Os influenciadores têm de assumir as suas posições, correndo o risco de serem cancelados

No rescaldo do episódio do post da minhoca do Dia de São Martinho no Instagram da Control, e sendo o tema da 23.ª Conferência da Marketeer os “Elefantes nas Salas da Comunicação”, era imperativo perceber se o politicamente correcto está a amarrar a comunicação das marcas.

Patrícia Nunes Coelho, directora de Marketing ibérica da Control, assumiu, de forma desempoeirada, como é habitual, que não se tratou de um post em real time. «Estava já previsto para o São Martinho e foi analisado. Quando o fizemos realmente não nos passou aquela interpretação que foi dada por uma mínima percentagem de pessoas.» Mas, conta, a marca tem planos de contingência preparados e muito bem definidos para situações destas. «Se sentimos que há uma pequena comunidade que está a criticar, há duas hipóteses: a própria comunidade corrige porque entende os valores da marca (que estão claros e transparentes); ou nós percebemos que se calhar houve alguma palavra que nós não fizemos bem. Errar é humano.» E nesse caso, defende, o que há a fazer, e de uma forma imediata, «é retirar e dizer à comunidade que errámos». A profissional acredita que a marca não pode deixar passar muito tempo e que tem de ser uma reação imediata com consciência. «E por muito que os nossos consumidores digam que não devíamos ter tirado [o post], não me arrependo, de todo.» E explica que o valor da marca é a universalidade e ser para todos. «Fazemos produtos para todas as formas e para todas as utilizações. Não pretendemos, de todo, afectar ninguém.»

E para aqueles que defendem que não pode haver limites para o humor, a profissional esclarece que, na Control, os limites são os valores, a persona da marca e a forma como ela actua junto do seu target.

No meio de tudo o que se disse e se escreveu, Patrícia Nunes Coelho destaca aspectos positivos como o facto de se ter gerado a discussão «muito salutar» na própria sociedade. Salientando que não foi uma acção téctica, a profissional sublinha que o resultado para a Control foi positivo, no sentido em que se percebeu que há uma comunidade muito forte que protege a marca. Além de que os números das redes sociais cresceram, em dois dias, como nunca acontecera até então.

Na Unilever, sendo uma multinacional, pratica-se a não exposição ao risco. Em geral, há um grande cuidado na forma como a comunicação é colocada e testada e acredita-se que a melhor maneira de gerir uma crise é mesmo evitá-la e mitigar os riscos. «Qualquer crise reputacional que aconteça numa marca ou num produto tem uma escala e uma dimensão – que hoje com as redes sociais – tem um impacto efectivo no negócio», assegura Patrícia Jesus, Head of Communications & Sustainability da Unilever. Mas mesmo dentro da Unilever há marcas que são mais ousadas como Axe ou a Ben & Jerry’s, uma marca activista que defende causas sociais. Para todas, defende, «é muito importante a forma ágil e a rapidez com que se responde a questões de crise. É preciso controlar a narrativa». Até porque a publicidade é uma faca de dois gumes, não havendo o certo e o errado a 100%, dependendo da perspectiva.

«Certo é que nunca vamos conseguir agradar a todos porque temos o mundo em constante mudança e as pessoas estão a mudar. Há muito maior diversificação, polarização e fragmentação. As pessoas querem conversar, dar a sua opinião e partilhar o seu ponto de vista. Isso gera este contacto mais directo com as marcas que antigamente não havia, porque era uma comunicação unidirecional.»

E é aqui que surge um dos elefantes na sala da comunicação, segundo Patrícia Nunes Coelho: o consumidor. E explica: «Antigamente tínhamos uma comunicação completamente vertical e unilateral para o público. Passámos a ter uma comunicação completamente bilateral. Uma campanha que é feita neste momento, daqui a 10 minutos, pode ser completamente explosiva em social media pelo consumidor. Portanto, é importante que ele esteja dentro da nossa sala de comunicação e que o marketeer tenha a capacidade de o ouvir de uma forma constante – o social listing – e tentar adaptar quem nós somos a quem o consumidor é. Tem de se trabalhar com ele.»

