rápida e confiável.

E, muito embora as demonstrações em vídeo e transmissões de práticas cirúrgicas por meio de redes 5G de alta velocidade já sejam viáveis, o verdadeiro avanço virá com o surgimento da “Internet táctil”. Activada por uma latência ultrabaixa do 5G, a Internet táctil permitiria a um médico realizar um procedimento num paciente que esteja fisicamente num local diferente do seu. Os movimentos do cirurgião, num local seriam recriados instantaneamente por um equipamento computadorizado, num outro local. Esta seria uma inovação que poderia beneficiar, particularmente, pacientes em áreas rurais ou em regiões remotas, onde a presença de cirurgiões especializados em procedimentos complexos não está prontamente disponível.

Vejamos este exemplo concreto: numa enfermaria do hospital em Wuhan, China, no auge da pandemia de Covid-19 da cidade que foi o epicentro do surto global, 12 robots deslizavam pelo chão. As suas principais tarefas eram a medição da temperatura do paciente, a entrega das refeições e a desinfestação das instalações. Mais do que um avanço na automação, estes robots estavam a salvar vidas. Os pacientes infectados recebiam a atenção necessária e os profissionais de saúde podiam distanciar-se do contágio e ter uma enfermaria mais segura para trabalhar. À primeira vista podemos apenas identificar a automação no ramo da saúde, mas olhando mais de perto vemos que na sua base está o avanço das telecomunicações que o tornou possível, ou seja, uma rede 5G. Sem a velocidade, fiabilidade e qualidade significativas do 5G, a gestão de uma frota de robots para realizar estas tarefas complexas estaria fora de questão.

No futuro, vão continuar a existir hospitais ou laboratórios de análises? Acredito que os hospitais vão existir sempre, mas num formato muito diferente do que aquele que observamos hoje em dia, suportado por toda a tecnologia que actualmente conhecemos. Os laboratórios de análise e outros prestadores serão cada vez mais soluções “at the point of care”.

Assim, o 5G deve ser encarado como uma tecnologia que vai permitir ganhos de valor em saúde. Contudo, implica alterações nos processos de trabalho e na organização e tem implícita a aceleração da digitalização de processos. Desta forma, é crucial apostar na co-criação, na colaboração e na articulação entre os diferentes stakeholders, através, por exemplo, da constituição de um grupo de trabalho sobre o 5G que inclua tanto equipas do Governo como do sector privado, para discussão de uma estratégia comum, alinhada com as necessidades e o interesse público, bem como da definição de um processo de inovação aberta, com o envolvimento dos operadores para agregar as diferentes peças de inovação, e dos profissionais e empresas nacionais e internacionais para construção das soluções.

Urge repensar o ecossistema como está actualmente construído: será que são estas as infra-estruturas que queremos e precisamos? E depois, a importância da articulação de uma estratégia entre políticas públicas consistentes, duradouras e inclusivas e o papel das organizações privadas, isto é, o esforço de empresas comprometidas permitirá avançar para um Portugal digital, contribuindo para inúmeros benefícios, assim como para criar valor para os portugueses.

A tecnologia nas Ciências da Vida, desde a investigação fundamental até à prestação de cuidados de saúde, vai implicar alterações profundas que a todos nos devem entusiasmar, assumindo sempre que serão um complemento à prática clínica. Os valores da relação humana e da empatia não são passíveis de ser substituídos por tecnologia.

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