2020, seu sacana!

Por Marcelo Lourenço, fundador e director Criativo da Coming Soon

Fazer um resumo de 2020 é o exercício definitivo de ver o copo meio cheio.

Posto isto, ficam aqui as 10 coisas que aprendi em 2020:

1) Que o teletrabalho é muito mais difícil do que parecia. Por exemplo: assim que o lockdown começou todos os talk shows da TV americana abandonaram os estúdios e passaram a ser feitos a partir de casa. E eram todos péssimos. Mas de repente, um deles, o programa “Closer Look” começou a melhorar. Muito. E só na sua última emissão homeoffice o apresentador Seth Meyers explicou o porquê: um comediante e Youtuber chamado Matt Parker tinha-lhe lhe enviado um vídeo intitulado “Porque os night shows feitos em casa são tão ruins” com dicas básicas sobre como melhorar a imagem e som dos vídeos homemade. Se as dicas serviram para o Seth Meyers, um dos apresentadores mais famosos do mundo, certamente vão fazer maravilhas pela sua próxima reunião por Zoom (e ainda vão ser muitas em 2021).

2) Que a desculpa “é impossível fazer boas campanhas com imagens de arquivo” é isso mesmo: uma desculpa. Enquanto nós, criativos, reclamávamos, vem a Nike e faz este “Mamba Forever”, um filme lindíssimo de homenagem ao grande Kobe Bryant, morto num desastre de helicóptero. E faz isso sem imagens, sem footage, sem nada: só som, lettering, música e ideia. Veja e reclame do budget do seu próximo filme se for capaz.

3) Que um dia as futuras gerações vão perguntar sobre o grande lockdown de 2020. Nesta hora, é bom ter no bookmark o trabalho do fotógrafo português João Pina que se fechou no Copan, em São Paulo, o maior edifício residencial do Brasil, só para acompanhar a vida em quarentena dos seus mais de cinco mil habitantes. Cada foto é uma resposta diferente sobre as grandes questões da vida: Quem somos? Para onde vamos? Quando é que acaba a pandemia?

https://www.tsf.pt/mundo/janela-com-vista-para-o-copan-13112449.html

4) Que o melhor de 2020 já estava decidido em Julho, quando foi lançada a campanha “WombStories” da marca de higiene feminina Bodyform. Ao contrário da campanha da Nike, esta tem tudo de tudo: além da ideia e do conceito, tem uma execução primorosa (e milionária) e a música assombrosa da Pumarosa. É simplesmente impossível competir com este momento único da criatividade. Só nos resta aplaudir todos os Grand Prixs que a campanha vai continuar a ganhar em 2021.

5) Que ninguém sabe nada de nada eu já sabia. 2020 só veio confirmar. É que se eu ou você disséssemos no começo do ano que os dois grandes sucessos da Netflix no ano seriam um documentário sobre o submundo dos parques de tigres e a história (emocionante) de uma rapariga campeã de xadrez, levaríamos logo duas bofetadas na cara. E mesmo assim, as séries mais faladas do ano foram “Tiger King” e “Queen’s Gambit”. Mais dois dos mistérios de 2020.

6) Que, quem diria, Joe Biden, o mais chato e improvável dos candidatos a presidente dos Estados Unidos seria mesmo capaz de vencer:
a) Vencer a convenção dos Democratas.
b) Vencer Donald Trump (apesar do maluco laranja continuar a dizer o contrário).

E que o discurso de Biden, com música dos Black Eyed Peas seria um dos melhores resumos de 2020, aquele momento mágico em que o mundo (ou os eleitores americanos) disseram “chega”.

7) Que estamos mesmo a viver a época de ouro das agência independentes. Ou no caso, de uma agência “inhouse” como a Fox Creative, responsável pela melhor campanha portuguesa de 2019/2020: a campanha “Estreia-te” da Fox. Uma campanha com uma grande ideia, com grandes resultados e absurdamente divertida, feita a pensar no consumidor e não nos prémios – e por isso mesmo está a ganhar todos eles – incluindo o Grande Prix do Clube dos Criativos e dos Prémios de Eficácia. Palmas, mais uma vez, para o Hellington Vieira e a sua equipa.

8) Que num ano em que perdemos génios como o Diego Maradona, os grandes Sean Connery e Enio Morricone, a juíza Ruth Ginsburg, para mim nada foi tão triste como a morte do Felipe Duarte (o Pipo). Não só um dos melhores actores de Portugal e uma das grandes vozes da nossa publicidade, o Pipo era um dos sujeitos mais generosos com quem eu trabalhei. Vou sentir saudades de entrar no estúdio e encontrá-lo sempre a comentar (caridosamente) que eu “parecia muito mais magro”. Deixo aqui as palavras do jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho a explicar porque a morte do Pipo não tinha nada a ver com a pandemia mas, ao mesmo tempo, tinha tudo a ver.

9) Que sentir inveja de uma campanha continua a ser o melhor elogio que um criativo pode fazer ao trabalho de outro criativo. Pois então, todo o meu elogio roxo de inveja vai para esta campanha feita pela agência brasileira África, Grande Prémio na categoria Via Pública do El Ojo de Ibero América. Se a publicidade foi capaz de produzir coisas assim em ano de Covid-19, imagine quando a pandemia acabar.

10) E, por último, a grande surpresa de 2020 . Ou pelo menos a grande surpresa para mim que só agora, fechado em casa, tive tempo de assistir às duas primeiras temporadas: “Cobra Kai”, a continuação do clássico “Karate Kid”. Convenhamos: é um projecto que tinha tudo para dar errado, uma sequela de um filme B dos anos 80. Mas alguém decidiu que mesmo com todo o potencial de uma bela duma porcaria, iria contar uma história de verdade, com grandes actuações (em especial do desaparecido e agora ressuscitado William Zabka) e que iria transformar os personagens de esferovite do filme original em pessoas reais.

Que 2021 seja como “Cobra Kai”: um sucesso. Mesmo com tudo para dar errado.

Artigos relacionados