Na manada de elefantes na sala da comunicação a profissional da Control destaca também os movimentos que, consoante a marca de que se estiver a falar, há que ver como actuar perante os mesmos. Isto porque há marcas em que faz parte do seu ADN apoiar os movimentos. Outras preferem estar fora. Patrícia Nunes Coelho dá o exemplo do tema da religião em que a Control evita falar como marca. «É um tema complicado como há outros.» Na empresa habituou os seguidores a humor diário, há temas pré-definidos que a marca não deve abordar. «A primeira pergunta que devemos fazer a nós próprios é se faz sentido a marca falar sobre o tema ou não.»

E nem ser uma love brand, como a Dove, ajuda a esbater limites. Patrícia Jesus acredita que até traz maiores desafios e responsabilidade porque a marca está mais exposta. E conta que sendo uma marca que é para todos, com a missão de quebrar estereótipos, de derrubar a ideia de beleza tóxica e promover a autoestima, acaba por ter também as suas questões. Porque, por exemplo, usar numa campanha uma senhora mais roliça gera questões de saúde e de que não se deve promover aquela forma de corpo. «Ou seja, é impossível conseguir, mesmo falando em diversidade e com uma com uma campanha tão válida e a missão da marca, chegar a todos.»

E importa ter em consideração o impacto de cada momento em que comunica já que são marcas que estão no dia-a-dia das pessoas no mundo inteiro e o que a marca fizer aqui tem impacto transversal. Logo, o risco é maior. Daí que Patrícia Jesus defenda que a questão do real time marketing não seja realmente para todas as marcas. «É preciso perceber se faz sentido no ADN daquela marca e se vai ao encontro do público-alvo. Porque o risco é grande e há cada vez mais sensibilidades que é preciso acautelar. Não podem ser tratadas de forma leviana.»

As marcas têm, ainda, de ter em consideração o grande desafio que diz respeito aos algoritmos, lembra Patrícia Nunes Coelho, na construção e disseminação das suas comunicações. «Posso estar a pensar que estou a falar para alguém que viu algo e que sabe de um tema, mas na verdade não viu. Porque são informações que não lhes passam no feed devido ao algoritmo.»

É nesse sentido que a Unilever tem estado a fazer um caminho com recurso a IA em que toda a comunicação é testada global e localmente. «Testa para perceber se fere alguma suscetibilidade, sendo que testamos seis estereótipos para garantir que não fere. Se não passar em algum, fica no radar e cabe à marca decidir se assume o risco e quer lançar», explica, salientando que há ainda uma customização para cada cultura para adequar consoante o tipo de target. «A IA tem de ser vista como um facilitador e um acelerador da decisão. E o facto de se gerir o risco não tira a capacidade de ser inovador, criativo e levar o conteúdo relevante para as pessoas.» Patrícia Jesus acredita que mensagens claras para cada marca e levadas de forma consistente ao longo do tempo criam ligações emocionais com o consumidor.

Os limites para os influenciadores

Seja por se associarem a determinadas causas, defenderem figuras públicas ou darem opiniões não consensuais, a cultura de cancelamento está instalada a nível global e os influenciadores não escapam.

No entanto, as pessoas que são criadoras de conteúdos no digital em Portugal ainda não estão a lidar com a realidade que se vive lá fora, assegura a locutora, apresentadora e influenciadora Mafalda Castro, que acredita que será apenas uma questão de tempo e de pressão do público. Em bom rigor, na grande maioria dos criadores de conteúdos, vulgarmente chamados de influenciadores, desconhece-se em quem votam, quais os seus valores, o que é que defendem. «Toda a gente se tenta manter um bocadinho calada em relação a muitas coisas, ser consensual e não dar opiniões.» Uma realidade que Mafalda Castro acredita que, à semelhança do que acontece lá fora, terá de mudar com as pessoas a terem de assumir as suas posições, correndo, com isso, o risco de serem canceladas. «Quando criei o meu podcast, decidi que ia dar opiniões mais livremente e, quando isso acontece, noto claramente uma resposta imediata do meu público. Ou seja, tenho mais pessoas a gostar de mim, mas também tenho mais pessoas a não gostar de mim.»

Aliás, lembra Patrícia Jesus, nos criadores de conteúdo humorístico e dos artistas já se sente esta censura e uma afronta à liberdade de expressão. «O Ricky Gervais diz que esta intolerância e censura ao humor vai pôr em causa o humor e a arte, de forma mais geral. É uma comunidade onde os haters surgem», comenta.

A diferença, face aos influenciadores, é que para já estão a conseguir não se posicionar. «Dá para fazer o caminho sendo consensuais, não nos posicionando ou não defendendo nenhuma causa porque ninguém nos exige que defendamos causa alguma», acrescenta Mafalda Castro. Excepção feita em relação a marcas com as quais têm de decidir se faz ou não sentido trabalharem, sendo assim possível perceber algumas das suas crenças.

Os seguidores estão, de forma geral, muito atentos àquilo que os criadores de conteúdos criam, sendo o feedback imediato. E para aqueles que trabalham em rádio e televisão, como é o caso de Mafalda Castro, o sentimento de autocontrole deriva, amiúde, do impacto e feedback que sabem que poderão ter nas redes sociais. «Ou seja, escolho aquilo que digo na televisão porque sei a forma como pode ser interpretada ou não. Já disse algumas coisas que foram mal interpretadas. E as consequências são sempre no mundo digital e chegam muito rapidamente.»

Ainda assim, no caso de Mafalda Castro, nunca houve necessidade de ter de fazer comunicação de crise, como as marcas. Mas acredita que vai acabar por acontecer, de uma maneira geral entre os influenciadores, quando começarem a ter de assumir as suas posições e a ser cancelados. «Temos um público cada vez mais informado e vai exigir, cada vez mais, dos influencers. Ter seguidores é obviamente uma responsabilidade e acho que as pessoas ainda não perceberam isso.»

A influenciadora não tem dúvidas, no entanto, que aquilo que torna os criadores de conteúdos mais atraentes é o facto de pisarem os limites da comunicação «como faz a Madalena Abecassis que passa o limite do que é politicamente correcto e aceitável na sociedade». A par disso, o que distingue os criadores digitais das marcas é que não têm tantos recursos e que são iguais a quem os está a seguir, ou seja os consumidores. «Essa parte real que temos e igual a toda a gente que nos vê é o que tem de ser e é valorizado pelas marcas. Às vezes vai falhar, outras acertar em cheio», refere.

A responsável da Unilever sublinha que a área das redes sociais é onde as marcas têm de estar porque é onde estão as pessoas. Não esqueçamos que em Portugal mais de 70% da população utiliza redes sociais. «A diversidade que a Mafalda Castro tem nos seus seguidores é a diversidade de pessoas.» Daí que encare os criadores de conteúdos e influencers como uma ferramenta fundamental no futuro das marcas na comunicação. «As marcas têm de lá estar e participar.» Importa que trabalhem com os criadores de conteúdos de maneira a levar as mensagens certas, mantendo e trabalhando o território das marcas, mas adequando a mensagem e customizando de acordo com os seguidores.

Apesar de ainda não sentir, por agora, que as marcas estejam atentas às posições dos influencers, Mafalda Castro acredita que o futuro passa por aí, daí que seja importante que os criadores assumam posições. Dessa forma as marcas conseguem escolher os influencers ou a voz que estará a representá-las nesses conteúdos, de maneira a que as opiniões dessas pessoas façam sentido com as da marca. «E acaba por ser mais eficaz na comunicação para a comunidade da própria pessoa, ou seja, saber que a pessoa se identifica com os valores da marca, com aquela marca em específico, e que não é uma coisa pontual.» Aliás, acrescenta Patrícia Jesus, importa que «as marcas estabeleçam relações de longo prazo com os influenciadores que façam sentido para a marca e que estes levem os valores da marca».

Texto de Maria João Lima

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